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26/03/2020

Titanic

Titanic
Barata Cichetto



Abandonar os sonhos, feito a um barco com o casco podre que colidiu com uma montanha de gelo. Não há barco de construção tão sólida que o gelo não possa afundar. Lançar botes ao mar. Nadar nada, é preciso boiar até que a maré da tormenta me carregue à praia. Arrasto minha solidão feito um bote de pedra, sem sequer uma gaivota por perto. Estou são e salvo, salvo e são, no porto da solidão. Ilha deserta. Ilha certa. Da praia, avisto o barco que afunda à distância. Estou à salvo, a salvo e são. Não há sereia, nem náufragos encontrando bolas enterradas na praia, apenas a areia; e a solidão de uma ilha sem montanhas, sem gelo, sem fogo, sem carros, sem câmeras de televisão, apenas a mudez e a nudez. Apanho conchas ocas, espreito as palmeiras e me sento numa pedra, a espera de que nada aconteça. A noite chega antes do amanhecer, e não tenho nada a esquecer. Não há música, somente ondas batendo nas montanhas de gelo ao longe. Não quero nadar. Quero ficar. Preciso contar uma história, sem moral nem glória. A minha. Contar pontos. E quem conta um ponto cria um conto.

07/11/2018
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados


01/02/2020

Solemnias Verbas

Solemnias Verbas
Barata Cichetto

Arte Alicia Rihko


Penso ao pé da letra, em pé, na porta do Paraíso. Solemnias verbas, querido Antero. Não quero entrar, mas um anjo torto me convida para um vinho e uma maconha, e eu o sigo até a porta da saída. Ficamos bêbados e rolamos no colchão da Aurora. Aquele anjo tem asas finas que cheiram alecrim, e ai de mim, é um anjo sacana, de pernas finas e peitinhos minúsculos. Eu beijo seus seios, e na calada da noite calada fala que ama. Sua vagina é quente e espera por mim. Penso em latim "naturale eius debent" e digo em português: vagina. Penso ao pé da letra: "litterali". Penso em pé, dentro da letra "V" que forma as pernas abertas daquele anjo pornográfico. Sua literalidade molhada com o suor de desejo. Há um anjo de saída do paraíso, e nós fumamos e bebemos vinho barato numa cama de hotel na beira do Ribeirão.  O anjo é Sol. Sol é anjo. Sol angel. Sou Lua, luz, Luiz. Apenas aprendiz de anjo, mestre de demônios. Somos feiticeiros enfeitiçados. Bruxos esdrúxulos. Santos que não. Meu anjo torto me chama de seu, eu a chamo de sua. E nós dois, exaustos nos deixamos ser nossos, por momentos preciosos quanto preciosas são as palavras que dizemos, mesmo quando indecorosas. Somos é boa palavra. Nós também. Mas a palavra revolucionária é Eu. De meu Eu ao seu Eu, do seu Eu ao meu Eu. E se sou Seu, por premissa e com permissão, permito gozar na porta do Céu, urinar no Paraíso e ejacular na boca do Inferno. Sou Virgílio sem Caronte, mirando o Aqueronte. Às portas do Inferno de Dante há um elefante. Elegante e efervescente. Um elefante indecente, tão inocente quanto senciente. E o elefante toca o sino, Hell Bell, e eu lembro que é hora de partir. Sem ir a nenhum lugar. Quem sabe ao mar. Pegar sereias pelo rabo. Sou Lúcifer em tarde cinza, ou apenas um idoso ranzinza, que teima em pensar? Penso ao pé da letra, literalmente propenso a pensar, que se não há mais pensamento, penso eu, não há o que chorar. Choro de pensar nisso. Não oro, que não sei orar. Penso ao pé da letra. Em pé, à frente daquele anjo que chupa meu pau, solene. Solan. Soland. Sol. Angel. Um anjo de Sol. Sol Anjo. Angel Sun. So long, so longer. Penso ao pé da letra, aos pés de uma letra qualquer, com jeito de mulher. Uma letra que quer ser ponto. Final. Ou de exclamação, mas é um ponto de interrogação. Penso, ao pé da letra, que já não existem letras em que pensar. Esgotei o abecedário, de Ângela a Zulmira, todas as letras, todas as tetas, todas as bucetas. E que letra ainda não? Lembro do "S" e penso que não. O "S" é uma serpente se contorcendo. E penso se, ao pé da letra, o "S" sabe que é serpente ou somente sedução? Se o "S" sabe que sabe, com "S", ou se somente sacode a cauda e subjuga o sofredor. Ah, a letra "S", é de safada, sem-vergonha, mas também de solene e de satisfação.  Serpente não, ser gente. E a letra que penso agora, de pé,  enquanto ela se dobra em forma de "L" curvada com as mãos na cama é a letra de uma música que esqueci a melodia, mas conheço o arranjo e o tom. "Vicious"... E ela me bate a toda hora. E está fazendo isso agora. Ela é viciada. E eu viciado nas letras do seu nome. Ela tem nome de escritora, de poeta, e o meu ela apenas soletra, como quem bebe vinho e fuma maconha. E sonha com um príncipe barbudo que faça tudo. Sobretudo sobreviver. Viciada nunca saciada, uma tarada. Ah, letras, letras, letras... Quero soletrar ao pé da letra, no pé do teu ouvido, palavras solenes sem explicação. Solemnias verbas sem condição. Ah, minhas palavras, que tanto te causam tesão! Quero declamar meu abecedário de besteiras, meu dicionário de sacanagem no seu ouvido. De "A" a "Z", uso todas as letras para pensar. E penso. Ao pé da letra. Aos pés do anjo. Solemnias verbas. Solenes palavras ditas dentro da tua boca. Palavras lambidas, palavras engolidas. E ejaculadas na tua língua, meu anjo, de pernas finas, canelas esfoladas e peitos pequenos, deitada na cama da Aurora, e eu agora sei apenas que penso ao pé da letra, que solenes são as farpas da sua língua, enquanto eu, poeta pequeno, na minha fala fálica, apenas falo, sem jeito, que quero apenas teu leito, e em nada mais, com efeito e por direito, pensar. 

11/12/2019
©Direitos Autorais Reservados - Luiz Carlos Cichetto

16/12/2019

Paraíso Artificial

Paraíso Artificial
Barata Cichetto


Podemos criar paraísos de forma artificial, Baudelaire e seus cometas no país das salamandras. O Paraíso é meu, e crio onde quiser. Quero em Minas, quero no fim do mundo, quero daqui um segundo. Um Paraíso artificial, com cheiro de café. Um cigarro de palha, minhas gatas vadiando no terreiro, e no fim de tudo, uma buceta bem quentinha. Uma mulher, de vestido longo de chita, com nada por baixo a não ser o arrepio. Quero criar meus paraísos, e posso criá-los até no Inferno. Estou comprando uma passagem só de ida. Morar no ar, no mar, no bar, em qualquer lugar, que possa chamar de lar. Nas montanhas de Minas, no Cerrado, no Sertão. Escondido atrás dos teus mamilos. Quero beber café na xícara da tua boca, e te chamar de louca, assim por chamar. Dormir pelado, abraçado aos teus pés. Erguer uma casa de bambu, tomar banho sem xampu, e é claro, comer seu cu. Simples as coisas que quero, além de um Paraíso artificial, construído sobre a terra batida, com palha no chão, tua mão por cobertor e teu colo por travesseiro. Ah, mas tem o vinho, que não pode faltar. Bebido nas taças dos teus seios, no colo em V. Podemos criar paraísos com um passe de mágica, assim como se cria poesia, assim como se cria desejo. Em nenhum paraíso artificial pode faltar poesia e desejo. E não pode faltar Sol...

16/12/2019
Marreta
Barata Cichetto



Barata não é flor que se cheire, nem flor do mal, nem flor astral. É espinho que te espeta, verme que passeia na Lua cheia, vinho que tonteia, fogo que te incendeia, vento que te despenteia. Barata não se cheira, não tem eira nem beira, e na tua esteira, te faz sonhar. Barata não é Baudelaire, nem Bukowski, nem outro qualquer. O que te faz arder, que sopra tua ferida, e te chama de querida. Barata não é poeta, nem profeta, santo ou demônio. É o que transforma em pó as paredes onde relógios invisíveis marca a hora de morrer, que ergue o pau e mostra a cobra; que se ergue do mal, e que cobra a conta, com juros e correção, e, correção, mostra o mal e ergue a cobra. Barata não é sobra, nem resto, nem inseto, nem abjeto. Barata é o que te desperta, na hora certa de acordar, a hora de sonhar. Barata não é soco, é poesia, não é troco nem hipocrisia. Barata não é pedra, nem sapato, nem martelo nem foice. Barata é marreta, no teu muro. E, juro, Barata é tudo o que acreditar ser. Mesmo não sendo nada.

16/12/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

15/12/2019

Bondes
Barata Cichetto

Pintura: Barata Cichetto "Bonde Penha" - 2016

- Não consigo dormir por causa do barulho dos bondes. - Mas não existem mais bondes. - Sim, e é justamente o som do que já não existe que me faz perder o sono.

15/12/2019

04/12/2019

Breves Reflexões Sobre o Tempo

Breves Reflexões Sobre o Tempo
Barata Cichetto



1  - O Tempo e a Consciência

Eu poderia esperar. Esperar e esperar. Não puxar papo. E esperar que o silêncio fosse quebrado ou morto. Mas as longas noites do meu tempo cobram caro por minha paciência.
Eu poderia parar de olhar, parar de querer saber onde anda, o que faz e o pensa nesse exato momento, mas o tempo me cobra eficiência.
Eu poderia parar de querer, de sonhar, acreditar que um dia possa alguma coisa acontecer, mas o maldito tempo me cobra a tua ausência.
Eu podia me aquietar, parar de olhar no relógio, e achar que ainda é cedo para falar, que nunca é tarde parar esperar, mas o tempo, esse deus cruel, me cobra sua dependência.
Não posso mais esperar. Pela minha impaciência.
Preciso esperar. Em nome da minha consciência.


2  - O Tempo e a Ciência

O tempo é um deus infiel.
O dia e a noite nunca se encontram: um nasce o outro morre: assim como o poeta e a esperança.
O tempo não me seduz, me engana. Sempre me enganou. É um deus matreiro.
Sempre tive o tempo como um inimigo: era rápido quando eu o queria lento, e lento quando o queria rápido, sempre me traindo e me enganando, fazendo sempre a sua, dele, vontade. Um ditador cruel, que agora cobra minha rebeldia contra ele, como uma espécie de anarquista temporal. Não fosse pelo tempo seríamos eternos, porque não conheceríamos e fim. E nunca morre quem não conhece o fim.

04/12/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

21/11/2019

Virtual

Virtual
Barata Cichetto




Não era para ser assim, mas foi mesmo sem ser. Não era para gozar sem eu ver. Não era para ser assim. Era para eu sentir tua carne tremendo, teus olhos revirando, teus lábios se espremerem e tua respiração ofegante. Era para eu sentir seu coração pulsando, fazendo os bicos dos teus seios ficarem duros e escuros. Mas foi assim mesmo, sem que de outro jeito pudesse ser. Não era para ser pelas teclas do computador, mas pelos meus dedos, não era para ser pela tela, mas pela pele; não era para ser apenas por palavras escritas, mas sussurradas nos teus ouvidos. Não era para ser assim, mas foi, e de outro jeito não poderia ser. Não era para ser tão longe, não era para ser sem ruídos, nem suores e sem outros líquidos, era para nos escorregarmos um no outro, nos lambuzarmos de tudo que fosse líquido. Não era para ser pela imaginação, mas pela respiração, não era para ser cada um com sua mão, era para serem quatro mãos em dois corpos, esparramados pelas nossas peles. Era para serem duas bocas grudadas: boca em boca, boca em qualquer lugar, em que pudéssemos grudar, chupar, colar. Não era para ser assim, mas foi. Era para serem pernas e braços enroscados, colchões rasgados e travesseiros arrancados. Era para ser subir e descer, descer e subir. Um sobre outro, outro sobre um. Um embaixo do outro, outro embaixo de um. Em cima, embaixo, do lado, de lado. De qualquer lado e em qualquer posição. Era para chupar, não imaginar. Era para lamber, não pretender; era para gozar, não apenas para sonhar. Não era para ser assim. E um dia não será assim. Ou não?

21/11/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

18/11/2019

Mecânico de Palavras

Mecânico de Palavras
Barata Cichetto



Antes eu sabia, ou ao menos pensei, saber lidar com as palavras. enfileirar, empilhar, entrincheirar. Ordenadamente ou desordenadamente. E eu sabia mexer com elas, chamá-las de lindas, gostosas e putas. Elas nunca se mostraram preocupadas com qualquer adjetivo que eu usasse em relação a elas. Por horas se aconchegavam, por outras se afastavam... De acordo com o meu humor e disposição de cortejá-las. Nunca foram levianas comigo, mas sempre sedutoras, embora indóceis e extravagantes. Eu as amei por décadas, cometi loucuras e até crimes por causa delas. Crimes contra mim mesmo, ressalto, nunca contra elas. Ao menos nunca crimes dolosos. Dolorosos pode ser... Até que um dia, eu pensei que as poderia abandonar, e feito amante furtivo, saltei pela janela que eu mesmo pintei na parede. Sumi. Desapareci. Entretanto, quanto mais distante eu ia, mais alto eram seus soluços de saudade. Quando mais eu me afastava, mais sentia falta daquele afago em meus ouvidos. Voltei. A estrada é longa. Há uma placa que me diz: vai, poeta, vai pintar seus quadros, mas nunca esqueça das palavras, razão maior da sua existência. Voltei!
Quando o vento bate na bunda a gente aprende a voar! Quando o verbo inunda, a gente tem que aprender a bradar!

©Luiz Carlos Cichetto, 18/11/2016, Direitos Autorais Reservados
Publicado no Facebook originalmente em 18/11/2016

08/11/2019

Confesso Que Bebi

Confesso Que Bebi
Luiz Carlos Cichetto
Arte: Barata By Del Wendell

Ontem bebi como há muito tempo não bebia. Não foi por ira, por raiva, por nada demais, apenas bebi e nada mais. Bebi por Baco, por Sísifo, por mim, por ninguém mais. Não foi por Poe, pelo corvo e ninguém mais. Bebi por mim e ninguém mais. Bebi por querer, bebi por beber. E nada mais. Por querer, por ser, por viver. E nada mais. Não foi por querer estar tonto, nem pronto. Foi por querer e nada  mais.  Não foi por ter sido traído, nem por ter desistido, nada mais. Não foi por ter sido, não foi pra ter ido. Foi por ter bebido. E nada mais. Não foi por estar sensível ou achar horrível, mas por ser incrível, e nada mais. Não bebi por estar triste nem feliz, foi por que quiz. Não foi por comemorar, nem por agradecer, foi por querer.  Não foi para lembrar, nem para esquecer. Foi por querer ser, querer viver. Apenas bebi por querer, por vontade de beber, e nada mais.

07/11/2019

©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

05/11/2019

Memórias Plenas de Um Esquecido

Memórias Plenas de Um Esquecido
Barata Cichetto



Eu queria ter esquecido. De ter aparecido. Esquecer de ter sido. Esquecer de ter ido. Esquecer de ser. Até não ter mais nada por esquecer. Queria ter esquecido que o dia tenha amanhecido. Queria ter esquecido de nascer quando não me quiseram viver. Queria ter esquecido de crescer quando me quiseram pequeno. Queria ter esquecido de esquecer quando me quiseram sem memória e sem história. Quando rasgaram minha certidão queria ter esquecido de ter feito tudo que fiz. E ter sido apenas que eu tinha esquecido de ser. Esqueceram de mim feito um brinquedo depois de crescido. Esqueci-me de mim e não poderia ter esquecido. Esqueceram de mim feito um cavalo de pata quebrada. Queria ter esquecido. De ter sido pai. De ter sido marido. Queria ter esquecido de não ter traído. Queria ter esquecido de não ter morrido. Queria ter esquecido de ter sofrido. A carne é fraca grita a vaca. Do boi só se perde o berro grita o dito. E qualquer fruto maldito do teu ventre esquisito. De teus pés tortos e de tua boca imunda e vagabunda. Queria ter esquecido. De ter sido. O que não fui. Queria ter desaparecido. Nas trevas. No meio das ervas do quintal. Queria ter ferido. Com metal quem avançou meu sinal. Quem quebrou minha confiança e matou minha esperança. Queria ter enfiado um punhal na tua garganta. Na hora da janta. Logo depois do Carnaval. Te enterrado no matagal. O mesmo onde enterrou tua calcinha. Ter enfiado tua cabeça torta na mesma privada onde jogou minha filha. Queria ter esquecido o que era certo. Honrado e não ter chorado tanto. Queria ter esquecido que era bom. E ter feito das tuas tripas um coração. Queria ter esquecido de não ter te matado enquanto podia. Pasto de covardia. Poço de hipocrisia. Queria ter esquecido. De ter sofrido. De não ter morrido. De ter matado. O que podia. Enquanto podia. Enquanto fodia. Queria ter esquecido. A carteira. E ter voltado. Antes da feira. Da segunda. Ou da sexta. Queria ter esquecido. De ter ido ao trabalho. A semana inteira. Queria ter morrido atropelado. Na Paulista. À vista. Antes da entrevista. Queria ter esquecido de ser gente. E te deixar doente. Morrendo à míngua. Não ter recolhido tua sujeira. De não ter espremido. Tua cabeça feito um tubo de pasta de dentes. Queria ter esquecido. De tomar o comprimido. Antes de ter ido ao psiquiatra. Queria não ter esquecido. De ter ferido. O impreterido. Queria não ter esquecido. E ter fodido. Quem queria foder. Queria ter comido. Traído. E ter sido. Chamado de perdido. Antes de me perder. Queria não ter sabido. Ter saído. Antes da hora. Queria não ter sentido. O estômago moer. Queria ter ido ao teu enterro. Não ao meu. Queria ter carregado a alça do teu caixão. Não ir sozinho ao cemitério. Queria ter te matado. Mesmo que em sonhos. E não ficar atado. Ao meu próprio pesadelo. Queria ter querido. Queria ter preferido. Morrer. Antes de ser morto. Queria não ter parido. Queria não ter esquecido. De ter partido. Quando fui partido. Em pedaços. Tão pequenos. No teu liquidificador. Queria nãoi ter arrefecido. Meu ódio. E não ter perdido minha ira. Queria ter esquecido de ir a missa do meu próprio casamento. De ter ido ao culto ao teu deus de mentiras. De ter lido. Teu livro de mentiras e traições. Teu evangelho escaravelho. Queria ter esquecido. De ter sido extraído a força do meio do jogo. E ter sido jogado no fogo. Queria não ter queimado. No Inferno. De terno E gravata. Queria ter dito bravata. Te comido na mata. E jogado fora minha cueca. Cheia de meleca. Queria ter esquecido de ter te conhecido. E agora não precisaria querer esquecer de ter nascido. Nem lembrar de não ter morrido. E antes que eu tenha esquecido. Quero ser grato. Por ter comido no seu prato. O resto da comida. Que eu paguei. E que outro comeu. Queria não ter esquecido. Queria não ter vivido.

04/11/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

06/10/2019

Verbo Desencarnado

Verbo Desencarnado
Barata Cichetto
© Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados



Não me leia, que não sou palavra escrita, poesia de livro; não me escute, que não sou palavra cantada, letra de música; não me olhe, que não sou palavra pintada, quadro de exposição; não me cheire, que não sou palavra cheirosa, flor de jardim; não me engula, que não sou palavra gostosa, comida de botequim; não me toque, que não sou palavra de choque, guitarra de Rock; não me sinta, que não sou palavra de dor, discurso de ditador; não me creia, que não sou palavra religiosa, santo de andor; não me admire, que não sou palavra solta, idoso de andador; não me aceite, que não sou palavra feita, cerimônia de seita; não me deseje, que não sou palavrão, grito de tesão; não me chupe, que não sou palavra líquida, gozo de masturbação; não me chute, que não sou palavra prostituta, bandeira de luta; não me siga, que não sou palavra certa, grito de alerta; não me torture, que não sou palavra socialista, ideia de humorista; não me empurre, que não sou palavra de ordem, bandeira de carnaval; não me odeie, que não sou palavra torta, pedido de perdão; não me inveje, que não sou palavra vazia, eco de covardia; não me tolere, que não sou palavra tola, hino de futebol; não me derrube, que não sou palavra concreta, muro de arrimo; não me pague, que não sou palavra mercenária, cafetão de tribunal; não me entenda, que não sou palavra fácil, tiro de misericórdia; não me morda, que não sou palavra cadela, dentista de plantão; não me esqueça, que não sou palavra fútil, beijo de traição; não me chame, que não sou palavra surda, vendedor de chocolates; não me ame, que não sou palavra doce, briga de foice; e não me mate, que não sou palavra inútil, carta de suicídio.

02/12/2018

01/09/2019

Pesadelos de Um Palhaço

Pesadelos de Um Palhaço
Barata Cichetto
The Midnight Clown - Mariano Villalba (Argentina)

Há um palhaço dentro de mim, picadeiro desfeito, que gargalha feito louco com sua roupa colorida, rosto pintado e um nariz de plástico vermelho. O palhaço quer rir, a platéia precisa de alegria, mas ele não consegue sair de dentro do picadeiro desfeito, de lona rasgada e diante de uma platéia que não lhe acha graça: o palhaço não consegue mais rir da sua própria desgraça.

29/08/2019

Nem às Paredes Confesso

Nem às Paredes Confesso
Barata Cichetto
Ao Amigo Carlos Antonio Custódio


Pinto paredes de preto, querem coloridas as paredes. Paredes entendem apenas de cor, não entendem de dor, confesso às paredes que gritam. Arranco pedaços de seu concreto e elas gritam, mas não é de dor, é por falta de cor. Atiro os pedaços nas vidraças incolores e elas berram em estilhaços: vidraças não têm cores. Saio descalço, pisando nos gritos das vidraças, contando minhas desgraças sem cores, pintando de cores vivas o asfalto tingido de preto. Sou pintor, tinjo paredes de preto e asfalto de vermelho. Asfalto não sente dor, mas as solas dos meus pés queimam. Não sou parede, não sou vidraça, não sou asfalto.

29/08/2019

Criado-Mudo

Criado-Mudo
Barata Cichetto
https://twitter.com/mulhernuanacama

Ela era incômoda feito uma cômoda antiga e cheia de cupim dentro do meu quarto. Me acomodei. Virei peça do mobiliário. Quase um criado-mudo onde ela guardava seu papel higiênico e suas calcinhas. Comodamente me fiz de imóvel como um móvel encardido de madeira antiga que um dia foi útil. Quieto apenas olhando a bagunça na cama ao lado e recebendo toda espécie de coisa sem uso em cima de mim. Criado-mudo me fiz de surdo. Até o dia em que o quarto ficou pequeno demais e a cômoda ficou tão incômoda que a coloquei na frente do portão. Que os cachorros mijem nela até que o lixeiro a carregue.

25/08/2019

Cabaré Pornopoético

Cabaré Pornopoético
Barata Cichetto

Minha poesia nasceu no meio das putas. E por elas. E para as elas. Minha primeira musa fazia ponto na Avenida São João. A partir daí, e lá se vão 45 anos, sempre foi assim: minhas musas sempre foram putas, mesmo que tenham sido esposas, ou foram esposas, mesmo sendo putas. Algo errado com isso? Errado chamar esposas de putas? Ou putas de esposas? Qual é a escolha certa? Minha poesia é das putas. E para as putas? Minhas lutas. Absolutas. Das putas. Pelas putas. As outras. São outras. Putas. Cansei de compor poemas no meio de outas bêbadas às três da manhã. E as três da tarde. Putas mijando de rir da minha poesia. E eu mijando na cara delas. Ejaculando poesia bem no meio dos seus peitos. Foram meu feitos. Eu era o poeta palhaço no meio do picadeiro. Do puteiro. E elas era putas querendo ser engraçadas. Desgraçadas. No meio do pardieiro. Elas eram putas e eu sobranceiro e fornido descendo as escadas como no Ulisses de Joyce. Eram tímidas aquelas putas da São João, eram temidas às da Radial. Fremidas as do meu quintal. Todas era putas e a todas eu beijei na boca. De todas chupei as bucetas. Mesmo das porcas fedidas cheirando a suor. Adelaide Carraro não mora mais aqui. O submundo da sociedade. Underground é coisa de inglês burguês. Punk de operário irlandês. E o bom Rock português? Em francês  pergunto os porquês. Nem quero saber em japonês. Em chinês ou em galês. Putas são putas em qualquer lugar do mundo. E também são putas os poetas do fim do mundo. Salope. Poète. Putas crentes são fedidas. Prefiro as arrependidas. Casei com duas. Detesto putas limpas. Porcas usando colares de diamante. E pulseira de barbante. De agora em diante. Caso apenas com poetas. Que são putas imundas. E gostam de bar suas bundas. Apenas para rimar. Vagabundas. Poetas são egoístas. Putas são artistas. Putas poetas são narcisistas. Maniqueístas. De agora em diante só caso com advogadas. São hedonistas. Por dever e profissão. Suas listas de leis, suas pistas e seus golpistas. Cansei de frígidas, de rígidas e de mal redigidas. Quero mulheres bem escritas, feito roteiros de cinema. Quero protagonistas. Quero mulheres bem elaboradas, ricas personalidades. Minha poesia nasceu no meio das putas. E no meio delas irá morrer. Comigo!

26/08/2019

Let It Be, Let It Bleed, Let It Seed

Let It Be, Let It Bleed, Let It Seed
Barata Cichetto


Deixa eu dilapidar teus patrimônios, lapidar teus demônios, brindar teus hormônios, blindar teus heteronômios; dançar no teu cabaré literário e cavalgar teu pangaré temerário. Deixa eu mastigar tuas vestes e instigar tuas pestes; comer teu pastel e beber teu bordel. Comer teu pão de queijo, derreter teu não desejo e dissolver teu não ensejo. Deixa eu me queimar com teu café e teimar com tua fé; escorrer pelas tuas curvas e correr pelas tuas retas. Deixa eu envelhecer nas tuas idades e enveredar pelas tuas cidades; morrer por tuas necessidades, e viver pelas tuas vaidades. Deixa eu morder tua jugular e morrer de sangrar; te sagrar rainha e concubina do universo, ser teu verso e teu inverso. Deixa eu morrer de desgosto a seu gosto, em agosto, antes do verão te chegar, ou da aurora me cegar. Deixa eu me molhar na tua chuva e me encharcar na tua vulva; secar tua testa e me enfiar na tua fresta; ser tua festa, e o que mais resta. Deixa eu ser teu vampiro e teu suspiro; o ar que eu respiro e o poema que te inspiro. Deixa eu deixar te comer e parar de querer; deixa eu ser, deixa eu estar. Deixa eu querer?

26/08/2019

Habeas Corpus

"Que tenhas o corpo", disse a advogada, em latim. E eu, usando de minhas prerrogativas pessoais prontamente, garantindo assim seus direitos individuais a possuí, sem abuso de poder e sem coação, dentro da legalidade. A cláusula pétrea do prazer, que garante a qualquer pessoa física  o direito de ir e vir, e também o direito de foder com quem e quando quiser é parte da declaração universal dos direitos humanos. Sem emenda, sem votação. Tesão não é democracia, é ditadura, eu disse a ela. E então a doutora me prendeu. Na cama. E me algemou. Na cadeira. E eu lhe disse: "que tenhas o corpo". E ela, com violência e abusando de sua autoridade e de seu diploma de safada me chupou. Apelei. Implorei por justiça. Por igualdade de direitos. Ela acatou meu pedido. Deferiu e levantou a saia: penetrei-lhe o rabo com base em toda a jurisprudência que eu tinha nesses casos. Ela disse: eu protesto, senhor Juiz. E eu disse: não sou juiz, sou Luiz. E sou inimputável, de acordo com lei de diretrizes das meretrizes. Ela apelou ao estado de necessidade, ao perdão judicial. E eu então lhe disse: perante a Lei todos são iguais, então gozemos juntos antes de terminar este tribunal. Aleguemos legítima defesa, e na reincidência, motivos de consciência. Sem dolo e sem perdão. Consumado está. E agora, nos resta apenas vestir nossas roupas e sair. Lá fora há uma penitenciária nos esperando, condenados que fomos por crime continuado. Hediondo. Culposo.

22/08/2019

Filosofia de Quintal

Filosofia de Quintal
Barata Cichetto

Gosto mesmo é da filosofia de quintal, daqueles de cimentado rachado ou forrado de mármore. Filosofia de varal, onde expomos nossas roupas velhas, sujas e rasgadas; roupas íntimas com marcas de sexo; mal lavadas, desbotadas. Dispostas na corda, sob os olhares curiosos de vizinhos inescrupulosos, voyeurs e sádicos. A filosofia de varal é a legítima, aquela que está nas casas tanto dos pobres, com seus quintais minúsculos em subúrbios, quanto dos ricos com seus quintais de mansões. A filosofia de quintal não faz diferença, não gera diferenças e não respeita crenças. Está no quintal do ateu e do pastor, no quintal dos presidentes e dos sem dentes; no quintal das bruxas e das xuxas. A verdade está lá fora, no quintal.  Não credito em filosofia de sala de estar, de televisão, de Youtube, mas na que é dita no meio de um churrasco, de uma reunião de bêbados, ou mesmo de freiras descalças, falando das desgraças. Filosofia de varal, como roupa que cai com o vento; filosofia de varal, que sai com o tempo. Que gatos arranham e cachorros mijam em cima. Há filosofia no quintal. Há filosofia no varal. De moços letrados e idosos analfabetos; de moças menstruadas a machos com gonorréia. Ha filosofia no fundo do quintal, no barracão de ferramentas, ou na beira da piscina, onde doze putas abraçam o pedreiro da construção ou o dono da mansão. Há filosofia no quintal, de terra batida, de concreto protendido, de cacos de cerâmica ou de mármore carrara. Há filosofia em qualquer quintal. Nos livros há a ideia, no quintal o pensamento; nos livros a fórmula, no quintal o produto final. No quintal se planta, no quintal se colhe; no quintal se toma sol, no quintal se toma chuva; no quintal se bebe e se come, no quintal se suja e se limpa; no quintal se mostra, no quintal se vê. Não há filosofia nas aulas de faculdade, nem nos discursos políticos; não há filosofia nas bibliotecas, nem nas escolas; não há filosofia nos balcões de bar, nem nas salas de estar. Não há filosofia em nenhum lugar, a não ser no quintal.

23/08/2019

Os Canibais Suicidas

Os Canibais Suicidas
Barata Cichetto


Então ela me pediu; "Me come!" E eu comi. Com açúcar e leite condensado. Comi com gosto, como gosto de comer. E comi primeiro seus braços, de carne mais seca, depois as pernas e o tronco. Depois comi os olhos que são bem salgados e o cérebro que é bem doce. Deixei por fim os seios e as nádegas, moles e suculentas, com um pouco de limão e umas gotas de gengibre. Comi tudo. Lambi o tutano dos ossos. As tripas joguei para os cachorros, que, aliás, eram dela mesmo e viviam cheirando. Sobrou apenas a buceta, que guardei debaixo do meu travesseiro, e o coração que guardei na geladeira para comer mais tarde. A língua foi a única coisa que desperdicei: coloquei no triturador da pia da cozinha. Agora estou me sentindo mal, não sei se é indigestão, que aquela porra de mulher era uma criatura totalmente indigesta, ou se é por causa do leite condensado, que acho que estava vencido. Acho que vou vomitar. Preciso de um médico... Estou passando muito mal, acho que estou com febre. Ó.... Estou me torcendo de dor. Dói em tudo quanto é lugar. Já vomitei até as tripas. Os cachorros estão lambendo também. Desgraçada! Eu sabia que estava fácil demais quando ela me pediu para comê-la. Devia estar envenenada. Vai ver até tinha tentado suicidar e quis me levar com ela. Vagabunda de uma figa. Agora vou sair, vê se encontro alguma mulher bem filha da puta e dizer para ela me comer. Será que dá certo?

23/08/2019

20/08/2019

Sursis

Sursis
Barata Cichetto


Sou poeta das lutas extremas,
Por rainhas loucas vomitadas.
O profeta de putas supremas,
E das rimas toscas limitadas.

Sou das extremas putas loucas vomitadas rainhas das lutas supremas limitadas. Sou de aço e do espaço. Ácido e flácido. Construtor de crateras e velejador de eras. Profeta do início do mundo e poeta do fim do início. Observador de precipício e filosofo de hospício. Não sou um meio nem o meio e nem tenho um quarto. Estou farto de ter infarto. Parto. De Cesar e de Ana. Cesar & Ana. Syd & Nancy. Bonnie & Clyde. Minha poesia é bandida. Tem que ser presa. De surpresa. Por um delegado folgado com um band-aid transparente na cara de gado. Quero um advogado civil. Servil. Vil. De terno e bravata. De eterno e cascata. Na vara da família. Apelo ao estatuto do indecente idoso e aos estatutos dos putos. Não põe algemas que sou primário no poder judiciário. Sou incendiário e meu crime é apartidário. Secundário. Confesso sob pena de perjúrio e diante dos jurados que meus pecados são apenas recados. E os solados dos soldados pisam minha mão. Eu não sinto dor e grito que quero ser escoltado. Quero ser presidente e não tenho dente para morder. Onde está a vítima e onde mora a testemunha? - Sou inocente senhor juiz, o culpado é o Luiz. - O que diz? - A culpa é da poesia, foi ela que me seduziu, foi quem deduziu. - Mas e o fuzil? - Não era meu, era do Brasil. Foi ele, quem primeiro me cuspiu. Eu não pedi clemência e nem aleguei demência e por pura imprudência fui condenado. Fudido. E pelo carcereiro fui conduzido à cela do corredor onde tinha um estuprador. Um ditador e um contador. Todos tinham a mesma história que lhes condiz. Todos com lugares marcados com giz. E todos queriam sursis. E então o que eu fiz foi tentar ser feliz. Espero que o ditador seja quem diz. Que o contador conte o que fiz. E que o estuprador seja aprendiz. Sou poeta. Só sei ser infeliz.

20/08/2019