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18/08/2018

O Gato Branco

O Gato Branco
Barata Cichetto
(Escrito para a coletânea da Editora Multifoco "O Mistério das Sombras")
“Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem.” Edgar Allan Poe
Imagem de DepositPhotos

Finalmente, trinta anos após matar minha esposa a golpes de machado, sai pela porta principal do complexo prisional. Mais de dez mil dias, em que cada um deles representou uma eternidade de  sofrimento. E muito mais perversa do que o tormento da lembrança do assassínio, era a maldição de ter que diuturnamente conviver com meu algoz, que por sua presença me fizera cometer um crime.

Acredito que conheçam minha história e os horrores que me acometeram após enforcar um maldito gato preto. Na mesma noite tive minha casa completamente destruída por um incêndio, o que obrigou a mim e minha esposa a mudarmo-nos para um porão imundo, onde outro perverso felino com uma maldita marca de enforcamento estampada na pelagem me atormentaria até quase a loucura. Por conta desse tormento, não me restou outra coisa a não ser o de exterminar o desgraçado. Mas, tomada por algum sentimento que desconheço, minha esposa se interpôs entre meu machado e a cabeça do infeliz, o que provocou sua morte instantânea. E, naquele momento, a única coisa que poderia fazer era apagar os rastros do meu ato, emparedando-a na adega. E não fosse o maldito gato, até hoje seus ossos estariam ali, atrás daquela parede. E eu não estaria também com meus ossos emparedados atrás dessas grades. Maldito gato!

Longos dez mil dias e noites em que nem por um minuto deixei de ser atormentado pela perversidade daquele episódio. Não que a culpa sobre o assassínio pesasse em minha consciência, pois que não fazia a mim mesmo nenhum julgamento. E não era também a saudade de minha esposa a atormentar-me, mas a presença constante daquele ser hediondo que, junto à grade de minha cela, me fitava com seus olhos demoníacos.

Não pensem que enlouqueci após tantos anos de prisão, não sonhei tão pouco, mas desde que fui apanhado pela policia e encarcerado, passei a receber a visita diária daquele infeliz bichano. Todos os dias ele ficava ali, na pingadeira da janela fechada por grades, com sua cabeça voltada para dentro de minha cela, imóvel, com seus olhos satânicos a me fitar desafiadoramente. Nem um som proferia, nenhum movimento fazia. Apenas ficava ali sentado, me olhando, rachando ao meio meu crânio de uma forma mais dolorosa do que eu fizera com o de minha mulher.

Em todas as horas do dia ele ficava ali, mas quando a noite chegava sua presença mais me apavorava, pois ao receber a luz da Lua, sua imagem era refletida, enorme, na parede sobre a minha cama. Uma sombra perturbadora, por conta da qual, por anos não soube o que era dormir. Permanecia a noite inteira deitado sobre o colchão, de olhos abertos, fitando aquela sombra, apavorado. Do lado de fora da grade da cela era apenas um gato e sua lembrança perversa, mas aquela sombra não, ela era real, enorme e perigosa. 

Tentei todas as formas que tinha para enxotá-lo, mas nenhuma surtia efeito. Ele continuava ali, estático, me fitando, me violentando, me condenando. Tentei pensar que era apenas o fruto de minha imaginação, que aquilo seria apenas uma alucinação causada pela culpa, e assim fazer com que minha mente simplesmente não despejasse a frente de meus olhos aquela visão. Mas de fato nada adiantava e, até corro o risco de dizer a cada tentativa de me livrar dele, piorava as coisas, pois a imagem refletida na parede se tornava maior, mais intensa e mais negra. Mais aterradora.

Assim foram todos os meus dias dentro do presídio. E esperava que ao deixá-lo, meu pesadelo continuasse confinado naquela cela, que ficasse para trás a sombra maldita daquele gato.  Entretanto não foi de fato o que ocorreu, pois meu pesadelo não acabaria, apenas mudaria de lugar. E de cor.

Ainda no dia em que deixei a prisão, decidi visitar o tumulo onde jaziam os restos de minha esposa. Ultrapassei o portão principal do cemitério e caminhava por uma estreita ruela de pedras soltas em direção aos túmulos, quando uma figura familiar passou correndo à minha frente, desaparecendo por entre os túmulos. Era um gato. E não era negro este. Enorme e peludo feito o outro, mas quase que totalmente branco. Pude perceber algo escuro ao redor de seu pescoço, mas como a aparição me surpreendera, não pude precisar o que era.

Refeito do susto, continuei a caminhar até chegar ao sepulcro, e tão logo o avistei, a cerca de cinquenta metros, minhas artérias congelaram. Aquele ser, que passara correndo à minha frente minutos antes, estava sentado imponentemente sobre a lápide, me fitando com ar soberbo e desafiador. Não preciso dizer que estremeci.

Decidi não sentir medo, ergui a cabeça, mirei o olhar do bichano e continuei meu caminho. O coração, entretanto, não concordava com minha decisão de serenidade e batia muito rápido. Mas tinha que ir em frente, ganhar aquela disputa. E ademais, eu tinha ficado paranóico com gatos, e aquilo decerto era apenas coincidência. Gatos adoram cemitérios, e afinal ele não era preto, mas branco. E isso era de importância fundamental.

Quando eu vencera cerca de dois terços do caminho, estando a cerca de dez metros, o gato ergueu-se, eriçou o pelo e soltou um miado alto e forte, desaparecendo. Pensei que de fato não era nada, que minha imaginação estava pregando-me peças. O bichano ficou com medo da minha presença e sumiu, foi o que pensei.

Confortado com minha conclusão, respirei aliviado e dei mais alguns passos até chegar junto a lápide onde estavam gravadas as datas de nascimento e morte da falecida. Entretanto, naquele momento senti um gelo a correr pela minha espinha e todos os pelos do meu corpo se arrepiaram, pois a sepultura estava aberta e em lugar do esqueleto seco de minha esposa, havia um outro, de um animal. O esqueleto de um gato.

Refeito do susto inicial, procurei a administração do cemitério e pedi explicações ao funcionário, que em principio duvidou da minha história e apenas após grande insistência me acompanhou e pôde perceber que realmente o tumulo tinha sido violado e os ossos roubados e trocados por ossos de gato. Ação de vândalos, com certeza, arguia o senhor de bigodes. Decerto alguma turba querendo fazer uma brincadeira de mau gosto, ou mesmo alguém revoltado com o hediondo crime que eu cometera contra uma mulher indefesa, fizera aquilo para dar-me um susto.

Prometendo investigar o acontecido, o funcionário providenciou areia, cimento e cal e pôs-se a fechar a sepultura. Ao lado dele permaneci em silencio, com a mente rondando meu passado e trazendo-me à memória a cena em que eu, usando dos mesmos materiais, tentara esconder meu crime.

Os dias seguintes foram de total terror. Com a idade tendo corroído minha vitalidade, sem trabalho e consequentemente sem dinheiro, passei o tempo esmolando para comer e dormindo sob marquises. Mas algo era ainda pior que a fome, a chuva e o frio, pois a todos os lugares aonde ia, aquela silhueta parecia me seguir. Furtiva, fazia sempre questão de estar ao alcance dos meus olhos.

Por um acaso do destino ou plano demoníaco, o único lugar que consegui como moradia foi o antigo porão, que fora o palco daquele teatro macabro que culminara com minha situação de agora. Tudo estava exatamente igual ao dia em que eu saíra dali algemado pelos policiais, acusado de assassinato. Quilos de poeira jaziam sobre os moveis roídos por cupins, mas eu precisava apenas de um lugar onde pudesse descansar e me esconder daquele pesadelo.

Tratei de trancar a porta da melhor forma que pude e deitei-me na cama, mas segundos depois, quando mal fechara os olhos, escutei um som, um ronronar. Ergui-me rapidamente e passei a procurar por todos os cantos sem nada encontrar. Bastava, entretanto que me deitasse e cerrasse os olhos, para que aquele som maldito explodisse em meus ouvidos. E assim foi durante os dias que se seguiram. Eu não podia mais dormir, não tinha ânimo e nem desejo de sair daquele lugar. E aquele som me mantinha acordado, dia e noite.

Uma semana depois não podia mais suportar aquela situação e, da mesma forma que antes, engendrei planos para capturá-lo, acabando de vez com aquilo. Mas nenhum era suficientemente bom. E enquanto matutava os dias foram passando, sem que eu conseguisse pensar em algo realmente eficaz.

Uma noite, tomado por extremo desespero, passei a caçar o gato por todos os recantos, seguindo o som do ronronado. Vislumbrei-o na escuridão, sentado sobre algo que não podia distinguir claramente. Acendi um fósforo e cai sentado ao perceber aquele maldito, confortavelmente assentado sobre a ossada de minha esposa, atrás da parede semidestruída.

Não preciso dizer que fiquei cego. Apanhei uma machadinha e passei a desferir golpes desesperados em sua direção, sem, conseguir acertar um que fosse. Depois de um longo tempo, sentei-me exausto e coloquei as mãos no rosto. Não podia mais suportar, tinha que acabar com aquilo. E apenas uma maneira existia.

Quando amanheceu o dia, apanhei ferramentas, cal, areia, cimento e os tijolos que estavam esparramados pelo chão e passei a construir outra parede, no mesmo lugar. Ao alcançar uma altura que ainda me permitia galgar, lancei para trás dela o restante do material e me esgueirei pela abertura. Passei as próximas horas a fechar com tijolos o restante da parede, pois a única forma de fugir daquele suplicio, era dar a mim mesmo destino que impusera a minha esposa e desaparecer para sempre daqueles olhos malditos. 

Tinha quase acabado, faltando apenas um tijolo para completar minha obra. Apenas um retângulo de cerca de vinte por dez centímetros era o que me separava de minha libertação. Abaixei-me e peguei o ultimo tijolo, mas ao erguer-me, com a intenção de vislumbrar a ultima réstia de mundo exterior, o que vi, espreitando por aquele buraco, foi o par de olhos, redondos e insanos, daquele gato branco.

11/01/2013

Ouça a Narração, Sonoplastia e Produção do Radialista Del Wendell:


19/01/2016

Luto Por Mim. Luto Por Nós!


Ah, não chorem a morte de seus ídolos. Estão mesmo todos mortos. O câncer que matou Bowie, Lemmy, Dio e tantos outros não chegou até eles de outro planeta, nem de nada de fora deles. Fazia parte deles como suas canções e a cor de seus olhos.

E quanto a nós, artistas da fome, que morremos à míngua, sem apoio, sem direito a um mínimo sequer de conforto, sem às vezes o básico para sobreviver? E quanto a nós, que ainda teimamos em produzir nossa arte a despeito da imensa maioria burra e surda? E quanto a nós, o câncer também nos deitará?

Não é preciso! Estamos mortos há muito tempo, pela obsolência programada pela mídia, pela indústria cultural, pelas mentes corrompidas por migalhas políticas. Somos obsoletos, pois nos dedicamos à nossa arte e fazemos do talento apenas um pequeno ingrediente, e com trabalho produzimos mais e mais. Mais e melhor. Melhor e mais. Sim, escrevemos, fazemos vídeos, compomos, pintamos e bordamos, na maioria das vezes em trabalhos solitários em buracos sem ventilação, em quitinetes minúsculas e porões mal iluminados.

A mídia não nos enxerga, as pessoas não nos enxergam, cegas pelas falsas luzes brilhantes dos holofotes que jogam sobre seus olhos. Acham que são livres, mas são prisioneiros. Prisões sem grades. Acham que estão vivos, mas fedem dentro de sarcófagos de vidro e concreto.

E quanto a nós? Pessoas e artistas como eu, Barata Cichetto, e como Amyr Cantusio Jr., Del Wendell, Nua Estrela e tantos outros? Quanto à nós? Sobra o câncer? O que nos sobra?

E choram a morte dos ídolos.

Não chorem.

Eles estão mortos.

E quanto a nós?

"Qualquer estado, qualquer entidade, qualquer ideologia que não reconhece o valor, a dignidade, os direitos do homem, esse estado é obsoleto" (Rod Serling, no desfecho do episódio).

Luto por mim. Luto por nós! Luto!