Esquizofrenia
Luiz Carlos Barata Cichetto
Tem algumas coisas escritas que eu guardo em silêncio dentro de um baú de ossos. Ou seria dentro de um saco de tripas? Que coisas seriam essas, ainda querem saber os curiosos furiosos, aqueles que amam a desgraça e o segredo, revelados em programas vespertinos de Televisão? São coisas que não conto nem a mim, porque o medo é aliado da morte e eu morro sem contar. Conto até dez, até cem, até um milhão se for necessário, mas não entrego nem sob tortura o que existe guardado dentro de mim. A morte foi a primeira a chegar à cerimônia do meu velório e eu nem a convidei. Intrometida! Ela sentou-se ao lado do caixão, apanhou uma flor e ficou ali, cheirando rosas podres. Cravos de defunto e todo mundo olhando para ela com olhos de medo. Eu não tinha medo dela, da morte, tinha medo de mim. Tinha medo da dor que me afastou da vida, ainda pensou o poeta antes da corda baixar seu caixão naquele tumulo gelado. Todos estão mortos naquele cemitério. Os coveiros não matam ninguém. Apenas enterram. Coveiros não são portadores da morte, apenas transportadores. Que coisa mórbida! Ainda pensou minha mãe ao ler meus escritos, aquelas coisas que guardei por muito tempo debaixo do colchão. Muita gente guarda notas de dinheiro debaixo do colchão, outros guardam bilhetes românticos, pedaços de sonhos. Eu guardo segredos e pedaços de minhas tripas. Chegaram noticias do exterior. Do mundo exterior. Escuto vozes... E elas não gostam de ninguém. Estamos em um mundo esquizofrênico, endêmico, acadêmico. E o pior, anêmico e ecumênico. Escuto vozes que falam comigo, escuto as vezes vozes que falam de mim. Vozes as vezes que são silenciosas, sussurrantes e que me contam segredos terríveis sobre mim mesmo. E pedem que eu guarde segredo. E escrevo coisas, num caderno espiral, anoto coisas com caneta vermelha, qualquer cor menos azul, que azul me lembra escola e escola me lembra ditadura e dor. Anoto poemas, idéias e sonhos. Meu baú de ossos transborda, esqueci a chave no banheiro da estação rodoviária. A chave do baú. O saco de tripas rasgado, o saco de merda do mundo de Charles, o alemão. "Como vão as coisas, Charles?" O francês, o alemão e o brasileiro dos morros... Pensa que não sei o que acontece quando a gente morre? Sei, sim! Ressuscitei ontem pela terceira vez e era sábado... Ou seria domingo? Estou sentado em frente a um espelho e não enxergo nada além do tempo atrás de mim. Sou um quadro surrealista! O tempo escorrendo pela beirada da mesa, feito o relógio de Dali. Qual é o resultado da matemática da vida? Sempre é zero. Não importa a operação, a conta que se faça que o resultado sempre será igual a zero. Tudo é matemática, meu querido artista. A matemática da música, da pintura... A matemática da escrita, somando letras a letras, formando palavras cujas somas dão por resultado uma poesia ou um tratado homérico. Não, eu não guardo nada em silêncio, nem o próprio silêncio, mas sou guardado por um silêncio psicótico, a ignorância e o dinheiro silenciam as almas e estou cansado de pregar... Pregos numa parede podre que não suporta mais nenhum prego. Quebrou o cabo do meu martelo, sinto informar. Quer um prego? Estou cego, não consigo pregar. Sinto a dor do mundo, o sangue que escorre pelas ruas e o cinismo dos políticos em entrevistas de jornal. Quero um mundo sem política e sem políticos, sem cinismo e sem poderosos esmagando crânios. O crime não compensa. No cinema tudo sempre acaba quando acende a luz, mas na vida real, essa que está aqui do meu lado querendo meu sangue e cheirando podre; nessa, o que acaba quando se acende a luz é a verdade. Mentiras são monstros criados no escuro? Nem sempre, pois as maiores mentiras são criadas em gabinetes bem iluminados, com lâmpadas fluorescentes e ar condicionado. As verdades brotam no escuro. Quem me conta mentira? Quem há de me contar a verdade? Quem há de me contar? Apague a luz, abra a porta. O mundo acabou e não há mais nada. Ah, mulher, porque não nos conhecemos antes, quando o mundo ainda existia? Porque não nos conhecemos quando ainda existia esperança? Agora não escuto mais vozes, não vejo coisas e nem sinto... Mais nada!
ferpeitinho.
ResponderExcluirtb não sinto mais nada.
textão duca.
Obrigado, amigo Giovani Iemini, o BARDO ESCRTOR!
ExcluirExcelente! Tem pelo menos três ou quatro passagens que virarão postagens no Face, devidamente creditadas e com imagens (im)pertinentes a elas aliadas, se assim o amigo Luiz Carlos permitir. Viajei no texto, e na canção!
ResponderExcluirObrigado, Celso! E claro que "permito". Obrigado por comentar e compartilhar!
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