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27/10/2012

O Futuro Acabou! - Mas Quem o Matou?


O Futuro Acabou! - Mas Quem o Matou?
Luiz Carlos Barata Cichetto
Escritório de Trabalho de Milton Santos - São Paulo - Foto: André Stolarski - 2009 - Fonte: www.miltonsantos.com.br
Há alguns dias, escrevi uma matéria analisando uma frase do geógrafo brasileiro Milton Santos, a respeito de classes sociais. Naquele texto a análise foi pautada pela interpretação pura e simples da mesma e do seu significado e atualidade. Cheguei a conclusão de que, no contexto contemporâneo, ela está totalmente equivocada, não por falta de visão de Milton, mas porque aquela bipolaridade deixou de existir, em meu entendimento. Mas existe um outro flanco a ser analisado com relação não quanto a frase em si, mas sobre uma questão que muito me aflige e que diz respeito ao porque de a maioria das pessoas não conhecerem, e portanto não darem valor, a pensadores como ele, por exemplo, pautando suas vidas através de declarações de pessoas que, no mínimo, não tem um dedinho do pé de seu conhecimento, mas que são levados a sério, como se gênios fossem. Pessoas que nunca leram um livro, ou se leram foram apenas livros de autoajuda ou religiosos. Que nunca param para escutar coisas que podem de fato alimentar suas mentes com idéias conscientes e produtivas, que as faça pensar e consequente agir na direção de seu pensamento.

Milton Santos

E quem foi Milton Santos? Milton de Almeida Santos (1926–2001) foi um dos mais profícuos pensadores brasileiros, negro, nascido pobre numa pequena cidade do interior da Bahia, mas que através do talento e principalmente esforço intelectual, considerado um dos mais sérios filósofos do Século XX. Tornou-se Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1948) e posteriormente Doutor em Geografia pela Universidade de Strasbourg (1958). Foi perseguido pela Ditadura Militar, tendo morado na França e também no Canadá e Estados Unidos, Tanzânia e Venezuela onde sempre atuou como um respeitado professor.  Em 1994 recebeu o Prêmio Vautrin Lud, instituído pelo Festival Internacional de Geografia, em Saint-Dié-des-Vosges e é conferido por universidades de 50 países, premiando uma personalidade eminente no campo da geografia, sendo considerada a maior distinção neste campo científico, para o qual não existe o Prêmio Nobel. Milton Santos recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelas seguintes universidades: Universidade de Toulouse, França, Federal da Bahia, Buenos Aires, Complutense de Madri, Sudoeste da Bahia, Federal de Sergipe, Federal do Rio Grande do Sul, Estadual do Ceará, Passo Fundo, de Barcelona, Federal de Santa Catarina, Estadual Paulista, Nacional de Cuyo, Estado do Rio de Janeiro e Universidade de Brasília. Foi também presidente ou membro de entidades nacionais e internacionais como a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur) e consultor de organismos internacionais com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização dos Estados Americanos(OEA), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Secretaria da Educação Superior (SESu/MEC) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp/SP). 

Além disso, o menino negro e pobre, nascido de uma família humilde do interior baiano escreveu cerca de trinta livros e é reconhecido mundialmente. Sua obra "O Espaço Dividido", de 1979, é considerada um clássico mundial, onde ele desenvolve uma teoria sobre o desenvolvimento urbano nos países subdesenvolvidos. Seu pensamento sobre globalização, esboçado muito antes desse conceito se tornar corriqueiro, advertia para a possibilidade de que isso poderia gerar o fim da cultura e da produção original do conhecimento. "Por uma Outra Globalização", livro escrito em 2000, dois anos antes de sua morte, é referência hoje em cursos de graduação e pós-graduação em várias universidades brasileiras. Nesse trabalho fundamental, Milton faz uma abordagem crítica sobre o cruel processo da globalização atual. Em sua visão, esse processo, da forma como está configurado, padroniza a cultura e transforma o consumo em ideologia de vida, massificando os seres humanos, transformando-os em meros consumidores e espectadores de seu próprio destino, assim concentrando a riqueza nas mãos de poucos. Milton Santos não era contra a globalização, mas contra o modelo de globalização perversa vigente, que ele chamava de "globalitarismo". 


Silvio Tendler e Milton Santos

Conhecido como "o cineasta dos vencidos" por abordar em seus filmes personalidades como Jango, JK e Carlos Marighella, entre outros, Silvio Tendler produziu cerca de 40 filmes, entre eles dois longa-metragens sobre Milton Santos. "Milton Santos, Pensador do Brasil” (2001) e "Encontro com Milton Santos: O Mundo Global Visto do Lado de Cá", documentário que discute os problemas da globalização sob a perspectiva das periferias. O filme é uma entrevista com Milton Santos gravada quatro meses antes de sua morte. O outro, lançado em 2004, é o curta-metragem "Milton Santos – Por Uma Outra Globalização”.  Em 2005 Tendler recebeu o Prêmio Salvador Allende no Festival de Trieste, Itália, pelo conjunto da obra. Em 2008, foi homenageado no X Festival de Cinema Brasileiro em Paris, com uma retrospectiva de seus filmes.  É detentor das três maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro: "O Mundo Mágico dos Trapalhões" , "Jango"  e "Anos JK" , com cerca de um milhão de espectadores cada um.


Milton Santos, Inácio Bueno e Outros

E porque, pessoas como Milton Santos e outros intelectuais brasileiros não são divulgados, estudados de forma ampla e geral, não são convidados, com raríssimas exceções, a dar entrevistas em programas de televisão, rádio, jornais, etc.?  Porque a intelectualidade brasileira é colocada no ostracismo, vilipendiada e desacreditada em nossas terras, embora ovacionada em vários outros paises mais civilizados do mundo?  E existem outros, claro, e que nem a mesma reverência dos meios acadêmicos de Milton Santos tiveram, como Inácio Bueno, que se não fosse pela perseverança da família em lançar uma obra póstuma, "O Futuro Começou", teria seu pensamento totalmente ignorado quase pela totalidade das pessoas. E como tantos outros, que ignorados pela mídia comprometida com o poder, nunca chegaram aos olhos e ouvidos da maior parte da população, estando restrito apenas aos meios acadêmicos.

Inácio de Loyola Gomes Bueno foi membro da Companhia de Jesus, Padre Diocesano afastado da Igreja na época do Regime Militar Brasileiro por pressão militar, exilando-se na França onde permaneceu durante oito anos e onde cursou Sociologia e depois o Curso de Psicanálise existencialista em Paris. Por intermédio de uma bolsa, foi também  a Tanzânia e posteriormente ao retornar ao Brasil passou por inúmeras dificuldades, tentando retornar ao ministério sacerdotal e passando a exercer a psicanálise, sempre atendendo generosamente a todos que o procuram. Em 2000 sofreu um AVC, seguido por várias doenças e em 2001 escreveu este "O Futuro Começou". Faleceu em 29 de Junho de 2007.


E Nós? E os Outros? 

E porque isso acontece? De quem é a culpa, afinal de contas? É claro que não podemos subestimar os poderosos, achando que incentivariam ou mesmo permitiriam que o pensamento de pessoas como Milton Santos e Inácio Bueno fosse levados às chamadas "classes inferiores", pois fatalmente isso resultaria numa revolução. Óbvio que o poder emana de cima, ao contrário do que prega a Constituição hipócrita, nunca do povo, mas o trabalho sujo, de disseminação, cabe a outros componentes dessa engrenagem, como a dos meios de comunicação, que nada mais são do que as vozes dos poderosos, braços que conduzem as ovelhas pelo mata-burro até seu destino final. Os outros braços, os das religiões, se encarregam de dar o aspecto "divino", demonizando e desacreditando a intelectualidade e transformando as pessoas em autômatos ocos, presas fáceis do grande mecanismo de dominação.

Exemplos de vida, antes de mais nada, como os de Inácio Bueno e Milton Santos, exemplos de determinação, de como não se deixar levar por estigmas e rótulos, pelas dificuldades, não interessam aos poderosos. Saber que, através de esforço, dedicação e firmeza de caráter podemos romper a maior parte das barreiras sociais, independente da cor da nossa pele ou da nossa condição social de origem, não interessa. Interessa mesmo é criar cotas racistas e preconceituosas, segregação pura, leis de privilégios que criam ilusão de igualdade, mas que são puros disfarces de incompetência e etc., são na verdade cabrestos aplicados com o único intuito de manter as coisas exatamente como e onde elas são e estão. Aqueles que ousam destoar, são execrados, alijados de seus bens, emudecidos com as armas mais sujas ou estigmatizados como loucos. 


Conclusão

Pouco resta do poder de pensar para a maioria, pouco resta do poder de se comover com a miséria e com a fome. Pouco resta do poder de indignação perante a violência. Pouco resta de fato de humanidade aos seres humanos. A banalização do sexo e do amor em musicas de qualidade sofrível e a publicidade que induz às pessoas ao consumo demente, são mecanismos práticos de dominação e conduzem a um caminho perigoso, o da aniquilação da humanidade. O que nos espera é um futuro sombrio, tenebroso, de fome e destruição, onde a violência e a morte serão, como aliás já são, fatos corriqueiros, cotidianos. Um futuro onde a arte e o sonho não terão mais lugar. O que nos espera é um futuro em que como zumbis nos devoraremos uns aos outros, até que não sobre mais um ser. Ao menos nenhum ser que foi um dia chamado de Humano.


Mais Informações:
Milton Santos: http://miltonsantos.com.br
Inácio Bueno: http://www.abarata.com.br/resenhas_livros_detalhe.asp?codigo=1143
Silvio Tendler: http://pt.wikipedia.org/wiki/Silvio_Tendler


26/10/2012

Cavalos Não Fazem Revoluções


Cavalos Não Fazem Revoluções
Luiz Carlos Barata Cichetto
"Existem apenas duas classes sociais, a dos que não comem e a dos que não dormem com medo da revolução dos que não comem." - Milton Santos. 

A frase acima, que brotou na minha cabeça com o primeiro lampejo da manhã, provocou uma torrente de lava. Uma quente torrente de pensamentos, alguns confusos pela profundidade da mesma, outros claros pelo mesmo motivo. 

Infelizmente não descobri as circunstâncias e quando frase foi dita ou escrita, o que seria de fundamental importância para sua total compreensão. Mas, separemo-la do tempo, isolando-a no contexto e época atuais, pois se a analisarmos dentro do contexto anos 60 ou 70, ela teria diretamente uma relação com a época da Ditadura Militar, e daquela crença dos "guerrilheiros" de que as massas um dia se levantariam contra a tirania militar, o que aliás nunca aconteceu. Mas analisando pelo ponto de vista atemporal, deslocada em qualquer tempo, e trazendo-a para os dias correntes e a luz dos acontecimentos que nos cercam neste principio de segunda década do terceiro milênio, seu significado muda completamente. Entretanto, os contextos históricos não podem e não devem ser desprezados quando se trata de uma declaração de alguém que foi atemporal e proprietário de uma cultura com poucos similares nestas terras. 

Frases como esta são reprisadas e exibidas em redes sociais com alarde por aqueles que se consideram revolucionários, sem, no entanto pararem e pensarem em seu significado real, sobre o que ela representa na prática ou na história. E se hoje, vivemos um caos, principalmente nas grandes cidades, com organizações criminosas disputando o poder a tapas e a balas podemos dizer que a frase de Milton está correta? Sim e não!

Se pensarmos na população concentrada nas periferias das grandes cidades, abandonada em barracos sem infraestrutura, ganhando salários miseráveis quando muito, vivendo em péssimas condições de sobrevivência como os "que não comem", sim, a frase estaria correta. Desamparadas pelo Estado, usadas como massa de manobra por políticos e humilhados de todas as formas, estas pessoas se bandearam para o lado que lhes era mais próximo e que lhes dava abrigo e segurança: o lado do chamado crime organizado, e se são estas pessoas, que ameaçam "o que não dormem", que seria na concepção do conceito imposto na frase do geógrafo brasileiro, os "poderosos".

Mas a resposta seria não se pensarmos que isso não se trata de nenhum tipo de revolução, mas sim de uma guerra pela sobrevivência, nunca uma revolução. Uma revolução é pautada por ideais e objetivos claros e comuns, é embasada e sustentada por uma causa comum, clara e definida. Seria o descaso do Estado com essas pessoas a causa determinante? Isoladamente sim, mas no geral não se trata de uma "causa", mas de uma desculpa. Em outras palavras, a revolução é comunitária, mas a guerra é individual. E o que temos são apenas guerras individuais travadas por vezes em grupos, sem objetivos claros, sem ideais e que causam apenas uma autêntica barbárie social, visto que entre essas duas classes a que se referem Milton Santos existe uma terceira, que no fim é quem paga a conta, ou seja, a que realmente não dorme, com medo das outras duas.

Essa bipolaridade de Milton, a parte toda sua vivência e cultura, me parece um tanto simplista se entendida literalmente, sem o contexto exato em que foi proferida. Mas como foi ela a base desta análise, continuo a analisá-la isoladamente, posicionando-a no atual cenário brasileiro.

Então pensemos: quem são "os que não dormem"? Num entendimento imediato e simples, seriam os milionários e os políticos, os poderosos que comandam o mundo. E será que eles realmente não dormem com medo dos "que não comem"?  Não creio, pois têm de muito a certeza de que todo o aparato de segurança os protegem. E quando falo em aparato, não me refiro apenas ao mais aparente, como forças militares e policiais, mas também aos aparatos muito mais eficazes e eficientes da propaganda, das mídias, que os protegem com uma invisível barreira. As ilusões são transformadas em realidade, empacotadas em belos embrulhos e entregues "aos que não comem" sob a forma de leis protecionistas, segregacionistas, e privilégios. Puras ilusões.

E a ilustração disso seria aquela de se pendurar uma cenoura na frente de um cavalo deixando que ele a persiga o dia inteiro sem nunca alcançar. A busca dessa "cenoura" é o maior fator de proteção. E assim "os que não comem" têm a ilusão de que um dia comerão e passam a defender aqueles que, diariamente colocam aquela cenoura na sua frente. A guerra é declarada não contra aqueles, mas contra outros cavalos para que mais dessa cenoura imaginária lhes pertença. E isto é uma guerra, nunca uma revolução.

Mas o terceiro ponto desse triangulo, que a frase de Milton Santos despreza, não é nem o dos cavalos que não comeriam, nem a dos fazendeiros fornecedores de cenouras imaginárias que não dormiriam, mas o daqueles que projetam e constroem celeiros,  aram a terra e plantam e colhem a cenoura. Enfim, daqueles que realmente produzem com o suor de seus rostos ou matraquear de seus neurônios tudo o que os outros dois disputam. E estes são os que de fato não dormem. E não dormem porque são obrigados a fornecer mais e mais cenouras aos primeiros para que criem suas ilusões, e não dormem por medo de terem suas plantações devastadas pelos iludidos cavalos ensandecidos, e principalmente não dormem por medo de serem massacrados por mostrarem aos cavalos que jamais alcançarão aquela cenoura. São estes, portanto, inimigos tanto de uns quanto dos outros.

Temos portanto não duas, mas três figuras metafóricas na história: o fazendeiro, o cavalo e o agricultor. E não tenho duvidas de que o agricultor é de fato aquele que não dorme. Ou como no velho dito popular, dorme de olhos abertos, com um olho no fazendeiro e o outro no cavalo. E acredito que não preciso lembrar ao distinto leitor de que nem fazendeiros nem cavalos fazem revoluções.

Para Saber Mais Sobre Milton Santos: http://miltonsantos.com.br/site/