Manifesto Sem Eira Nem Beira
Luiz Carlos Barata Cichetto
Luiz Carlos Barata Cichetto
Eu, Barata Cichetto, que de poeta tenho muito e de médico nem um pouco, sem eira nem beira, sem dinheiro na carteira, "nada no bolso nem nas mãos", que não temo a um deus que não conheço e nem reconhece; que não tem medo de cara feia nem de cara de pau, apenas medo de altura e de ratos - de homens não; que não tem carteira assinada, nem cadela vacinada, apenas um par de gatas mestiças; que nunca leu o "Manifesto do Nada na Terra do Nunca"; que há tempos não escuta nem um disco do Lobão; muito menos adora esquisitices caetaneiras e babaquices gilbertianas, e não ganhou de presente nenhuma caetania hereditária; além de achar que buarque, apenas o sérgio e mesmo assim, nem sempre; que é radical à despeito dos filhos e ao achar que o mundo é dividido em duas partes "Rock" e "Não-Rock"; lança o presente Manifesto Sem Eira Nem Beira, sem nenhuma pretensão a não ser o de marcar seu ponto vista, visto de um ponto que fica entre o Nada e a Terra do Nunca, ou entre o Nunca ou a Terra do Nada, como prefiram.
O presente manifesto é pessoal, mas facilmente transferível aos que dele desejarem e grosso modo, do meu modo grosso de ser, imploro que não façam do presente Manifesto uma bandeira. E na melhor das hipóteses, use no lugar do papel higiênico, pois sustentabilidade é bola da vez, a moda da hora. E quem sabe faz agora e faz NA hora. Manifestos são coisas de comunistas, operários vagabundos e artistas frustrados. E em qual categoria me encontro? Enquanto Lobão é um "fenômeno editorial", estou plantado dentro de um porão num subúrbio a trinta quilômetros do centro de São Paulo, pedindo para que a barriga pare de roncar e faça silêncio para que eu possa escrever sossegado. Não tenho NADA, nem NUNCA tive nada contra Lobão, que ao menos, concordemos ou não, meteu o dedo no buraco, fazendo muita gente reagir. Artista tem que ser provocador, e isso Lobão é de sobra. Ainda não li nenhum dos livros dele, não por não querer, mas por falta de dinheiro pra comprar, mesmo. Então não vou cair na armadilha de provocar onça, ou lobo, com vara curta.
O presente manifesto, que de manifesto mesmo não tem nada, começou a ser escrito no dia em que completo cinquenta e cinco anos de idade, num inverno gelado, num porão gelado da extrema periferia de São Paulo, onde eu e minha quarta esposa moramos há três anos e meio. Ela é um doce e eu sou um cavalo. Há muito perdi a esperança de empregos fixos, de carteira assinada, trem lotado e salário no final do mês. Ganho a vida, mal e porcamente, parcamente mal, fazendo sites para a internet, mas como não sou programador nem artista gráfico, desses especialistas em Photoshop, tenho que me contentar com migalhas, porões em subúrbios e a constante falta de dinheiro para pagar contas. Meus dentes há muito não visitam um dentista., e por revolta operária, pulam da minha boca, feito ratos de um navio que afunda. Minha boca é um navio que afunda? Sim, afunda na tua bunda!
Escrevo livros de poesia e precisamente hoje terminei mais um. Deve ser o décimo quinto ou décimo sexto da era moderna, ou seja, depois que minha primeira esposa me chantageou emocionalmente, na era antiga, e me obrigou a rasgar uma mala cheia deles. Mas, minha era moderna começou no final do século 20 e de lá pra cá escrevi cerca de oitocentos poemas, ou ao menos oitocentos deles sobreviveram à minha sanha assassina de serem abortados e jogados nas lixeiras sem tampa do banheiro. Meus poemas beiram a loucura e a pornografia. A dor e suas matizes. Um universo humano povoado por putas, desamores e lutas. Idealismo, ira e iconoclastia em poemas rimados, extensos e densos, O poeta atira em todos os sentidos, usando seus próprios sentidos como arma. E acerta o alvo. Forte, certeira e cruelmente. Sem eira nem beira, sem dó nem piedade. Pornografia é arte sincera! Toda arte é pornográfica e toda sinceridade também!
É, a vida não tem lógica, nem respeita números.. E fico pensando então porque as pessoas se preocupam tanto com essas coisas... Talvez com uma intenção inconsciente de tentar enganar a morte. Do mesmo que se enganam com o amor, que segundo Schopenhauer é a compensação da morte. Enfim. Só existe uma lógica e um resultado matemático: a morte... O resto é tapeação, enganação... Fingimento... Matematicamente, é tudo uma questão binária: 1 e 0. A vida é o 1 e a morte o 0. Simples isso. A morte é o zero, o nada absoluto. Mas pensando bem, a vida seque mesmo uma lógica matemática, mas não da matemática conhecida, uma própria, onde qualquer operação, com qualquer numero resulta em zero... Matemática absurda, surda, cega e muda... Só não é analfabeta. E o que faço com os números? Somamos idade, contamos datas, mas tudo no fim é apenas uma contagem regressiva para... o zero... Embora a gente não saiba a partir de que numero contamos. De qualquer um que contamos, chegamos ao zero, às vezes sem uma sequencia... Assim, simples assim.
Então, conte comigo, até zero...
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