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04/11/2013

Quarenta Anos de Poesia ou Vênus em Fúria

Quarenta Anos de Poesia ou Vênus em Fúria
Luiz Carlos Barata Cichetto

No início de 1973, quando eu tinha 14 anos de idade, e já rompia e rasgava as ruas de São Paulo, um garoto magrelo e tímido e virgem carregando pacotes e envelopes, cometi meus primeiros poemas. Poesia concretista na maioria. E muito ruim e foi tudo ao lixo. Dois ou três anos depois, ainda magrelo e tímido e não mais virgem, já rasgava as cortinas dos puteiros do centro e escrevia poemas de amor impossível para as putas da São João. Poemas secretos, não concretos, mas ainda assim, ruins. E foi tudo jogado no lixo, embora alguns tenham sido publicados em "jornaizinhos" (não existia ainda o termo "fanzine"), que decerto foram jogados ao lixo também. O tempo corria e eu também, de um balcão a outro de banco, trajado de terno e gravata, pois bancário, mesmo auxiliar de porra nenhuma, tinha que se trajar assim. Descobri Lou Reed e a barra pesada, depois, bem depois, descobri Augusto, Baudelaire e outros. Era a poesia do Rock e o Rock da Poesia e eu ainda era magrelo, não era tão tímido e nem um pouco virgem. Em 1978, peguei doença venérea, coisa séria, ao comer o rabo de uma puta. Enchi a cara e a porra do corrimento recolheu. Me fodi dois anos tratando daquilo. E minha poesia falava daquilo e eu não joguei nada  no lixo, porque aquela era nojenta, mas era boa. Guardei dois anos e editei um livro, resgatado há pouco, em mimeógrafo. Guardei mais dois anos e uma recém-esposa ficou com ciúme, fez uma cena e rasguei tudo e joguei no lixo. Era ela ou a poesia e eu escolhi o lixo. E daí, mais dois, mais dois... Mais dois ou três ou cinco... Passaram-se quinze e sonhava com o Paraíso. Eu era infeliz... E sabia... Sabia de cor e salteado... Perdi empregos, dignidade e fui digno de pena, porque era assim que me queriam. Enchi a cara, passei fome e fui revirar o lixo que tinha na esquina. Fedia aquele lixo. E naquele lixo, entre papel higiênico sujo de esperma e de bosta encontrei meus poemas, aqueles que tinha rasgado há anos. Eles disseram; "Olá, estamos todos aqui, no lixo te esperando!". Disputei com mendigos a cachaça e o café com leite de misericórdia, colei os pedaços dos poemas e ficávamos na calçada, eu e uma meia dúzia de mendigas e mendigos. Eles sabiam do que eu falava e eles sabiam o que eu sentia. Ambos já estávamos mortos e sabíamos disso. Disputei com abraços com eles e fugi aos braços da primeira... Que de primeira... Fodeu! Quem era eu? Rum, vodka, cerveja e putaria, sexo e porrada na madrugada. Pirações e inspirações, num personagem de desenho animado da década de trinta. O diabo, como dizem, não é tão feio quanto se pinta. E ela não tinha trinta e na buceta uma pinta. Gostávamos de foder, de bater e de apanhar. E de buceta, os dois. E minha poesia crescia. Lixo? Jamais! Eu não tinha mais 14 nem 24 nem 34. A rua tem gosto de podre e cerveja gosto de mijo. Lixo? E não tinha mais família, e existir era tão boa quanto Cynar, amarga e doce ao mesmo tempo, dependendo de quanto deles se bebe. Mas o tempo mijou na minha cara. Olhei pra cima e vi a buceta peluda do tempo se abrindo e despejando aquele mijo quente e salgado na minha cara. Ah, a buceta do tempo... Eu fodi com ela, com a buceta do tempo. E eu sabia escrever, escrever, escrever. Poesia é uma puta lésbica e mentirosa e eu só fodia com ela. Betty Boop? Ah, fodam-se os desenhos e os desejos infantis. Quero olhar pra cima e esperar o gozo da buceta do tempo na minha cara. Poetas apenas esperam por esse momento. Orgástico, plástico... Mágico. Ah, maldita língua portuguesa: por que usar a palavra "balas" para doces e projéteis de arma de fogo? Onde estão minhas balas? Perguntei. No seu bolso, respondeu  a criança. Mas não lembro se são balas de chocolate ou de revólver. Revolver? Balas de chocolate, são as minhas. Derretem na boca. Disparo e pronto. Conheci uma senhorita que adorava balas... De hortelã e de menta... E um dia acabou levando ... Balas de revólver. De revolver o estômago essa. Gosto de balas, principalmente de metralhadora. Encho a minha com letras e saio atirando, a esmo, sem alvo fixo. Deixo as balas espalharem os pedaços dos miolos dos incautos pelas calçadas. Adoro cérebros espalhados pelas calçadas. Sempre que pego um livro de poesia, numa espécie de ritual, abro numa página aleatória, ao acaso. E como alguém que tirava a sorte com os velhos realejos, leio a mensagem. Entendo assim, ali e desta forma, dentro da minha descrença aos deuses, mitos e mestres, uma mensagem secreta do autor a mim. Sempre foi assim, desde o primeiro que lembro. Foi assim com Baudelaire, foi assim com Rimbaud, foi assim com todos os poetas, desconhecidos e inglórios que li ao longo dos últimos 40 anos. Mas agora olho para cima e a buceta do tempo não é tão gostosa, o mijo não nem tão quente nem tão salgado quanto antes, mas eu ainda quero foder com ela. Enfiar meu pau nesse buceta e esporrar na buceta do tempo. Mas eu não tenho mais 14, 24, 34, 44... Nem 54 mais. Lou Reed está morto. Eu não sabia inglês e imaginava que a tradução de “Venus in Furs” era “Vênus em Fúria” e aí escrevi “O Cu de Vênus”. John Cage é um gênio, Nico  uma gostosa e eu ainda bato punheta para PattiSmith. Patti é uma cadela, né, Banga? Adoro as cadelas, mas prefiro as gatas. E a buceta do tempo, da puta universal e lésbica do tempo ainda é sempre bela e limpa e sempre mija na cara de todo mundo. Depravada e maldita! Quarenta anos de poesia é uma merda! Porque poesia é dos jovens, dos que ainda, dentro de suas rebeldias ainda acreditam que podem mudar o mundo. Não acredito mais em porra nenhuma. Acreditar é para os moços, acreditar é para os que acreditam que nasceram com o dom da poesia, da arte, e acham que assim podem mudar o mundo. Tolos moços e moças. Um dia ficarão feito eu: velhos e cansados para acreditar em algo. Quarenta anos, vinte livros de poesia que não interessam a ninguém. Sacerdote sem altar, deus sem devoção, artesão de livros. Homem. Não sou referência a ninguém. Espero que rasguem e apaguem dos computadores da Deep Web tudo aquilo que eu escrevi. Poesia é merda, entendam isso de uma vez por todas. Hoje vou dormir de barriga pra cima, amanhã acordo mijado? Hein??? Feliz quarenta anos de poesia, Barata Cichetto.

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