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09/10/2019

Coringa é Sobre Mim

Coringa é Sobre Mim
Luiz Carlos Cichetto
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados


"Coringa" é sobre mim. Sim, "Coringa" é minha cara, só que pintada no final do filme, quando a real se mostra. "Coringa" é sobre máscaras que caem, pintura superficial e gente artificial. "Coringa" é sobre hereditariedade, arbitrariedade e maniqueísmo. "Coringa" não é sobre loucura, portanto, "Coringa" é sobre mim. Não é sobre o fim, nem sobre o começo da bondade e da maldade; não é sobre verdade nem sobre mentira, então "Coringa" é sobre mim. É sobre pessoas traídas, esquecidas, que não acham graça nas piadas, que não dão risada em programas humorísticos, nem pintam o rosto de vermelho em praça publica, ou caga na esquina para protestar contra o capitalismo. É sobre pessoas esquecidas de propósito num banco qualquer de uma cidade qualquer, que pode ser Gotham City, São Paulo ou Araraquara, então "Coringa" é sobre mim. Não é sobre a loucura imposta nem sobre a imposição da loucura, mas sobre a que nasce com a cor dos olhos, então "Coringa" é sobre mim. "Coringa" é sobre mim, quando escancara a o abandono forjado por pais e por filhos, quando aborda aqueles que chegam à borda do precipício e não se jogam com medo do escuro, que andam por corredores cheios de loucos e saem com os pés cheios de sangue, cujas caixas de correio nunca têm cartas, cujas mães loucas mentiram por décadas, arrependidas de um aborto que não foi feito; um feto imperfeito, que nunca riu de si mesmo por não se achar um palhaço. "Coringa" é sobre mim, e outras pessoas que não iam ao cinema há duas décadas e odiaram cada espectador com celular ligado, numa sala com ar condicionado e som ensurdecedor. "Coringa" é sobre mim. Que percebe a loucura ao redor, mas é aprisionado e escorraçado. Não é sobre o Homem Morcego, nem sobre violência urbana, mas sobre violência humana. Não é sobre pobres fudidos que lambem o rabo de políticos por uma bolsa qualquer coisa. Pobres que não são coitados e coitados que nem são pobres. Apenas pervertidos. "Coringa" não é sobre invertidos sexuais, nem sobre negros perseguidos, índios deslocados nem sobre barbeados de coque e bermuda que se acotovelam nas salas de cinema, com a mesma elegância que trajam camiseta de bandido falso guerrilheiro. "Coringa" é sobre mim, não sobre descolados de esquerda que alimentam traficantes e sustentam o crime. É sobre quem trabalha em qualquer bosta, e que é achincalhado tanto pelo patrão quanto pelo empregado. Pelo anão e pelo gigante. "Coringa" é sobre mim, que acredita ser uma miragem, uma piada mortal sobre si mesmo, e uma tragédia imoral. "Coringa" não é sobre coitados, não é sobre justiceiros, não é sobre negros polissexuais anões e gordos. "Coringa" é sobre mim. Não é espelho de medíocre, não é fotografia de comunista, não é imagem de perfil de Facebook, nem tatuagem de "nóia". É sobre mim. Não é sobre um lugar sem justiça, mas sobre pessoas sem lugar; não é sobre morte, não é sobre sorte ou falta dela. "Coringa" é sobre mim, um palhaço a quem foi dito que tinha que fazer rir, um pai abandonado e um filho escorraçado; é sobre o fim sem começo, uma tragédia ao inverso e uma comédia do avesso. "Coringa" não é sobre palhaços, não é sobre qualquer coisa que possam pensar. "Coringa" é sobre mim. "Coringa" não é cinema, não é um filme, não é roteiro, não é ficção. "Coringa" é sobre mim. "Coringa" é sobre pais e filhos, feito à sua imagem, e imperfeição; é sobre a coragem de dizer não; é sobre a covardia do silêncio e a hipocrisia do perdão. "Coringa" não é o sobre o pão nosso de cada dia, mas sobre o não vosso de toda noite. É sobre fim do sim, de mim, e de qualquer coisa que acaba por decreto, secreto ou direto, dos imperadores, ditadores e malfeitores. É sobre mim. Mesmo. "Coringa" não é sobre um personagem, não é sobre coragem, não é sobre ambição, nem tráfico de drogas ou de motivação, "Coringa" não é sobre desistência, é sobre não-existência, portanto, "Coringa" é sobre mim. "Coringa" não é sobre mortos, mas sobre quem nunca permitiram existir. Ser, apenas estar. "Coringa" não é superstar, não é sobre um herói, não nem sobre um bandido. É sobre mim, que nunca soube ser herói nem ladrão. "Coringa" não é o coringa do baralho, é carta fora de jogo, portanto, "Coringa" é sobre mim. Não é sobre Capital nem Trabalho, nem foice nem martelo, "Joker" é sobre jogo de pôquer, blefe, e sobre quem não tem assento na mesa, e por assim dizer é sobre mim, descartado, desacreditado, atirado num canto, e a quem resta apenas o cheiro dos charutos cubanos dos ditadores. "Coringa" não é sobre portas fechadas  impedindo a entrada, é sobre portas fechadas impedindo a saída, e então, "Coringa" é sobre mim. "Coringa" não é sobre um homem que se tranca na geladeira e tem uma amante imaginária, "Coringa" é sobre quem se tranca no inferno e tem uma amante ral. V não é sobre asfixiar a mãe louca com um travesseiro, mas como se livrar dos fantasmas de cobertor. "Coringa" não é sobre mocinho e bandido, polícia e ladrão, é sobre como sobreviver sem heróis, sem ídolos e sem mitos, e aí, mais ainda, "Coringa" é sobre mim. "Coringa" não é sobre ter crises de riso quando se está nervoso, não é sobre pintar um sorriso com sangue e incendiar a cidade, "Coringa" é sobre nunca sorrir, abandonar a cidade em busca de paz, e encontrar a mesma cidade dentro de outra, de outra e de outra, e nessa outra, ser um palhaço invisível, irrisível e, nesse lugar ser fadado a morrer. "Coringa" é sobre mim. "Coringa" não é sobre caos e desordem, não é sobre palhaços que incendeiam as lonas do circo, não é sobre circo, nem sobre fogo, é sobre o jogo das sombras da morte; não é sobre mortos e feridos, mas sobre pessoas a quem resta apenas uma carta na manga, o Enforcado, que não tem dinheiro para comprar uma corda. "Coringa" não é sobre sucesso e fracasso, não é sobre vitórias nem sobre derrotas, é sobre o nada, e, sobretudo, "Coringa" é sobre mim. "Coringa" não é Cesar Romero, Jack Nicholson, Heath Ledger, Jared Leto ou Joaquin Phoenix: Coringa sou eu.  Dois quilômetros do cinema até em casa. A cabeça martelando, o rosto todo cortado pelos fragmentos do espelho estilhaçado que caíram sobre mim. Assim, desse jeito. "Coringa" é sobre mim, sobre si, e sobre todos aqueles que acharem que é.

09/10/2019