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10/01/2019

Polímata: Homem do Mundo


Polímata: Homem do Mundo
Luiz Carlos Cichetto

"Seria muito bom  / Seria muito legal / Se cantor ou compositor / Pudesse ser ator ou jogador de futebol..." - Benito de Paula - "Assobiar e Chupar Cana"


É difícil á geração acostumada a facilidades tecnológicas, às frivolidades lógicas, e à inutilidades afetivas, entender o que é um Polímata[i]. Aliás, a maior parte da geração nascida no final do século passado, sequer conhece o significado do termo, mas aí é outra questão.

O "Homem da Renascença[ii]", um modelo de versatilidade que procurava ir muito além de um simples fazer alguma coisa razoavelmente, buscando fazer muitas coisas excepcionalmente, foi praticamente extinto. Facilidades e interesses políticos espúrios o aniquilaram.

Há um claro interesse, especialmente aos pregadores do coletivismo, em que tal modelo de ser humano desapareça, afinal, pregam a "igualdade" e, portanto, uma pessoa que se sobressaia a partir do exercício de inúmeras artes e ofícios, é simplesmente uma prova farta de que seu sistema não funciona. E nesse rol podemos incluir todos os vendedores de ilusão ligados à teorias marxistas-comunistas-socialistas, que pregam a quebra de autoridade como paradigma com intuito de atingir seu intento.

Leon Battista Alberti[iii]disse: "um homem pode fazer todas as coisas que quiser", considerando assim que o Homem é um ser forte e ilimitado em suas capacidades, e que deveria abraçar todo o conhecimento e desenvolver as suas capacidades ao máximo. E há muitos exemplos de tais pessoas, especialmente até o século XIX, exemplos que diminuem em escala gigantesca, a partir da segunda metade do século XX, e que tendem a desaparecer no atual. O maior deles, sem dúvida foi Leonardo Da Vinci.[iv]

Outro belíssimo exemplo de polímata é Michelangelo[v], fartamente conhecido como pintor e escultor, mas que foi também arquiteto e poeta, entre outras coisas. Um exemplo disso é o poema abaixo reproduzido.

Para Dante Alighieri [1545]

Desceu do céu e, em trajo de mortal,
após o inferno e o reino piadoso,
só contemplou Deus todo-poderoso,
pera nos dar de tudo a luz real:

estrela que em seu brilho essencial
o ninho onde nasci fez luminoso;
nem fora dom o mundo tam danoso:
só tu, que a criaste, havias de ser tal.

Digo de Dante, que inda pouco amiúde
as obras lhe conhece o povo ingrato,
que só aos juntos falta ter saúde.

Mas fosse eu ele! Com tal fado nato.
no áspero exílio seu, e co a vertude,
daria ao mundo o mais feliz retrato.

Michelangelo: Cinquenta Poemas, Ateliê Editorial (2008), Tradução Mauro Gama

No Brasil, pessoas como Dom Pedro II, José Bonifácio e Santos Dumont são exemplos claros de polímatas de séculos passados, mas um dos poucos recentes, Enéas Carneiro[vi], foi ridicularizado, afinal, a ideologia de esquerda cada dia mais presente, através do marxismo cultural nas escolas e meios de comunicação, precisa aniquilar com qualquer forma de exemplo contrário.

Foi graças especialmente à polímatas que atingimos o grau de desenvolvimento tecnológico e social atual, mas o ser humano do século XXI, em sua arrogância e prepotência, acredita que as coisas sempre foram assim, que tudo sempre funcionou dessa forma, e particularmente os comuno-socialistas acreditam que tudo foi fruto do "coletivo", numa clara má fé em ignorar propositalmente o significado do termo, e mais especialmente tentando demonstrar que não existe um "individuo", num ato de des-humanidade que vai contra o princípio básico da própria existência humana.

O polímata, ou "Homem da Renascença" é um ser capaz de atuar, e bem, em várias áreas, muitas vezes distintas, empregando apenas e tão somente esforços próprios, contribuindo assim para o "coletivo". Claro que nem todos os "produtos" tem exatamente o mesmo nível de excelência, mas todos conservam sempre uma qualidade acima da média, já que tal indivíduo sempre prima pela qualidade de seu trabalho.

Claro que tal espécie de ser humano acaba por se tornar um perigo iminente aos que querem nivelar todos os seres humanos num patamar único, preferencialmente baixo, para que possam assim ter o controle total. É a única forma de se implantar seu amado coletivismo, e através dele alcançar seus intuitos nefastos. É por tal razão que a primatia é desestimulada nas escolas e em qualquer meio de comunicação.  O "protagonismo" na educação é um exemplo claro, pois estimula a "participação social", transformando a criança num ser apenas como parte de uma sociedade, deixando de lado qualquer iniciativa de protagonismo efetivo, ou seja, o indivíduo como estrela de seu próprio espetáculo. Ayn Rand[vii], no célebre "A Nascente[viii]" ilustra bem isso: "E somente porque viveu para si próprio é que o criador pôde conquistar as coisas que são a glória da humanidade. Essa é a natureza da conquista.".

Ademais, a existência de pessoas com multiplicidades intelectuais e artísticas, e que tenham capacidade de produzir prédios e máquinas, tão bem quanto escrevem poemas e fazem pinturas, que produzam ideias e pensamentos tão bem quanto cálculos matemáticos, que conheçam tão bem leis quanto literatura, que joguem futebol tão bem quanto projetam um avião, e que, enfim possam servir de influência e motivação a outras, incorre num perigo aos que tem sede de poder absoluto, pois naturalmente essas pessoas seriam líderes naturais, que criariam outros líderes naturais, assim por diante, o que faria ruir, de fato, as estruturas baseadas no líder imposto à força ou por mecanismos fraudulentos.

A existência desses "superseres", que em princípio seriam tratados assim, mas que depois, baseado em dois outros pilares da existência humana, que são a competição e a vaidade, num ato natural passariam a ser imitados e superados, criando assim uma cadeia criativa infinita, que traria benefícios incalculáveis a toda a humanidade. Acontece que os pregadores da mentira da igualdade seriam rapidamente desmascarados e, portanto agem com eficiência para desestimular.

A partir do início do século XXI, ainda dentro da primeira década, a criação das chamadas "redes sociais", foi, digamos, a pá de cal sobre o túmulo do polímata. Seu mecanismo de funcionamento instiga e premia a todos, baseado da premissa básica do "coletivismo", que nesse caso significa que todos tem a mesma voz ativa, fazendo com que, aquele que por esforço, dedicação, maior capacidade, até mesmo por predisposição genética, seja colocado na mesma baia dos preguiçosos, aproveitadores e insanos, que nunca ergueram um dedo sequer para melhorar intelectualmente. A decorrência inequívoca é o desestímulo dos primeiros e a arrogância dos segundos. Quem ganha com isso? Claro que quem criou o sistema, ou seja, a máxima que diz que no jogos quem ganha no final é sempre a banca, que tem que fingir que, no jogo, as chances são iguais a todos. Quem perde com isso? Primeiro perdem os jogadores, mesmo os que têm a ilusão de ganhadores, segundo e pior, perde a humanidade inteira.

Falando em jogos sujos (embora todos os jogos os sejam, mas alguns mais sujos que os outros), a existência de seres polímatas é também uma ameaça à parte burra do capitalismo, já que não há interesse algum em que se tenha apenas um desses, com atividades polivalentes de qualidade geral média alta. A esses interessa mais ter meia dúzia de medíocres, com qualidade geral medíocre, criando assim, segundo eles, um mercado maior, além do que, diminuiriam com isso a capacidade de negociação, aumentando ainda mais seus lucros.

Robert Root-Bernstein[ix],  professor de fisiologia na Michigan State University já foi agraciado com a bolsa MacArthur Fellowship, conhecida como uma “bolsa para gênios", diz que "criatividade não precisa ser limitada a uma única disciplina embora certamente possa ser", refletindo em seus estudos que compreender a polimatia pode ajudar a fornecer um novo modelo para promover uma educação mais inovadora.

Em contraponto a isso, seguidores de Paulo Freire[x], cuja doutrina educacional é baseada em pilares do comunismo, e tendo como influenciadores Karl Marx e Antonio Gramsci[xi], ao propor, desde a tenra infância o antagonismo, incentivando entre outras coisas não apenas a luta de classes como também a divisão social, resulta na quebra de autoridade, nesse caso representado pelo professor, que nesse ponto é colocado do lado do "opressor", gerando assim uma série de eventos que chegam até a violência física. A pedagogia da libertação, em resumo, propõe e estimula a mesma coisa que afirma combater: a divisão para oprimir ("nós contra eles"), a invasão cultural (já que parte de premissas externas), a conquista (o paternalismo), e por fim a manipulação (ao tentarem assegurar que a sua é a única forma válida, não dando oportunidade a que o aluno tenha outra forma de pensar a não ser aquela).

Claro que dentro de uma estrutura educacional dessas, que foi implantada aos poucos desde aos anos 1970 no Brasil, qualquer forma de polimatia é desestimulada, e até mesmo punida, já que, por natureza, ao transitar por diversas áreas, o polímata decerto confrontaria fatos e argumentos, usando inúmeras áreas de conhecimento, e fatalmente desmontaria tal falacioso sistema educacional, que serve não a uma sociedade, mas a uma causa, e que forma não um cidadão, mas um ser que passará a não buscar seu próprio crescimento individual, e com isso conquistar mais e mais espaço dentro da sociedade, mas partir da premissa de que pode ter tudo o que quiser, já que todos são iguais, sem precisar esforço, e agir com violência até, para ter o que não lhe pertence por incompetência ou preguiça.

Por fim tal ser, produto dessa educação criará um ódio profundo a todos aqueles que, por esforço próprio, dedicação e busca de oportunidades, conquistou algo que ele não tem. Em outras palavras, esse sistema muda apenas o nome do "opressor", quando a única forma de "libertação" é a de dentro para fora, e se dá através do crescimento intelectual, dando assim as armas para que um ser humano possa escolher a quem servir, ou por quem quer ser servido, desde que haja consentimento das partes.

Outrossim, muito da forma "antiga" de educação também tinha falhas monstruosas. Na minha época de "ginásio", no inicio dos anos 1970, tínhamos matérias como "Práticas de Escritório" e "Técnicas Comerciais", destinada a "formar" funcionários de escritório, bancários, coisas assim, além de aulas de "Religião" (Católica) e "Educação Moral e Cívica".  As aulas de Música e Filosofia foram retiradas, o que denota uma intenção clara de inibir artes e pensamento crítico. As matérias eram ensinadas por professores que aplicavam castigos físicos no maus alunos, e eram até mesmo incentivados pelos próprios pais.

Então, confrontando as duas formas, resumidamente, saímos de uma educação voltada para alvos errados, formando empregados, e com professores que batiam em alunos, para uma também voltada para alvos errados, formando capachos políticos, e com alunos batendo em professores. Ambas se baseiam no especialismo e na superficialidade. Uma preparando o aluno para servir ao sistema capitalista, como subalterno e escravo, e o outro para servir a um coletivo socialista, também como subalterno e escravo. E parece-me que a preparação de um ser humano para servir a si mesmo antes de servir a outros senhores não entra na conta desses "pensadores". Um Homem preparado para servir a si mesmo, com certeza servirá melhor ao conjunto da sociedade do que um manipulado para servir a outrem, pois esse será de fato um ser liberto. E quando se sentem livres, os seres humanos por natureza tendem a criar, produzir mais, beneficiando assim toda a humanidade.

Por que razão os responsáveis pelos rumos da educação não dirigem os métodos para a criação de seres humanos dignos, capazes, sim, de fazer suas próprias escolhas, uma educação voltada ao empreendedorismo, ao conhecimento amplo, incentivando todas as formas de pensamento individual?  Seria pedir demais que se encorajasse a polimatia? Ou seja, um sistema educacional que não restringisse um ser humano a uma mera capacitação, mas que ampliasse suas possibilidades desde o berço, explorando ao máximo sua capacidade.

Antes de um "ser social" ou um "animal político", como definiu Aristóteles[xii], somos seres humanos, unos, individuais. Todos gostam de ser chamados por seus nomes, todos gostam de ser notados, todos gostam de se sentir melhor. E é essa coisa chamada vaidade que gera a competição, tão combatida por coletivistas, mas que no fim foi o que trouxe a humanidade até o patamar em que nos encontramos, inclusive com a tecnologia usada para tentar provar que somos todos iguais. É a competição a mola mestra da evolução humana, é a competição a razão de ser da humanidade, desde a concepção, na corrida dos espermatozoides. Renegar a competição e principalmente negar o mérito aos melhores competidores é um crime contra a própria humanidade. É como se todo organismo humano resolvesse que todos os espermatozóides seriam iguais e portanto deveriam ter o direito de chegar ao mesmo tempo e fecundar o óvulo, ou ainda, que nenhum espermatozoide chegaria ao óvulo antes de outro. Com o tempo a própria estrutura do organismo deixaria de produzir espermatozoides, como no processo decorrente da vasectomia. Então, em palavras mais simples, destituir a competição do ser humano e condená-lo à extinção.

Com efeito, a polimatia cria, indubitavelmente, uma maior independência do indivíduo em relação a tudo que lhe serviria de amarra, portanto, um efetivo valor de liberdade. Em situações extremas, quando mais conhecimento uma pessoa tiver sobre a maior quantidade de coisas possíveis, menor será sua margem de erro, portanto menor seu risco. Até mesmo guerrilheiros valorizaram tal premissa, incitando seguidores a terem conhecimentos diversos, reduzindo as chances de serem apanhados, como o próprio Carlos Marighela[xiii], que coloca entre as prerrogativas de segurança a multiplicidade, em seu "Mini Manual do Guerrilheiro Urbano"[xiv]. Morto pelas forças de segurança do Regime Militar, ele pode também ser considerado um polímata, já que era político, guerrilheiro, poeta e professor.

Um dos fatores preponderantes a extinção do "Homem da Renascença", claro é a velocidade dos tempos e as necessidades inerentes a uma sociedade cada vez mais exigente, em que tudo tem que ser rápido e objetivo, e portanto, especializado. Mas há outros fatores. O cérebro humano tem, como nossos discos de computador, espaço determinado, e suas "gavetas" tem capacidade de armazenamento limitadas. Então, o que tínhamos há cem anos para guardar nessas gavetas e processar nesses cérebros? Efetivamente muito menos coisas que temos atualmente.

Não existiam tantas distrações, que é o que piora tudo. Por exemplo, coisas como televisão, e todas as milhões de distrações que ela proporciona, computadores, celulares, apelos urbanos em geral, carros e uma infinidade de coisas modernas que exigem a atenção, processamento e arquivamento no cérebro acabam por saturá-lo com coisas que, no fim, são efetivamente inúteis, fazendo com o espaço que poderia ser usado para construções intelectuais importantes, criações artísticas, e outras que poderiam efetivamente resultar em aprimoramento e crescimento humano sejam relegados a segundo plano. Ou nenhum.

Ser um polímata, claro, exige muito esforço físico e intelectual, além de uma disposição febril ao aprendizado e a correr riscos, em áreas que, em princípios podem ser muito diferentes entre si. Mas a maior exigência, sem dúvida, é a disciplina, para poder priorizar, separar e organizar cada informação e dispensar qualquer informação ou parâmetro que não seja essencial. Ela será a responsável por priorizar cada atividade e definir o que entra em que momento. A disciplina será uma espécie de "personal trainer" do cérebro.

Muitos perguntarão qual é a utilidade de um polímata no século XXI, quando temos poderosa tecnologia capaz de armazenar informações em capacidades além do cérebro humano, quando temos tudo ao alcance dos dedos, dos olhos e ouvidos. Em termos mais simples: por que tenho que saber muitas coisas se tem a Internet? Minha resposta é simples, e dou como exemplo o livro "Farenheit 451", escrito por Ray Bradbury[xv]ainda na década de 1950. Na história, em um futuro fictício, os livros foram proibidos e quem portasse um seria penalizado severamente, mas um grupo de pessoas tinha, cada um em sua cabeça, um trecho de um livro, sendo que isso acabava formando uma rede humana absolutamente fantástica, pois essas pessoas tinham o compromisso de passar adiante seu conteúdo. Podem ponderar que tal rede, mesmo que usemos todos os seres humanos do planeta atualmente, seria insuficiente para armazenar todo o conteúdo do conhecimento humano, guardados em computadores monstruosos ao redor do mundo. Mas pense na importância, na relevância de toda essa informação, pense que a maior parte desse conteúdo é absolutamente dispensável ao ser humano, e que de fato, ele ficaria muito bem, obrigado, sem isso. Essa conclusão é a resposta da pergunta sobre a utilidade da polimatia.

Por fim, muitos questionarão o presente artigo, muitos se insurgirão contra conceitos apresentados, e especialmente, muitos colocarão em dúvida minha capacidade de fazê-lo, já que não tenho qualquer formação acadêmica em filosofia ou educação, áreas mais afeitas ao tema. Aliás, quando souberem que por banco escolar tenho apenas o Ensino Fundamental, muitos gargalharão e ridicularizarão minhas propostas e análises. E não me importo, por que sei que não foi feito a essas pessoas o presente, não foi feito para pessoas fechadas dentro de academicismos, preconceitos e dogmas, que não enxergam no acumulo intelectual e na pura e boa experiência humana. Essas fatalmente jamais entenderão, colocarão dúvidas e obstáculos, tentarão a todo custo a desmoralização, a demonização. Então, claramente jamais entenderão um polímata, e o valor real que ele significa para a sociedade em geral.

A desmoralização e desvalorização da experiências pessoais, especialmente daqueles que a acumularam de formas tão diversas, como é meu caso, é uma praxe na atual sociedade, principalmente por aquelas que se deixaram inocular por mentiras ideológicas. Afinal, uma experiência pessoal precisa ser ignorada e ridicularizada, pois ali se encontra a prova viva contra uma mentira que é contada aos mais jovens. O que resta, então a um Homem da Renascença em pleno século XXI senão ser deixado à morte?

Desde garoto sempre tive interesses diversos, e uma capacidade de aprendizado enorme. Nunca precisei ser coagido, sequer incentivado a ir a escola, e também nunca precisei ser, nem me senti, pressionado em provas. Tudo era muito natural. Fui crescendo e ampliando meus leques. Profissionalmente fui de "Office Boy" a Analista de Qualidade, de Desenhista Mecânico a Projetista de Brinquedos. Tive também umas duas dúzias de outras profissões distintas, e sempre buscando a capacidade e resultado plenos. Ocupei posições importantes em grandes empresas, desde responsável por informação e artes e até engenharia. No campo das artes, andei por todos as áreas da literatura, da poesia ao texto técnico, conto e da crônica ao ensaio musical ao romance. Dediquei-me a artes plásticas fazendo esculturas em madeira, posteriormente pintura; criei centenas de projetos de arquitetura e executei alguns deles. Com exceção aos serviços brutos de alvenaria, realizei todos os inerentes à construção civil, como eletricidade, hidráulica, carpintaria e marcenaria; ademais organizei eventos públicos, criando desde o texto de contratos até a elaboração de artes, escrevi letras de musicas e criei vídeos, milhares de programas e três emissoras de webradio, três revistas impressas e uma dúzia de digitais.. Num determinado momento criei uma editora, onde fazia todo o trabalho, da editoração a capa, da costura e colagem dos miolos até a venda. Construi cerca de duzentos sites de Internet, sem nunca ter feito um curso em qualquer dessas áreas. Minha polimatia, portanto, sempre foi acompanhada do autodidata. Sempre tive a necessidade urgente de aprender mais e mais, e coisas diferentes, e sempre me dediquei plenamente a cada atividade desenvolvida, e sem qualquer espécie de modéstia falsa, estou certo de que o resultado final é de ótima qualidade, certamente com exceções.

Desde muito jovem tomei o prazer pela leitura, que substituiria todos os outros prazeres normais da idade. Interessado por assuntos diversos, me dediquei durante a maior parte dos meus sessenta anos a inúmeros assuntos, especialmente os ligados às artes e à filosofia. Li muito dos grandes filósofos antigos e modernos, sem entretanto nunca me fixar em nenhuma corrente, e principalmente sem me preocupar em guardar nomes e datas. Sempre acreditei que o importante na filosofia era estudar, depois juntar tudo num liquidificador mental e então colocar algumas pitadas de raciocínio próprio e só daí tentar chegar alguma conclusão, que aliás, poderia ser mudada com a chegada de novas ideias e informações, e assim por diante.

O interesse particular pelo assunto filosofia, junto com minha disposição em aprender e apreender coisas diferentes sempre misturando áreas tão distintas como cálculos de engenharia, métodos de controle de qualidade, sistemas de administração de empresa, poesia, pintura, marcenaria, escultura, tecnologia, fez com que minha visão sobre o mundo e suas coisas fosse cada vez mais profunda, e eu me sentisse cada vez menos sábio, procurando sempre ir além e além, e além, misturando todas essas experiências em busca de um único resultado. Daí meu interesse pelo assunto. Daí, como resultado final o presente texto, que longe de ter a pretensão de ser um tratado sobre o assunto, longe da arrogância de afrontar pensamentos estabelecidos, mas usando de todo o meu desejo de ponderar e questionar tudo aquilo que seja sacralizado e instrumentalizado, especialmente pela política, cuja único objetivo é de escravidão. E quanto mais conhecemos, quanto mais soubermos realizar, quanto mais estejamos dispostos a aprender, maior será a realização enquanto ser humano. E real será a liberdade, baseada na independência do indivíduo, que é algo único em todo o Universo.

Jamais me sentiria um ser humano completo se houvesse me dedicado a uma única área de atuação, tanto que, ao contrário da maioria da pessoas que conheço, nunca tive, mesmo em criança, um objetivo, um desejo em ser qualquer coisa especifica. Meus "sonhos" sempre mudavam, e foram de Jornalista a Advogado, de Empresário a Jardineiro, e passando por uma série de outras profissões. E talvez até por isso, nunca tenha me disposto a cursar uma faculdade, coisa que possivelmente engessaria minha predisposição. Claro que, dentro de uma sociedade que cobra alto de quem não tem uma especialidade única sacralizada por um diploma universitário, o preço pago foi muito alto, fazendo com que as benesses me fossem sempre negadas e renegadas, como o presente texto possivelmente será, pois afinal o "Homem da Renascença" está há muito fora de moda, e é um ser que atrapalha a todos os intentos de poder de todos os espectros políticos.

O "Homem da Renascença" está morto. O polímata, o Homem do Mundo jaz sob os escombros da modernidade., onde possivelmente também jaz o próprio conceito de humanidade.

05/01/2019





[i] Polímata, segundo a definição clássica, é uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área. Em termos menos formais, um polímata pode referir-se simplesmente a alguém que detém um grande conhecimento em diversos assuntos. Muitos dos cientistas antigos foram polímatas.
[ii] Renascimento, Renascença ou Renascentismo são os termos usados para identificar o período da história da Europa aproximadamente entre meados do século XIV e o fim do século XVI.
[iii] Leon Battista Alberti (Génova, 18 de Fevereiro de 1404 - Roma, 25 de Abril de 1472) foi arquiteto, teórico de arte, humanista, filósofo da arquitetura e do urbanismo, pintor, músico e escultor.
[iv] Leonardo di Ser Piero da Vinci, ou simplesmente Leonardo da Vinci (Anchiano, 15 de Abril de 1452 - Amboise, 2 de Maio de 1519), atuou em diversas áreas, como pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, matemático, fisiólogo, químico, botânico, geólogo, cartógrafo, físico, mecânico, inventor, anatomista, escritor, poeta e músico. Entre outras coisas, além de ter pintado o quadro mais famoso do mundo, a "Mona Lisa", e a "Santa Ceia", concebeu ideias muito à frente de seu tempo, como o escafandro, o helicóptero, tanque de guerra, o uso da energia solar, uma calculadora, o casco duplo nas embarcações, e uma teoria rudimentar das placas tectônicas.
[v] Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (Caprese, 6 de Março de 1475 - Roma, 18 de Fevereiro de 1564), mais conhecido simplesmente como Michelangelo foi um pintor, escultor, poeta e arquiteto florentino, considerado um dos maiores criadores da história da arte do ocidente.
[vi] Enéas Ferreira Carneiro (Rio Branco, 5 de Novembro de 1938 - Rio de Janeiro, 6 de Maio de 2007) foi médico cardiologista, físico, matemático, professor, escritor e político.
[vii] Ayn Rand, nascida Alisa Zinov'yevna Rozenbaum, São Petersburgo, 2 de Fevereiro de 1905 - Nova Iorque, 6 de Março de 1982), foi escritora, dramaturga, roteirista e filósofa norte-americana de origem judaico-russa, mais conhecida por desenvolver o sistema filosófico chamado de Objetivismo, e por seus romances, entre eles "A Nascente", "A Revolta de Atlas" e "Cântico".
[viii] A Nascente("The Fountainhead") Romance filosófico publicado em 1943. Com mais de 6 milhões de cópias vendidas no mundo inteiro, tem como protagonista o jovem arquiteto Howard Roark, que não aceita submeter o seu trabalho às convenções do meio.
[ix] Robert Root-Bernstein (7 de Agosto de 1953) é professor de fisiologia na Michigan State University.
[x] Paulo Reglus Neves Freire (Recife, 19 de Setembro de 1921 - São Paulo, 2 de Maio de 1997) foi um educador, pedagogo e filósofo brasileiro.
[xi] Antonio Gramsci (Ales, 22 de Janeiro de 1891 - Roma, 27 de Abril de 1937) foi um filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística. Foi membro-fundador e secretário-geral do Partido Comunista da Itália. Criou a corrente de pensamento "Gramscismo" prega a mudança da cultura na sociedade em direção ao socialismo para mais tarde poder ser feita uma revolução comunista e através dela assumirem o poder.
[xii] Aristóteles (Estagira, 384 a.C. - Atenas, 322 a.C.) foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande.
[xiii] Carlos Marighella (Salvador, 5 de Dezembro de 1911 - São Paulo, 4 de Novembro de 1969) político, poeta, guerrilheiro e escritor brasileiro e, a partir de 1964, um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura militar brasileira. Chegou a ser considerado o inimigo "número um" da ditadura.
[xiv] Trecho: "Um conhecimento de química e da combinação de cores, a confecção de selos, o domínio da arte da caligrafia e de copiar letras em conjunto com outras habilidades são parte da preparação técnica do guerrilheiro urbano, que é obrigado a falsificar documentos para poder viver dentro de uma sociedade que ele busca destruir."- Capítulo 3. Preparação Técnica do Guerrilheiro Urbano, por Carlos Marighella, 1969.
[xv] Ray Douglas Bradbury (Waukegan, 22 de Agosto de 1920 - Los Angeles, 6 de Junho de 2012, escritor americano que atuou como romancista e contista primariamente de ficção-científica e fantasia.

Quando a Não-violência Não é Solução - Theodore Kaczynski

Quando a Não-violência Não é Solução
 Theodore Kaczynski

É outono de 2025 D.C. O sistema tecnoindustrial desintegrou-se um ano atrás, mas você e seus amigos estão indo bem. Seu jardim floresceu no último verão e em sua cabana você tem um bom suprimento de vegetais secos, feijões secos e outros alimentos que irão te sustentar durante o inverno que está chegando. Nesse momento você está colhendo suas batatas. Você e seus amigos pegam com suas pás uma batata após a outra pelas raízes, e retiram os tubérculos do solo.

De repente seu amigo te cutuca e você dá uma olhada. Oh-oh. Uma gangue de homens com cara de malvados está vindo em sua direção. Eles têm armas de fogo. Eles vão dar problema, mas você fica firme em seu lugar. O líder da gangue chega até você e diz:

"Você tem umas batatas boas aí" "É", você responde. "Elas são umas batatas boas" "Nós vamos levá-las" diz o líder da gangue. "Até parece!" você responde. "Nós trabalhamos duro durante um longo verão cultivando essas batatas…"

O líder da gangue aponta seu rifle na sua cara e diz, "Foda-se, otário". E ele diz aos seus homens, "Dick, Ziggy, dê uma olhada na cabana e veja que tipo de comida eles têm. Talvez possamos até nos mudarmos para cá e passar o inverno aqui. Mick, pegue aquela vadia ali antes que ela fuja. Ela tem uma bunda boa. Nós todos vamos transar com ela hoje à noite".

Você fica furioso e começa a gritar, "Seu canalha! Você não pode…" E o rifle faz BANG. Você está morto.

* * * * * * * * * *

A não-violência funciona apenas quando você tem a polícia para te proteger. Na ausência de proteção policial, a não-violência é praticamente o mesmo que suicídio.

É claro que isso não é sempre verdade em todas as épocas e lugares. Entre os Pigmeus Africanos, como descrito por Colin Turnbull, a violência mortal contra humanos era praticamente desconhecida. Em outras sociedades nômades caçadoras e coletoras as pessoas algumas vezes matam umas as outras em lutas, mas eles nunca conquistam o território do outro ou tribos sistematicamente. Sob estas condições, a não-violência não é inconsistente com a sobrevivência.

Mas, realisticamente falando, estas não são as condições que irão prevalecer se e quando o sistema tecnoindustrial entrar em colapso. Existem muitas pessoas más por aí: Nazistas, Hell's Angels (gangue de motoqueiros), membros da Ku Klux Klan, a máfia…muitos outros não pertencem a grupos reconhecidos. Eles não vão desaparecer no ar quando o sistema se desintegrar. Eles ainda estarão por aí. Eles provavelmente não vão ser bem-sucedidos ao tentarem cultivar seus próprios alimentos mesmo que tentem e eles não vão tentar porque pessoas desse tipo vão achar muito mais apropriado pegar a comida dos outros ao invés de cultivar a sua própria. E já que eles são maus, eles podem te matar ou te estuprar apenas pelo prazer disso, mesmo quando eles não precisarem da sua comida.

Também, muitas pessoas comuns, que sob as condições atuais são pacíficas e dóceis, podem tornar-se más quando ficam desesperadas por comida ou por boas terras agrícolas para plantar. A escassez de alimento pode não ser crítica nas chamadas áreas "atrasadas" do mundo onde os camponeses ainda são relativamente auto-suficientes, mas nos países industrializados, onde a agricultura é completamente dependente em pesticidas, fertilizantes químicos e combustível para tratores (entre outras coisas), e nos quais poucas pessoas possuem a habilidade de cultivar seu próprio alimento com eficiência, a escassez de alimento com certeza será grave quando o sistema entrar em colapso.

Vamos até mesmo assumir, apenas para argumento, que os países industrializados possuam terra arável o suficiente para que todas as pessoas, em teoria, sejam capazes de cultivar seu próprio alimento por métodos primitivos. Na ausência de um governo em funcionamento, não haverá meios de distribuir os habitantes das cidades pelas áreas rurais e designar sistematicamente cada pedaço de terra para uma família. Em conseqüência disso, haverá caos e confusão. Algumas pessoas irão tentar apropriar-se do maior número ou das melhores terras para elas mesmas, outras irão opor-se a elas e lutas mortais irão acontecer. Grupos armados irão se organizar para sua própria proteção ou para propósitos agressivos. Se você quer sobreviver ao colapso desse sistema, é melhor que você esteja armado e preparado para usar sua arma com eficácia. Isso significa estar preparado psicologicamente como também fisicamente.

Estar armado e preparado para lutar em autodefesa será não somente a condição necessária para sua própria sobrevivência, mas será também o seu dever. Os Nazistas, Hell's Angels e os membros da Klu Klux Klan não serão os inimigos mais perigosos da liberdade. Pelo fato destas pessoas serem ingovernáveis, turbulentas e foras-da-lei, é improvável que eles criem organizações grandes e eficientes. Muito mais perigosas serão aquelas pessoas que vêm da espinha dorsal do sistema atual, as pessoas que estão adaptadas à vida em organizações disciplinadas: os tipos burgueses - os engenheiros, executivos, burocratas, oficiais militares, algumas polícias e assim por diante. Estas pessoas estarão ansiosas para restabelecer a ordem, a organização e o sistema tecnológico o mais rápido possível. Os seus métodos serão menos rudimentares do que os dos Nazistas e os das gangues de motocicletas mas eles não hesitarão em usar força e violência quando for necessário para atingirem seus objetivos. Você DEVE estar preparado para se defender fisicamente contra estas pessoas.

Atinja Onde Dói - Theodore Kaczynski

Atinja Onde Dói
Theodore Kaczynski

O Propósito Deste Artigo
O propósito deste artigo é apontar um princípio muito simples do conflito humano, um princípio que os oponentes do sistema tecno-industrial parecem estar negligenciando. O princípio é o de que em qualquer forma de conflito, se você quer vencer, você deve atingir seu adversário aonde dói.

Eu tenho que explicar que quando eu falo sobre "atingir aonde dói" eu não estou necessariamente referindo a golpes físicos ou a qualquer outra forma de violência física. Por exemplo, em um debate oral, "atingir aonde dói" significaria fazer argumentos do qual a posição do seu oponente é a mais vulnerável. Em uma eleição presidencial, "atingir aonde dói" significaria ganhar do seu oponente os estados que tiverem o maior número de votos. Mesmo assim, ao discutir este princípio eu irei utilizar a analogia de um combate físico, porque é vívido e claro.

Se uma pessoa te dá um murro, você não pode se defender atingindo de volta no punho dela, porque você não conseguirá ferir a pessoa dessa forma. Para você vencer a luta, você deve atingir a pessoa aonde dói. Isso significa que você deve passar por trás do punho e atingir as partes sensíveis e vulneráveis do corpo da pessoa.

Suponha que uma escavadeira pertencente a uma madeireira esteja destruindo a mata perto de sua casa e você quer parar com isso. É a lâmina da escavadeira que rasga a terra e derruba as árvores, mas seria uma perda de tempo pegar uma marreta e atingir a lâmina. Se você gastar um longo e duro dia marretando a lâmina, você pode até conseguir danificar a lâmina o suficiente para que ela fique inutilizável. Mas, em comparação com o resto da escavadeira, a lâmina é relativamente barata e fácil de substituir. A lâmina é apenas o "punho" em que a escavadeira atinge a terra. Para derrotar a máquina você deve passar por trás do "punho" e atacar as partes vitais da escavadeira. O motor, por exemplo, pode ser arruinado com muito pouco tempo e esforço por meios bem conhecidos por muitos radicais.

Neste ponto eu devo deixar claro que eu não estou recomendando que alguém deva danificar uma escavadeira (ao menos que seja propriedade sua). Nem qualquer outra coisa neste artigo deve ser interpretada como recomendando atividade ilegal de qualquer tipo. Eu sou um prisioneiro, e se eu fosse encorajar atividade ilegal esse artigo nem sairia da prisão. Eu uso a analogia da escavadeira somente porque é claro e vívido e será apreciado por radicais.

A Tecnologia É O Alvo
É amplamente reconhecido que "a variável básica que determina o processo histórico contemporâneo é o resultado do desenvolvimento tecnológico" (Celso Furtado). A tecnologia, acima de tudo, é responsável pela atual condição do mundo e irá controlar o seu desenvolvimento futuro. Portanto, a escavadeira que nós temos que destruir é a tecnologia moderna em si. Muitos radicais estão conscientes disso, e sabem então que suas tarefas são eliminar todo o sistema tecno-industrial. Mas infelizmente eles têm prestado pouca atenção para a necessidade de atingir o sistema aonde dói.

Destruir o McDonald's ou o Starbuck's é inútil. Não que eu me importe com o McDonald's ou o Starbuck's. Eu não me importo se alguém os destrói ou não. Mas isso não é uma atividade revolucionária. Mesmo se cada rede de fast-food no mundo fossem arrasadas o sistema tecno-industrial sofreria danos mínimos como resultado, já que ele consegue sobreviver facilmente sem redes de fast-food. Quando você ataca o McDonald's ou o Starbuck's, você não está atingindo aonde dói.

Alguns meses atrás eu recebi uma carta de um jovem na Dinamarca que acreditava que o sistema tecno-industrial tinha que ser eliminado porque, em suas palavras, "O que acontecerá se continuarmos dessa forma?" Entretanto, aparentemente sua forma de atividade "revolucionária" era atacar fazendas de peles. Como um meio de enfraquecer o sistema tecno-industrial essa atividade é totalmente inútil. Mesmo se os libertadores de animais sucedessem em eliminar completamente a indústria de peles eles não causariam qualquer dano ao sistema, porque o sistema consegue se manter perfeitamente sem peles.

Eu concordo que manter animais selvagens em gaiolas é intolerável, e pôr um fim a tais práticas é uma causa nobre. Mas existem muitas outras causas nobres, como prevenir acidentes de trânsito, prover abrigo para os moradores de rua, reciclagem, ou ajudar pessoas velhas atravessar a rua. Mesmo assim ninguém é tolo o bastante para confundir essas atividades com atividades revolucionárias, ou imaginar que elas fazem algo para enfraquecer o sistema.

A Indústria Madeireira É Um Caso À Parte
Como outro exemplo, ninguém em sã consciência acredita que qualquer coisa em relação à natureza selvagem conseguirá sobreviver por muito tempo se o sistema tecno-industrial continuar a existir. Muitos radicais ambientalistas concordam que esse é o caso e esperam que o sistema entre em colapso. Mas na prática tudo o que eles fazem é atacar a indústria madeireira.

Eu certamente não tenho objeção aos seus ataques na indústria madeireira. Na verdade, é um assunto que está próximo do meu coração e fico contente por qualquer sucesso que os radicais podem ter contra a indústria madeireira. Mais ainda, por razões que eu preciso explicar aqui, eu penso que a oposição à indústria madeireira deva ser um componente dos esforços para acabar com o sistema.

Mas, por ela mesma, atacar a indústria madeireira não é um modo eficiente de ir contra o sistema, porque mesmo que os radicais consigam parar todo o desmatamento em todo o mundo, isso não iria destruir o sistema. E não iria salvar permanentemente a natureza selvagem. Cedo ou tarde o clima político mudaria e o desmatamento recomeçaria. Mesmo que o desmatamento não recomeçasse, existiriam outras formas nas quais a natureza selvagem seria destruída, ou se não destruída ao menos domada e domesticada. Mineração, chuva ácida, mudanças climáticas e extinção de espécies destróem a natureza selvagem; a natureza selvagem é domada e domesticada por recreação, estudo científico, e gerenciamento de recursos, incluindo entre outras coisas rastreamento eletrônico de animais, barragem de córregos para a criação de peixes, e plantio de árvores geneticamente modificadas.

A natureza selvagem só pode ser salva permanentemente eliminando o sistema tecno-industrial, e você não consegue eliminar o sistema atacando a indústria madeireira. O sistema sobreviveria facilmente a morte da indústria madeireira porque produtos de madeira, apesar de muito úteis ao sistema, podem se necessário, serem substituídos por outros materiais.

Consequentemente, quando você ataca a indústria madeireira, você não está atingindo o sistema aonde dói. A indústria madeireira é apenas o "punho" (ou um dos punhos) no qual o sistema destrói a natureza selvagem, e, como em uma luta de punhos, você não consegue vencer atingindo o punho. Você tem que passar por trás do punho e atingir os órgãos mais vitais e sensíveis do sistema. Por meios legais, é claro, como protestos pacíficos.

Porque O Sistema É Forte
O sistema tecno-industrial é excepcionalmente forte devido a sua chamada estrutura "democrática" e sua flexibilidade resultante. Devido ao fato de que sistemas ditatoriais tendem a ser rígidos, tensões sociais e resistências podem crescer ao ponto em que elas danificam e enfraquecem o sistema e podem levar à revolução. Mas em um sistema "democrático", quando a tensão social e a resistência crescem perigosamente, o sistema cede o suficiente, ele abre mão o suficiente, para baixar as tensões a um nível seguro.

Durante os anos de 1960 as pessoas começaram a se dar conta que a poluição ambiental era um problema sério, mais ainda porque a sujeira visível e cheirável no ar sobre nossas grandes cidades estavam começando a deixar as pessoas desconfortáveis. Protestos apareceram e uma Agência de Proteção Ambiental foi criada e outras medidas foram tomadas para aliviar o problema. É claro que todos sabemos que nossos problemas de poluição estão a um longo, longo caminho de serem resolvidos. Mas o suficiente foi feito para que as queixas do público abaixassem e a pressão no sistema fosse reduzida por muitos anos.

Portanto, atacar o sistema é como atacar um pedaço de borracha. Um golpe de martelo pode estilhaçar ferro fundido, porque ferro fundido é rígido e frágil. Mas você pode golpear um pedaço de borracha sem danificá-lo porque ele é flexível: Ele cede espaço diante de um protesto, só o suficiente para que o protesto perca sua força e impulso. E então o sistema cresce de volta.

Então, para atingir o sistema aonde dói, você deve selecionar os assuntos dos quais o sistema não irá ceder, dos quais ele irá lutar até o fim. O que você precisa não é um acordo com o sistema mas uma luta de vida ou morte.

É Inútil Atacar O Sistema Em Termos De Seus Próprios Valores
É absolutamente essencial atacar o sistema não em termos de seus próprios valores tecnologicamente-orientados, mas em termos de valores que são inconsistentes com os valores do sistema. Enquanto você atacar o sistema em termos de seus próprios valores, você não atinge o sistema aonde dói, e você permite que o sistema reduza o protesto abrindo caminho, recuando.

Por exemplo, se você ataca a indústria madeireira primeiramente com base em que florestas são necessárias para preservar recursos naturais e oportunidades recreativas, então o sistema pode ceder para neutralizar o protesto sem comprometer seus próprios valores: recursos de água e recreação são totalmente consistentes com os valores do sistema, e se o sistema recua, se ele restringe o corte de árvores em nome de recursos hídricos e recreação, então ele apenas faz um recuo tático e não sofre uma derrota estratégica em seu código de valores.

Se você empurra questões vitimizadoras (como o racismo, sexismo, homofobia, ou pobreza) você não está desafiando os valores do sistema e você não está nem ao menos forçando o sistema a recuar ou ceder. Você está ajudando o sistema diretamente. Todos os proponentes mais sábios do sistema reconhecem que o racismo, sexismo, homofobia, e pobreza são prejudiciais ao sistema, e é por isso que o próprio sistema trabalha para combater estas e outras formas similares de vitimização.

"Estabelecimentos escravizantes" com seus baixos salários e condições de trabalho miseráveis, podem dar lucro para certas corporações, mas proponentes sábios do sistema sabem muito bem que o sistema como um todo funciona melhor quando trabalhadores são tratados decentemente. Ao questionar estabelecimentos escravizantes, você está ajudando o sistema, e não o enfraquecendo.

Muitos radicais caem na tentação de focarem-se em questões não essenciais como racismo, sexismo e estabelecimentos escravizantes porque é fácil. Eles escolhem um problema do qual o sistema pode firmar um acordo e o qual vão receber apoio de pessoas como Ralph Nader, Winona La Duke, as uniões trabalhistas, e todos os outros comunistas partidários. Talvez o sistema, sob pressão, irá recuar um pouco, os ativistas irão ver algum resultado visível de seus esforços, e eles terão a ilusão satisfatória de que conseguiram algo. Mas na verdade eles não conseguiram nada em relação a eliminar o sistema tecno-industrial.

A questão da globalização não é completamente irrelevante para o problema da tecnologia. O pacote de medidas políticas e econômicas denominado "globalização" promove o crescimento econômico e, consequentemente, o progresso tecnológico. Mesmo assim, a globalização é uma questão de importância mínima e não um alvo bem escolhido de revolucionários. O sistema pode ceder na questão da globalização. Sem abandonar a globalização como tal, o sistema pode tomar medidas para mitigar as consequencias econômicas e ambientais negativas da globalização para neutralizar os protestos. Por quase nada, o sistema poderia até mesmo arcar em desistir totalmente da globalização. O crescimento e progresso mesmo assim continuariam, apenas em um ritmo mais lento. E quando você luta contra a globalização você não está atacando os valores fundamentais do sistema. A oposição à globalização é motivada nos termos de assegurar salários decentes para trabalhadores e proteger o meio ambiente, ambos dos quais são completamente consistentes com os valores do sistema. O sistema, para sua própria sobrevivência, não pode deixar a degradação ambiental aumentar demais. Consequentemente, ao lutar contra a globalização você não atinge o sistema aonde realmente dói. Seus esforços podem promover a reforma, mas elas são inúteis no propósito de abolir o sistema tecno-industrial.

Radicais Devem Atacar O Sistema Em Pontos Decisivos
Para trabalhar efetivamente em direção à eliminação do sistema tecno-industrial, os revolucionários devem atacar o sistema em pontos dos quais o sistema não pode ceder. Eles devem atacar os órgãos vitais do sistema. É claro, quando eu uso a palavra "atacar", eu não estou me referindo a ataque físico mas somente formas legais de protesto e resistência.

Alguns exemplos de órgãos vitais do sistema são:

A. A indústria de energia elétrica. O sistema é totalmente dependente de sua rede elétrica.

B. A indústria de comunicações. Sem comunicações rápidas, como por telefone, rádio, televisão, e-mail, e assim por diante, o sistema não sobreviveria.

C. A indústria de computação. Todos nós sabemos que sem os computadores o sistema iria prontamente entrar em colapso.

D. A indústria de propaganda. A indústria de propaganda inclui a indústria do entretenimento, o sistema educacional, o jornalismo, a publicidade, as relações públicas, além da política e da indústria de saúde. O sistema não funciona ao menos que as pessoas sejam suficientemente dóceis e conformistas e tenham atitudes que o sistema necessita que tenham. É função da indústria de propaganda ensinar as pessoas esse tipo de pensamento e comportamento.

E. A indústria de biotecnologia. O sistema ainda não está (até onde eu saiba) fisicamente dependente da biotecnologia avançada. No entanto, o sistema não pode deixar de lado a questão da biotecnologia, que é uma questão criticamente importante para o sistema, como eu irei argumentar logo.

Novamente: Quando você ataca esses órgãos vitais do sistema, é essencial não atacá-los em termos dos próprios valores do sistema, mas em termos de valores inconsistentes com aqueles do sistema. Por exemplo, se você ataca a indústria de energia elétrica com base em que ela polui o meio ambiente, o sistema pode neutralizar o protesto desenvolvendo métodos mais limpos de geração de eletricidade. Se o pior acontecesse, o sistema poderia até mesmo mudar totalmente para a energia eólica e solar. Isso pode ajudar bastante para reduzir danos ambientais, mas não ajudaria a pôr um fim ao sistema tecno-industrial. Nem iria representar uma derrota para os valores fundamentais do sistema. Para conseguir qualquer coisa contra o sistema você deve atacar toda a geração de energia elétrica como uma questão de princípio, com base em que a dependência em eletricidade faz as pessoas dependentes do sistema. Isso é fundamento incompatível com os valores do sistema.

A Biotecnologia Pode Ser O Melhor Alvo Para Ataque Político
Provavelmente o alvo mais promissor para ataque político é a indústria da biotecnologia. Apesar do fato de que revoluções são geralmente conduzidas por minorias, é muito útil ter algum grau de apoio, simpatia, ou pelo menos consentimento da população geral. Se você concentrasse, por exemplo, seu ataque político na indústria de energia elétrica, seria extremamente difícil conseguir qualquer tipo de apoio além de uma minoria radical, porque a maioria das pessoas resistem a mudanças em seus estilos de vida, especialmente qualquer mudança que seja inconveniente para elas. Por essa razão, poucos estariam dispostos a abandonar a eletricidade.

Mas as pessoas ainda não se sentem dependentes da biotecnologia avançada como elas se sentem com a eletricidade. Eliminar a biotecnologia não irá mudar radicalmente suas vidas. Pelo contrário, seria possível mostrar às pessoas que o desenvolvimento contínuo da biotecnologia irá transformar seus modos de vida e acabar com valores humanos antigos. Portanto, ao desafiar a biotecnologia, os radicais devem conseguir mobilizar a seu próprio favor a resistência humana natural por mudanças.

E a biotecnologia é uma questão da qual o sistema não pode perder. É uma questão da qual o sistema terá que lutar até o fim, o que é exatamente o que precisamos. Mas - para repetir mais uma vez - é essencial atacar a biotecnologia não em termos dos próprios valores do sistema mas em termos de valores inconsistentes com daqueles do sistema. Por exemplo, se você atacar a biotecnologia, primeiramente com base em que ela pode causar danos ao meio ambiente, ou que alimentos geneticamente modificados podem ser prejudicais à saúde, então o sistema pode e irá amortecer seu ataque cedendo ou recuando - por exemplo, introduzindo maior supervisão em pesquisas genéticas e mais testes e regulamentos rigorosos de plantações geneticamente modificadas. A ansiedade das pessoas irá então acalmar e o protesto irá enfraquecer.

Toda A Biotecnologia Deve Ser Atacada Como Uma Questão De Princípio
Então, ao invés de protestar contra uma ou outra consequência negativa da biotecnologia, você deve atacar toda a biotecnologia moderna como princípio, com base em por exemplo (a) que é um insulto a todas as coisas vivas; (b) que ela põe muito poder nas mãos do sistema; (c) que ela irá transformar radicalmente valores humanos fundamentais que têm existido por milhares de anos; e fundamentos similares que são inconsistentes com os valores do sistema.

Em resposta a esse tipo de ataque o sistema terá que levantar e lutar. Ele não possui recursos para se proteger do seu seu ataque cedendo em qualquer nível que seja, porque a biotecnologia é muito central para todo o empreendimento do progresso tecnológico, e porque ao ceder, o sistema não estará fazendo apenas um recuo tático, mas estará levando uma grande derrota estratégica em seu código de valores. Esses valores estariam minados e a porta estaria aberta para ataques políticos que poderiam destruir as fundações do sistema.

É verdade que a Casa dos Representantes dos E.U.A. recentemente votou para banir a clonagem de seres humanos, e pelo menos alguns congressistas até tinham os tipos de razões certas para isso. As razões que eu li estavam enquadradas em termos religiosos, mas seja o que for o que você pensa sobre os termos religiosos envolvidos, essas razões não eram razões tecnologicamente aceitáveis. E é isso o que importa.

Portanto, os votos dos congressistas sobre clonagem humana foi uma derrota genuína para o sistema. Mas ela foi apenas uma derrota muito, muito pequena, por causa da área estreita da proibição - apenas uma minúscula parte da biotecnologia foi afetada - e já que de qualquer forma para o futuro próximo a clonagem de seres humanos seria de pouco uso prático para o sistema. Mas a ação da Casa dos Representantes sugere que isso pode ser um ponto do qual o sistema é vulnerável, e que um ataque mais amplo em toda a biotecnologia pode causar um dano severo no sistema e em seus valores.

Os Radicais Ainda Não Estão Atacando A Biotecnologia Efetivamente
Alguns radicais atacam a biotecnologia, tanto politicamente quanto fisicamente, mas até aonde eu saiba eles explicam sua oposição à biotecnologia em termos dos próprios valores do sistema. Ou seja, suas queixas principais são os riscos de danos ambientais e de ser prejudicial a saúde.

E eles não estão atingindo a indústria da biotecnologia aonde dói. Utilizando uma analogia de combate físico novamente, suponha que você tenha que se defender contra um polvo gigante. Você não poderia contra-atacar efetivamente golpeando as pontas de seus tentáculos. Você tem que atingir na cabeça. Do que eu li de suas atividades, os radicais que trabalham contra a biotecnologia ainda não fazem mais do que golpear as pontas dos tentáculos do polvo. Eles tentam persuadir fazendeiros comuns, individualmente, de não plantarem sementes geneticamente modificadas. Mas existem milhares de fazendas na América, e então persuadir fazendeiros individualmente é um modo extremamente ineficiente para combater a engenharia genética. Seria muito mais eficaz persuadir cientistas que atuam trabalhando em pesquisas biotecnológicas, ou executivos de empresas como a Monsanto, a saírem da indústria biotecnológica. Bons cientistas pesquisadores são pessoas que possuem talentos especiais e treinamento extensivo, e por isso eles são difíceis de substituir. O mesmo é verdade de altos executivos Corporativos. Persuadir somente um pouco dessas pessoas a saírem da biotecnologia causaria mais dano à indústria da biotecnologia do que persuadir mil fazendeiros a não plantarem sementes geneticamente modificadas.

Atinja aonde dói
Está aberto a argumentação se eu estou certo em pensar que a biotecnologia é a melhor questão a qual atacar o sistema politicamente. Mas está além da argumentação de que os radicais atualmente estão gastando muito de suas energias em questões que têm pouca ou nenhuma relevância para a sobrevivência do sistema tecnológico. E mesmo quando eles dirigem-se às questões certas, os radicais não atingem aonde dói. Então ao invés de correrem para a próxima cúpula mundial do comércio para perderem a calma e terem ataques de raiva sobre a globalização, os radicais deveriam gastar mais tempo pensando em como atingir o sistema onde realmente dói. Por meios legais, claro.