Barata Cichetto
Pintura: Barata Cichetto: "032 - Selfie Sem Vergonha", látex sobre papel Paraná |
Tempos bicudos, tempos rotundos, tempos grossos, rabos abanando cachorros, pássaros sem cor, mudos e vagabundos; a política, não a poesia, disse o charlatão; a poesia moribunda inunda de sangue o mar; sangra, se afoga, revoga a lei, do Universo; meu verso, meu inverso: acionem o reverso; liguem os motores de proa, minha prosa, mote e glosa; o barco bêbado, encharcado de rum; tempestade a estibordo, grita o marinheiro, o comandante grita: todos a bordo, ratos correm pelo convés e um pirata com a faca entredentes tem sangue nos olhos; tábuas rangem estridentes, bandeiras rasgadas, usadas como papel higiênico, epidêmico, endêmico, sistêmico; viés satânico no horizonte; abandonem o navio, grita o marinheiro no alto do caralho do navio; lua de sangue, mar de lama, mulheres e crianças aos botes, comunistas ao mar, políticos aos tubarões, barões empalados, portos distantes, furacão a bombordo, todos a bordo; chamem Rimbaud, o capitão, o barco bêbado atravessa a tormenta, chamem Messalina para a diversão; o balanço aumenta meu enjoo, alimenta meu nojo, marinheiros tomam rum e quebram as garrafas no tombadilho, e o estribilho é uma letra de funk: estão todos mortos, são apenas esqueletos que dançam, como num velho desenho animado; a água inunda os camarotes; ricos e ratos e gatos, salve-se quem puder; a orquestra toca a canção de despedida, o barco afunda, água salgada à altura da bunda. Iceberg, Zuckerberg e outros bergs gritam que não são culpados: gente demais na embarcação; e ainda há um poeta, com um canivete na mão, entalhando na madeira podre do barco suas ultimas palavras, um verso torto, que irá boiar, como o ultimo pedaço podre de poesia, até que a água salgada desfaça o verso e a madeira: não há mais poesia possível num mundo que se afoga no seu próprio vômito.
23/10/2018
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