Christa Päffgen ou Um Vulcão Chamado Nico
Luiz Carlos Barata Cichetto
Começo essa história pelo fim. Em 11 de Abril de 1986, em Tokyo, Japão, com a melhor interpretação já feita da música "The End" do The Doors, por uma alemã chamada Christa Päffgen. Ou simplesmente Nico. E continuo com o fim, em Ibiza dois anos depois, em 18 de Julho de 1988, por falta de atendimento médico adequado, de hemorragia cerebral.
Nico era um ícone (“icon”, em inglês), num anagrama sacado por Andy Warhol. Feminina, linda e dona de uma voz grave que penetra fundo, perturba, cutuca e fere. Mas Warhol errou, Nico não era um ícone, era um uma fonte, um vulcão, uma fonte de lavas que escorriam pelas calçadas e até os bueiros mais escuros de Nova York, Londres, Paris; um vulcão gerador do caos, um vulcão cujas lavas solidificadas geram montanhas, colinas...
Christa Päffgen nasceu a 16 de outubro de 1938, em Köln, na Alemanha. Mas Nico não nasceu, jorrou das entranhas da Terra feito a lava de um vulcão, que brota e se esparrama queimando o que encontra em seu caminho. E queimou a muitos: Andy Warhol, Alain Delon, Lou Reed, John Cale, Bob Dylan, Brian Jones, Paul Morrissey, Jim Morrison, Jackson Browne, Tim Buckley, Iggy Pop… Nico queimou a todos e todos queimaram por ela.
Aos 13 anos Nico abandonou a escola e começou a esparramar suas lavas fumegantes, primeiramente trabalhando como modelo, para revistas de moda como a Vogue. Depois como atriz aparecendo em pequenas participações em filmes de diretores como Alberto Lattuada, Rudolph Maté e Fellini, decerto encantados com aquele Vulcão de beleza e sensualidade. Em 1962 Alain Delon também queimou nas lavas fumegantes de Nico e tiveram uma criança de nome Ari. Em 1963 o Vulcão Nico reina, ao ganhar o papel principal e gravar a musica tema do filme "Strip-Tease", do diretor Jacques Poitrenaud, produzido por Serge Gainsbourg.
Em Londres de 1965 foi a vez do guitarrista do Rolling Stones Brian Jones conhecer o Vulcão e gravar com ela "I'm Not Sayin'". Logo em seguida Paris a apresentaria a Bob Dylan que mais tarde escreveria a música "I'll Keep It With Mine" para ela.
E Andy Warhol e Paul Morrissey conheceram o Vulcão Nico e a colocaram a jorrar suas lavas de sensualidade e talento em seus filmes experimentais, "Chelsea Girls", "The Closet", "Sunset" e "Imitation of Christ". Warhol deu ao Vulcão o nome de Nico e a colocou no centro do underground nova-iorquino com seu projeto "Exploding Plastic Inevitable", um show experimental e alternativo que misturava música, filme, dança e pop art. O Velvet Underground que passaria a ser: "& Nico" e ela fez o vocal principal em três músicas ("Femme Fatale", "All Tomorrow's Parties" e "I'll Be Your Mirror") e o backing vocal em "Sunday Morning" no álbum de estréia da banda, lançado no ano de 1967, fundamental para a história do Rock.
O Vulcão a cada ímpeto jorrava a lava fervente de suas entranhas e é claro que isso incomodava àqueles em suas encostas. E Nico foi brilhar sozinha, lançando a partir daí e pelos próximos 20 anos, discos com a qualidade gerada por sua energia vital. Afinal, Nico era o Vulcão. O gênio John Cale esteve particularmente envolvido nas músicas de Nico, produzindo, fazendo arranjos e tocando nas gravações em vários de seus discos.
E durante muitos anos o Vulcão jorrou intensamente sua lava e ela participou de inúmeros filmes e gravou muitos discos. Sempre a presença do cigarro, as mãos trêmulas, e os olhos sempre a procura de algo. Olhos depois escondidos por óculos escuros... O jorro ainda era intenso, mas a força e a intensidade daquele vulcão estava debilitada pela heroína e por suas experiências traumáticas de guerra durante a infância... E principalmente por ter gerado tanto calor e tanta luz, que fizeram com que ela se esgotasse completamente em Ibiza em 1988.
Nico teve um ataque cardíaco enquanto andava de bicicleta e, na queda, bateu a cabeça. Nenhum hospital quis atender uma mulher que usava aquelas detestáveis roupas hippies de lã para disfarçar uma aparência deteriorada...
E o Vulcão silenciou, esvaiu, extinguiu ou adormeceu?... Mas ainda podemos, das profundezas da Terra escutar suas canções, naquela voz grave... E o Vulcão Nico ainda jorra, ainda queima, ainda arde, ainda é bela, ainda... É um Vulcão!
27/04/2012