Prefácio ao livro Peregrinações de Isaías ao Redor de Si Mesmo, de Jorge Bandeira
Barata Cichetto
"Somente se a nudez profética se concretizar teremos chance de termos um novo amanhã."
A nudez humana sempre foi polêmica. Desde tempos remotos, em que, calcada em conceitos religiosos propositalmente mal interpretados, foi atrelada à ideia do pecado, da luxúria, e até mesmo da maldade. A serpente do Paraíso teria feito o primeiro casal do mundo sentir vergonha por estar nu. Teria. E a partir daí toda nudez passou a ser castigada. Perseguida. Banida. Confinada aos ambientes privados. E às revistas e filmes onde sempre foi tratada de acordo com interesses de mercado, sempre apelando à ideia do voyeurismo, do espiar no buraco da fechadura do quarto ao lado. E assim, dentro das roupas da marca Hipocrisia, a humanidade tem se sustentado.
Mas onde entra Deus nessa história? É justamente, em meu entender, que está o principal sofisma impetrado por Jorge Bandeira em "Peregrinações de Isaías ao Redor de Si Mesmo". Mas a aparente refutação sofística é também silogismo sofístico. Ou seja, mediante a argumentação de Isaías, que quer defender algo falso e confundir o contraditor, num primeiro momento afirmando que conheceu Deus e que ele estava vestido com "manto esvoaçante que deixava antever uma visão indefinida entre o corpo nu e uma pele feita de alva coloração", há a pura conotação de que Deus está, de fato, nu.
Desfeita a confusão, proposital, o que resta ao leitor é uma verdadeira oração, um mantra à nudez humana, como forma de libertação verdadeira do ser humano. E não essa liberdade propalada pelos cantos e pelas ruas, mas que de fato se revela como prisão. A chamada liberdade sexual se revelou nisso, uma prisão, onde as pessoas são escravizadas a desejos nem sempre puros, mas de interesses externos. E assim retornamos aos primórdios da era da nudez como pecado maior, ensejado todas as formas de abominação. E ao contrário do que muito se afirma, não caminhamos adiante nas nossas liberdades individuais, não andamos para frente em nenhum sentido moral. Muito pelo contrário. A nudez, exposta de todas as formas na Internet é ainda, e mais ainda, tratada como pecado, como maldição, como crime. E por isso forjada pelos interessados em fomentar as pequenas subversões para angariar mais e mais poder.
O caminho é mesmo o proposto por "Peregrinações...", em que Isaías, uma espécie de alter-ego de Jorge Bandeira, nos propõe. Precisamos nos despir não apenas de roupas para atingir a nudez. Precisamos nos despir não apenas de pudores. Precisamos nos despir de nossos próprios conceitos de Deus e de Liberdade, para atingir o que seria a ataraxia da humanidade, a nudez plena do espírito. E não apenas as roupas precisam ser feitas de "substâncias nuas", como nosso próprio caráter, nossos objetivos e dogmas. Nossas vestes atuais, tecidas com dogmas, ideologias e pensamentos estão sujas, imundas. Precisamos, sim, aniquilar, queimas essas vestes e ressurgir enquanto espécie, nus. Talvez nesse momento, nos defrontemos com um Deus que de fato não conhecíamos, escondido dentro de vestes sagradas inóspitas. É possível que no momento em que despojados também de nossas vestes, que tanto nos impedem de enxergar nossa própria nudez, encontrar o verdadeiro Deus. E com certeza ele se nos mostrará completamente nu!
7/10/2015