Amyr Cantusio Jr.
(16 de Agosto de 2015 - Teatro Interno da Concha Acústica - Campinas - SP)
Domingo é dia de muitas coisas. Arrumar a casa é uma delas. Ah, escutar musica, cuidar das plantas, dar banho em cachorros, tomar cerveja no boteco da esquina, de bermuda e chinelo. Depois, comer macarronada e .. Dormir. É. Um típico domingo paulistano, de típicos brasileiros, que trabalham a semana inteira.. Mas....
Mas quando a gente é "Do Rock", todas as coisas típicas deixam de ser. Passam a ser atípicas, fora do contexto. Fora de ordem. Caos. enfim. O Rock é assim. Mesmo.
No domingo de Inverno, quente além da conta, de São Paulo, em meio de um Agosto também inteiramente quente, contrariando a antiga máxima da São Paulo da Garoa, eu me preparava para fazer algumas dessas coisas típicas. Um dia absolutamente monótono se anunciou e já chegava meio dia quando eu pensava em cumprir o sagrado momento da cerveja no boteco da esquina.. Quando uma chamada de Facebook mudou tudo.
Amyr Cantusio Jr. que também atende pelo codinome de Alpha III iria fazer uma apresentação em Campinas, sua cidade naquela tarde. Tinha me conformado em não poder ir. Sem dinheiro nem disposição de enfrentar três ou quatro meios de transporte para atravessar pouco mais de cem quilômetros até aquela cidade, tinha resolvido nem pensar mais nisso.
Eis que surge o amigo Adilson Oliveira. Musico, admirador do trabalho de Amyr, parceiro de Stay Rock Brazil e convida: "Vamos para Campinas ver a apresentação do Amyr?" - Eita, mas é tarde. Dá tempo? "Dá, sim. A apresentação é as três da tarde. Se sairmos agora chegamos a tempo." . Fechado, disse eu. Vou tomar um banho e em uma hora nos encontramos no Metrô. E dai pegamos a estrada.
Precisamente em uma hora e o esperava na estação Carrão do Metrô. Pegamos a Anhanguera e em pouco mais de uma hora e meia estávamos no Parque Taquaral, um local maravilhoso, com muita vegetação, animais, lagos e famílias com crianças. Um paraíso.
Logo estávamos em frente a Concha Acústica, local inaugurado, segundo o próprio Amyr em 1976, onde ele tinha tocado com sua banda na época, o "Spectro". Construção maravilhosa, com um anfiteatro romano perfeito e a concha em forma de folha, muito alta, uns quinze metros de altura.
A apresentação de Amyr, intimista, ocorreria no subsolo, numa área pequena mas aconchegante. Descemos, eu Adilson e Flávia, sua esposa, e ao fim da escada em leque avisto Amyr. A surpresa feliz tomou conta de seus olhos e um forte abraço aconteceu. Ali também, além da Cathia, simpática esposa de Amyr, encontro o poeta Dríade, Arnaldo Caproni, de quem eu tinha editado três livros de poesia, mas ainda não conhecia pessoalmente.
Por sorte, nossa, o show ainda não havia começado. Falamos um pouco e logo Amyr toma seu lugar no grande palco, onde reinavam solitários uma tela pintada por ele e um pequeno "aparelho" que me deixou encafifado. Onde estariam os teclados? Amyr começa a falar, sem seque microfone, mas audível pela acústica e tamanho do espaço e fala rapidamente sobre sua trajetória e sobre como seria o espetáculo. E assume os controles do tal pequeno aparelho: um "Alessis" sintetizador que se mostra um verdadeiro gigante em tonalidades e sonoridades nas mãos desse musico fenomenal, dono de uma carreira primorosa, com uma produção gigantesca ao longo de 40 anos de carreira.
O tema, que Amyr chama de "Hypnos", seria dividido em três partes. Sentado logo na primeira fila de cadeiras, bem de frente ao musico, logo na primeira parte começo a sentir sensações "estranhas", percebendo que aquele som, aquela musica de alguma forma começa a me levar a um estado de transe. Além da atmosfera criada pela musica, a iluminação, a cargo de Vinicius Dias, criam um clima de viagem, de percepção modificada. Num determinado momento, lembro-me claramente de ter colocado minhas mãos em forma de triangulo a frente do rosto e ter a sensação de estar manipulando uma bola muito macia, sedosa e quente. Uma esfera muito macia que tomava forma de acordo com as nuances da musica.
A segunda parte, segundo o próprio musico, seria um tema mais "simples", na linha de Vangelis. Nesse ponto, todo aquele clima nos transporte a uma viagem no tempo e no espaço. Londres, cinquenta anos atrás. O clima de psicodelia, lisérgica e sinergia das apresentações do Pink Floyd no inicio. As projeções, com imagens de discos voadores, alienígenas, estrelas, o pequeno Alessis enchendo o ambiente de uma sonoridade por horas sufocante, paranoica, esquizofrênica. Uma sensação de que poderíamos tranquilamente sair dali voando, entrar numa máquina do tempo e materializar na Doce Londres dos anos sessenta. (Enquanto escrevo isto, Amyr me chama várias vezes no Facebook. Está eufórico com o resultado artístico, mas frustrado pelo pouco publico.)
Na terceira parte, ainda sobre o efeito do potente alucinógeno, me deixo levar pela atmosfera quase dark. Uma sensação de melancolia me invade. O som é pesado, denso, mas ao mesmo tempo é arrastado, deprimente, gótico. A morte deve ser assim, penso eu antes do final da apresentação. A iluminação, o tempo todo projetada sobre todo o palco, cria desenhos absurdos, ilógicos, incoerentes, alucinógenos sobre o quadro pintado por Amyr, exposto no palco, ao seu lado. Um espetáculo multimídia, transcendental, esotérico. Quase místico.. Quase?
No final da tarde deixamos Campinas, sem antes, na saída do Parque, avistar três cutias que passeavam tranquilamente. Na estrada, eu e Adilson falamos o tempo todo sobre as possibilidades maravilhosas, sob todos os aspectos artísticos, que um espetáculo desses proporcionaria às pessoas. Até quando as pessoas se fecharão em suas conchas não acústicas e não se permitirão experimentar experiências sensoriais, guiadas por músicos de qualidade, como desse gênio chamado Amyr Cantusio Jr.?
Abaixo uma amostra.
Video: Cathia Cantusio
Um momento onde a música criou sensações ímpares em cada um dos presentes, mostrando que ainda há inteligência e criatividade em nosso país tão maltratado culturalmente, que venham mais eventos como esse em todos os cantos, foi D+!!!
ResponderExcluirGrato pelo comentário, caro amigo Adilson Oliveira (O blogger não o identificou). E principalmente por ter sido o responsável pela minha presença nesse evento magnifico.
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