Eu Estou Esperando Por Meu Homem
(O Dia Em Que Lou Reed Conheceu Charles Bukowski)
Barata Cichetto
Sou um homem branco, cantor e compositor. Uso óculos escuros de caminhoneiro e botas e jaqueta de couro preto e bem gastos. Estou parado em frente a um prédio em San Pedro, na Califórnia, e nem sei como vim parar aqui. Só sei que estou esperando por meu homem, me sentindo doente e sujo, mais morto do que vivo. Eu estou esperando pelo meu homem.
Sou de New York, entretanto. E lá, meu homem era apenas um amigo traficante, mas em San Pedro espero por outro homem. E ele é também outra espécie de traficante. Seu produto é bom e com ele eu chego a ficar alto por dias seguidos. Ele é um escritor, trafica palavras, que na verdade são cápsulas que envolvem as mais puras e loucas sensações. O meu barato é heroína, o barato dele também, mas de outro tipo: aquelas heróinas que ficam na calçada cobrando michê. De certa forma também sou tão traficante quanto ele, também, mas minha droga é embalada em notas musicais. Como disse, sou cantor e compositor. Já usei e abusei de heroínas de todos os tipos.
Estou parado na frente desse prédio e toco a campainha. Uma morena alta, com olhos de cavalo e cabelos que parecem uma peruca mal feita atende. O nome dela é Rachel, ela conta, e percebo que é uma bicha daquelas que sempre canto em minhas musicas. Ela é um homem, mas não é meu homem, e quer ser minha mulher. É bonita a desgraçada, e quando se vira para que eu a siga, sem dizer uma única palavra, eu olho para sua bunda, que parece bem gostosa. Eu a sigo para dentro da casa, sempre de olho na bunda, e quando chegamos ao meio da sala, o homem que eu estava esperando se levanta da cadeira, sem deixar cair a cerveja e vai ao meu encontro, me abraçando como seu eu fosse um antigo amigo, ou alguém que fosse lhe pagar uma bebida. Ele parece um viciado em corridas de cavalos bêbado.
- Nenhuma bunda vale cinquenta pratas. - Diz ele.
- Sou um homem branco e uso óculos escuros e botas e jaquetas de couro. - Disse eu. - E nunca pago nem um dólar por um rabo de mulher.
- Rachel não é mulher. Ah, ela não é nada. Ou melhor, Rachel é tudo. Tudo o que ela quiser ser.
- Sou bissexual na maioria das vezes, menos quando rola uma daquelas festas em que ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo. Sou de New York, e lá é o lugar onde todo mundo é o que e quem quiser. Eu sou cantor e compositor, ando na barra pesada, e, portanto sei o que digo.
- Tudo isso aqui é um filme ruim, cara. Aliás, um filme ruim, feito por atores péssimos. A gente sempre representa, e mal. Então qual é o problema?
Era uma manhã de domingo, e eu tinha passado a manhã bebendo sangria num parque, cheio de crianças remelentas por perto. Detesto crianças remelentas, detesto parques e detesto sangria. Foi então que decidi ir a algum lugar melhor, e de repente estava na sala de um homem, cujo rosto era familiar, ao menos de longe. E na minha frente uma mulher que era quase um homem, ou um homem que era uma quase mulher, parecia que queria me dar a bunda ou me comer, não sei bem. Eu estava esperando meu homem, era só o que sabia. Só não sabia se era a tal Rachel, ou se era o outro cara.
Rachel se levantou, o homem também se levantou. Rachel se apoiou nos braços do sofá, empinou a bunda e levantou a saia. Depois disse:
- Charles, meu querido, pegue uma bebida bem forte. Nosso garoto precisa de algo que o faça se sentir um homem.
O homem, o que agora eu sabia se chamar Charles, deu uns passos cambaleantes em direção à cozinha, e eu, do mesmo jeito, em direção ao rabo de Rachel. Em minutos eu a estava enrabando e ela rebolava. Enfiei a mão no meio das pernas e um pau de bom tamanho ficou maior ainda quando o segurei. Não tinha perguntado a Rachel quanto custaria seu rabo. Se fosse mais de cinquenta pratas, como dizia o outro homem que se chamava Charles, não valia. Então gozei no cu de Rachel e Rachel gozou no sofá, sujando minha mão. O outro homem voltou com garrafa e copos. Sentou-se e nos serviu, e a ele mesmo. Bebemos em silêncio, com Rachel passando as pontas dos dedos no esperma no sofá e lambendo, entre um gole e outro.
O outro homem, que eu sabia que se chamava Charles ficava me olhando, fumando, bebendo e tossindo. Era um sujeito asqueroso, tinha sotaque alemão disfarçado e ficava o tempo inteiro olhando para uma máquina de escrever no canto da sala, como se lembrasse de algo a escrever e o precisasse fazer imediatamente. Talvez não fosse isso, e ele escondesse heroína dentro da tal máquina. Ninguém dizia nada. E eu só pensava que Rachel era uma viciada, talvez uma Vênus em Peles, que quisesse ser chicoteada ou apanhar na cara. E talvez ela quisesse me bater com uma flor. Ela tinha olhos negros de cavalo, eu já disse. E tinha pernas de cavalo, também. Eram musculosas.
Comecei a cantarolar uma das minhas musicas. E o outro homem a recitar uma de suas poesias. Quando terminamos nosso dueto sem pé nem cabeça, Rachel soltou um bocejo e disse que era tarde demais. E o outro homem, que se chamava Charles, me perguntou se eu queria ser escritor. E eu disse:
- Não, cara, eu estou apenas esperando por meu homem.
E ele me disse:
- Nenhum rabo vale mais que cinquenta pratas.
Era um dia perfeito. Eu paguei cinquenta para Rachel, coloquei os óculos escuros e a jaqueta e botas de couro e sai pela porta, sem antes escutar o outro homem que se chamava Charles dizer a Rachel:
- Nem tente!
20/02/2019
Houve um tempo em que esses encontros inusitados, reais ou imaginários, em ambientes sórdidos habitados por toda sorte daquele tipo de gente rotulada de losers (perdedores), junkies, produziu o melhor da literatura, da música e do cinema. Não obstante as condições peculiares dos ambientes e das personalidades que os ocupavam, a que conclusão a que se chega (ao menos segundo meu entendimento) é que essas pessoas conquistaram uma imortalidade ímpar, e, por conseguinte, no bojo de uma irresistível ironia do destino, se tornaram vencedoras. Taí a Rachel do seu conto que não me deixa mentir. Reed e Bukowski partiram. Enquanto isso, nós, reduzidos a testemunhas da mediocridade que invadiu as artes (noves fora os nichos de resistência, que ainda teimam em existir) não nos atrevemos a esperar pelo nosso Homem -- pouco importando o que esse termo signifique -- pois sabemos que ele jamais virá.
ResponderExcluirCreio que ainda restamos, como "testemunhas da mediocridade", esperando por um Homem, que seja Godot, que seja quem for. Restamos como notas vivas de nossa propria mediocridade... Restamos... Sabendo que nada podemos esperar. Enquanto isso, escrevamos sobre encontros impossiveis, de pessoas que se encontram e não deveriam ou não poderiam. Minha literatura é desconsiderada, e portanto tenho toa a liberdade de promover encontros que não existem mais. GRato pelo comentário, sempre conciso e preciso, sempre lucido.
ExcluirEu não só considero como aprecio muito a sua literatura. Muito obrigado pelo seu elogio. Grande abraço!
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