Luiz Carlos Barata Cichetto
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Acordar em plena segunda-feira, com Internet cortada, sem um cigarro para fumar, nem um pedaço de nada para comer. A semana anterior foi de muito trabalho. Uma média de dezesseis horas por dia cortando papel, dobrando, costurando, colando... Arrastando um carrinho pesado que quebra a roda no meio do caminho até a gráfica. Terminar uma obra, mais uma Ópera Rock. Sobre uma morta-viva. Escrever uns dez poemas, montar programa de rádio... Tudo isso com o ciático fudido e dores de cabeça diárias por enxaqueca nervosa. Quatro encomendas de livro prontas, ou quase prontas. A Ópera escrita por mim, composta por Amyr, em parte cantada pela Liz. E nada, nenhum dinheiro. Ah, sim, tomei no cu com um filho da puta que me sacaneou. Mais um! Li um livro do Bukowski também. Nada ver comigo o Buk. O sujeito conseguiu ser valorizado em vida, ganhou uma grana. Ah, e ainda lembrei: comecei a imprimir outro livro, o meu tal Manual. Está na bancada. Um dia sai. A gente escolhe os caminhos, é sempre assim. Eu escolhi. Todos escolhem. Ninguém é escolhido, por nada nem por ninguém. Queria fazer como alguns que conheço e ficar falando do meu ultimo porre, de ontem a noite, da minha ultima estreia. Da minha ultima festa. De que comprei ingresso para assistir um astro do Rock. Mas a minha realidade é outra. Não sou astro pop do underground, nem do overground, nem de ground nenhum. A noite tive dor de dentes... Nos que ainda restam.. Ah, então, preciso parar de me lamentar. Afinal, Rede Social nem é tão rede e nem tão social assim. Dois mil cento e sete amigos. Puxa, que legal! Escrevo isso enquanto penso sobre o que pensam esses dois mil cento e sete. O que pensam ao menos uns sete desses. "O inferno são os outros"? As gatas berrando. Querem ração. Não tem. E eu? Quero fumar! E escrevo para me lembrar que ainda tenho muito o que pagar. À prestação. À prazo. À vista. Cheio de imitadores de Bukowski achando que são os batutas. Mas são mesmo é filhos da puta. Ah, tá, Buk era um filho da puta. Eu sou também. Quem não é? A literatura é representação da realidade. Assim disseram. Para mim não é. É a própria. Faço isso agora. Não escrevendo sobre minha realidade, que isso seria uma mera representação, de fato, meu amigo Eduardo já disse. Mas criando minha realidade a partir da minha literatura. Há teorias comprovadas sobre isso? Que péssimo! Teorias comprovadas deixam de ser teorias. Teorias irrefutáveis? Idem. De fato não existe comprovação de nada, tudo é teoria que não se comprova. A própria vida é uma teoria. Aquilo que chamam de viver é apenas ilusão que tenta comprovar uma teoria que não pode ser comprovada. Meras ilusões. No início disso, eu representei uma série de realidades? São representações? Quantos amigos ainda poderia contar se acabassem as Redes? Tudo é falso? Tudo é ilusão? Tudo é mera coincidência, rara convergência, divergência, parda eminência? Experiência? Que comece a audiência no tribunal. Ou no fundo do quintal. (Quero fumar, porra! Mas é proibido em qualquer lugar. Ah, é proibido: não tenho dinheiro) O estomago roncando. As gatas ronronando. E eu feito um idiota, escrevo um monte de merda e coloco na Internet.. Ah, coloco quando pagar a conta. Pago a conta da Internet ou compro cigarro, comida para as gatas ou meia dúzia de pães? A cruel duvida dos seres humanos do século XXI. Consegui um cigarro emprestado: vou fumar depois devolvo. O filtro. Fumar é bom, tira a sensação de fome. Ainda tem um resto de café na garrafa térmica. De ontem. Mas é café, porra! Ah, mas eu não devia me expor assim, ficar peladão na Internet... Tá todo mundo olhando, né? E tem gente me achando um idiota por estar falando tudo isso. Falando não, escrevendo. Ah, mais isso quem chegou até esse ponto, que reconheço que um texto desse, poucos, pouquíssimos mesmo dos dois mil cento e sete irão ler. Aumenta a inflação, contas de energia e de água. Ah, sim, minha mãe ainda acha que preciso cortar a barba e o cabelo e arrumar um emprego fixo, numa empresa de telemarketing ganhando um salário mínimo de duzentos dólares atendendo uma série de cretinos consumidores vorazes de celular. "Bom dia, senhora. Meu nome é Barata, no que posso ajudar?" Nada contra trabalho algum. Minha mulher adora trabalhar em "atendimento ao cliente". E fica feliz com seus duzentos dólares. Mas esqueci que tenho deficiência de audição de tanto escutar Rock e de de tanto tapa na orelha que tomei. "Tem cigarro aí?" "Tenho, mas vá fumar de outro lado, por que dois caras fumando juntos pode ser muito arriscado" . Não, eu não quero parar de fumar. Gosto de fumar. Tenho direito de gostar. Ainda bem que o estômago parou de roncar. Só não passa a maldita (?) vontade de fumar. Ah, minha querida poeta, sinto saudades das rimas que deixamos de fazer. Por lazer. Ou pura safadeza mesmo. O desejo nem sempre é tesão. Sexo nem sempre é bom. Claro! Gozar nem sempre é gostar. Foda-se, que tenho quase sessenta e daqui a pouco estarei igual meu pai, de andador, insuportável e quase morto, mas mantendo a arrogância. Quero morrer antes disso. Hoje tenho dois mil cento e sete amigos, mas tive menos e tive mais. Muitos morreram. Paulo, Percy, Helcio, Humberto. Muitos morreram com menos idade. Dias atrás, um de meus filhos me disse que minha geração era de mimados. Ora bolas, nunca escutei tamanha asneira. Minha geração, nascida cerca de - apenas - dez, quinze anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, juntamente com o Rock criado justamente por pessoas que nasceram durante ela, viu todos os seus sonhos demolidos no nascer. Uma geração de natimortos, que foi criança, adolescente e adulto, vivendo em uma nação comandada por um Regime Militar. Uma geração que teve que cedo trabalhar, que sofria violência institucionalizada nas escolas e mesmo dentro de casa. Uma geração que não tinha acesso a informação se não comprasse um jornal, que não tinha acesso à cultural se não andasse quilômetros a pé até uma biblioteca. Uma geração que nada podia, que nada tinha, mas que tudo sonhava. Uma geração que tinha sonhos e ideologias, que acreditava, sim, no socialismo como saida humana, ou humanizada, de governo. Que acreditou nisso, sim, e que depois viu sua crença, seus sonhos, se desfazerem na ganância pelo poder. É essa a geração mimada? Sim, sou a geração dos culpados, sim. Dos culpados por justamente dar a esses que mais defendem essa ditadura do pensamento, do politicamente correto, a base tão sonhada pelos construtores do pensamento "esquerdista". Sim, somos culpados disso. Na ânsia justamente de dar uma educação liberal a nossos filhos, o que fizemos foi justamente dar a faca e o queijo a esses ideólogos para levá-los às suas hordas. As escolas fizeram isso. E nós permitimos. Fomos cúmplices e agora somos culpados. Não fujamos disso, dessa responsabilidade. Sempre escutei de parentes mais velhos que eu era liberal demais na educação de meus filhos. Pouco tempo depois, passei a escutar deles que era um ditador... Ora, ora, ora. Somos, portanto heautontimorumenos, ou seja, verdugos de nós mesmos. Geração mimada? De que geração falamos? Não seria esta, nascida nos anos oitenta, que já cresceu com videogames modernos, computadores, Internet e todas as liberdades de expressão? Qual é a geração mimada senão essa e as posteriores, que aprendeu nas escolas e nas oficinas do poder a saber e exigir seus direitos, nem sempre apenas seus, mas esquecer de exercer o contraponto justo e necessário do dever? Que geração é a mimada a ponto de não ter respeito - propositalmente confundido com autoridade - por nada nem por ninguém, a não ser pelos próprios desejos? Que geração foi mimada a ponto de não assumir seus próprios erros e difundir na marra ideias coletivos em detrimento do individuo? A minha geração foi maldita, sim. E é! Uma geração que fica no limbo entre os que nasceram durante a Guerra e criaram as maravilhosas obras culturais, especialmente na musica Rock, que todos admiram, e a essa, que nós próprios construímos, e que nos socam a boca e nos acusam de mimados. A geração Internet, "geração Coca-Cola" de fato triunfou. A imbecilidade está organizada, é uma facção criminosa organizada. A Internet é a socialização da mediocridade, da voz aos que nada tem de importante a falar. A ditadura da mediocridade. A ditadura da estupidez. A mentira repetida e aceita, o pensamento pueril tido como genial, a troça, a violência contra aqueles que não pensam igual. O preconceito contra o preconceito. Tudo é aceito. Refeito, desfeito e ninguém sabe nada além do que querem que saiba. Meras coincidências, bobos da corte pensando que podem comer a rainha num baile funk. E podem. Escrevo sem parágrafos para que o leitor não tenha tempo de respirar. Nem pensar. No meio de tudo, entre as palavras existem espaços suficientes para isso. Escrevo isso na Internet e publico assim que pagar a conta. Mas antes preciso comprar cigarros. Fumar. Nicotina e café. Sim, são minhas drogas. Preciso disso para me considerar humano. Demasiadamente humano. Mas perigosamente desumano. Quero fumar. Só isso! Andamos em círculos, existimos em ciclos. Não há outras figuras geométricas. Não existem quadrados, nem retângulos, ou triângulos. Tudo são círculos. Quadrados, triângulos e retângulos são circulos de cantos retos. Mas, a improbabilidade da existência de círculos perfeitos, torna a existência humana uma elipse. Ah, e não vou avisar que esse texto é longo. (Fazem isso com textos de quatrocentos caracteres). Ele tem apenas duas páginas. Garanto que dá para ler no tempo de fumar um cigarro.
05/10/2015
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