Veio Chico e Dona Izaura
Luiz Carlos Barata Cichetto
(Hoje, 40 anos depois que meu avô transou pela última vez...)
Meu avô materno era um homem rude, criado no interior de São Paulo e que, segundo contam passou a sustentar a mãe e os irmãos aos oito anos de idade, após a perda do pai. Analfabeto até cerca de quarenta anos de idade quando, por paciência de uma sobrinha, e claro, perseverança dele, aprendeu as primeiras letras. Mas era um homem determinado e de uma inteligência e determinação ímpares. Acostumado às lides da roça, ao chegar a São Paulo trabalhou em tecelagem e posteriormente em uma fábrica de vasos de plantas por alguns meses. E esse pouco tempo foi o suficiente para apreender aquele ofício, que passou a dignamente ser o seu. Durante anos sustentou família e adquiriu uma casa. Seu trabalho era um misto de engenharia e arte, e a partir do barro branco da beira de rios, ele construía uma contra-forma. Durante semanas a fio, utilizando instrumentos rudimentares, como facas quebradas e pedaços de bambu afiados, ele esculpia o barro até que este tomasse a forma da peça. Eram muitos detalhes, todos levando em conta o ângulo de extração da futura forma. Medidas precisas e detalhes de engenharia que só pude entender quando fui trabalhar como projetista de concreto. Pronta a tal contra-forma ele cobria tudo com óleo queimado e passava a construir a forma propriamente dita, com cimento e areia. E depois de meses, estava pronto para produzir outra de suas obras-primas. Vasos de plantas que eram feitos no fundo do quintal de casa, de cimento, com acabamento impecável. A prova da qualidade desse trabalho é que mais de trinta anos depois da morte dele, ainda eram encontrados, ornando entradas de casas, os seus vasos.
Mas meu avô Francisco, conhecido por Veio Chico era um homem cheio de manias, tendo sempre predileção por netos que eram parecidos com ele, loiros e de olhos claros. E eu não era propriamente assim, e durante muitos anos o odiei, mesmo depois de sua morte. Até encontrar em seu trabalho e na forma como ele morrera, motivos de admiração. Na noite do dia dos Pais, possivelmente entusiasmado com a festa e a presença dos filhos, o Veio Chico resolveu fazer sexo com minha avó. E o coração não agüentou. Meus pais o encontraram com a cueca nos pés, todo melado... Minha avó ficou traumatizada durante muitos anos, se sentindo culpada. Até que um dia lhe perguntei: “Mas, vó, ele gozou antes de morrer?”, “Sim.”, “Ah, então, vó, ele morreu feliz.” Ele tinha apenas 68 anos de idade e corria o ano de 1972. Um mês depois eu começara a trabalhar propriamente, pois embora eu tenha ajudado o Veio Chico na venda de seus vasos de porta em porta, não era propriamente um emprego.
