Barata Cichetto
Ao Bandeira
Foto: Vivi Acácio - Modelo: Alessandra Gomes |
É, Jorge... As coisas pararam. Tudo. Não há trabalho para mim, apenas dividas e mais dividas. É... São quatro e pouco da manhã e mais uma noite perdida pensando nas dividas, na falta de perspectivas... Ninguém quer saber de merda nenhuma. Umbigos, umbigos, ah, os umbigos, tão salientes, proficientes, maledicentes, inconscientes. Indecentes, até. Mas, esses são períodos, falam. É comum. Comum? Amigos comentam que feito eu, que precisa trabalho, existem aos milhares de milhares. Não sou milhares, sou um. Sou indivíduo, que sempre trabalha e trabalhou. Mas o indivíduo não importa mais nessa senzala pseudo-comunista. Eu e o Eu? Estamos mortos. As feiras humanas da madrugada proliferam na periferia e há um quilo de tripas de poetas escorrendo pelas sarjetas... O que importa, Jorge? A bandeira? (desculpe o trocadilho, infame, mas necessário) De que cor? A minha é negra. De pirata e de morto. É de luto, minha bandeira. Por uma terra porca composta de gente que emporcalha seus monumentos, que transforma excrementos em tiranos. E gente em excrementos. Mudar nomes de monumentos, apagar a história, mudar a história. Mas o que não muda é a escória. Minha mulher chora o emprego que perdeu, as gatas miam sem ração. Qual é a razão de tanto? A nação do pranto? Quanto? Quanto? Quanto falta? A mim, tudo. Para onde ir? Manaus? Porto Alegre? Paris? Ou apenas até a esquina? Sentir o cheiro de merda que exala do córrego onde dejetos humanos de pobres e ricos estupram meus pulmões. Pobres e ricos são capitalistas. Comunismo é uma ilação histérica de gente de mente corrompida. Haja saco! Tanta baderna política e tanta loucura por nada. Nada mesmo. Nada nada nesse córrego. Bosta de pobres das favelas à beira. Bosta de ricos das fábricas. Bostas são bostas. E ponto. Bandeiras tremulando na porta da escola, mas dentro tem merenda: cérebros de crianças devorados por idealistas mal educados, mal amados e mal comidos. Tolos. Tirem as mãos dos crânios dos meus filhos. Qual é seu preço? Qual é o preço da sua ideologia? Tem preço, mas não apreço. Tenho cinquenta e oito, acabei com meu ultimo pacote de biscoito. Coito? Nem. Que hoje não comi. Nada. Nem ninguém. Desfralde a bandeira, troque as fraldas e a mamadeira. Não tenham medo da responsabilidade, da autoridade e a da vontade. Tenham filhos, criem filhos e percebam os trilhos te levarem a uma estação diferente. Pode ser Guaianases, Inferno ou o Verão. Mas verão a cor da estação. Paredes pintadas de verde. Vertente. Pode ser na Ponta Negra, na Ponte Rasa, ou na Puta Que Pariu. Riu? Então ria. Cioran se mata de rir de nós e compomos literatura de cordel. Ou de bordel. Cioran é o santo protetor dos incrédulos. Política é crença. Morro ontem, mas amanhã eu componho um poema escrito com merda na parede. Sonho com mortos, depois desperto. Certo. Tem muita gente com insônia. Alô, Bandeira! Tem fotos sacanas? Que bacana! Manda aquela daquela. Preciso dormir, porra! Deidades não dormem. Eu preciso. Que tal um filme pornô, penso comigo. Lembro-me de Sara, Jane, Cleide, Monica, Alexandra e uma porrada de putas que eu comi mas não gostei. Tem muita puta escrota na beira do Cais do Porto de Manaus. Bauhaus? Ou no Cais do Porto Alegre. Triste. Quintana triste. Ah, preciso sair. Ir à quitanda. Tem alface? Nem Gatos nem Alfaces. O chaveiro roubou a chave. Mas eu ainda tenho o segredo da fechadura. Ara Watasara, titulo honorífico que destes a mim, “Andarilho do Tempo”, em Nheengatu. Admito: o tempo é meu caminho, uma estrada sem desvios, um destino certo. A morte é o destino. O tempo é o caminho. Ainda quero desfilar pelado pela Amazônia, roubar a fruta, comer a outra puta. Desfilar pelado sem vergonha do meu pinto. Sem vergonha do que sinto. Mas sinto que a unica nudez que me será permitida seja a da morte. A morte nos deixa nus. Então por que não desfrutarmos a nudez em vida? Sabes o caminho da salvação pela dor e pela arte. O que é a mesma coisa. Quero uma escrava, uma eslava e uma cavala. Potranca de ancas largas e buceta raspada. Quero ser naturista, nudista, artista, anarquista, "anartista". Foder monistas bêbadas em noite de lua cheia. E a cheia do Negro. O Encontro das Águas que eu conheço lá do alto. Tenho medo de altura, mas não tenho medo de voar. Componho poemas no raiar do sol. É frio no Sudeste. Manhãs geladas. Manhãs peladas. Sol em brasa. Frio queima. Componho outro livro de poesia. Ah, estou com azia. Dessa hipocrisia. Ah, meu amigo Jorge, que nem santo nem nada. Há terrorismo nas alas mais conservadoras do Partido Comunista Cristão. Há intolerância nas alas mais liberais do Partido da Esola Sem Partido. E eu, com meu coração partido e o estômago que mais parece solo árido do sertão, quero que se foda a política, a escola e os partidos. Quero a escola de sacanagem de Sade. O partido repartido ao meio dos cabelos das putas setentistas. Quero a ideologia dos mendigos que pedem dinheiro na porta do banco. E que morrem pela política sórdida de prefeitos preocupados em mudar nomes de monumentos. Inauguremos ruas com nomes de putas, de bichas e de poetas. Mas não ruas com nomes de Mario de Andrade, mas que inauguremos ruas com nome de Jorge Bandeira e Barata Cichetto. Ruas em Manaus, ruas em São Paulo. E a ponte Manaus-Barata é larga, poderia chamar Ponte Barata Bandeira. Hahahaha. Uma salva de risos ao distinto publico presente. Cortem a fita, disse o prefeito eleito por maioria de um. Cortem a cabeça desses putos depois. A putaria é nossa poesia e a poesia nossa putaria. Putanhamos e poetamos. Somos sórdidos. Mórbidos e espichados no trapiche da existência. Resistência sem dogmas. Em Manaus há um hotel chamado Da Vinci. Obras de arte nas paredes. E o que mais? Em Manaus Syd Barret, Lou Reed e David Bowie comem bolinho de tambaqui na Ponta Negra. Bolinho de Tambaqui. E na minha viagem, estamos eu, Bandeira, Genecy e Alessandra tomando umas e falando sobre Rock e Arte. Bebemos guaraná, presumo. Bandeira lê um de seus cordéis. "Rockordel" na minha mão. Alessandra aplaude. Genecy com seu jeito sério, ainda esboça um sorriso de Lou Reed. Ao fundo, Patti Smith agita suas mãos enormes, Lemmy trajado de cangaceiro empunha seu baixo e o Pink Floyd tocando em um volume ensurdecedor mata os peixes do Rio Solimões. Estamos todos ali, amigos por definição, irmãos por pensamento. E dançamos todos sobre as águas barrentas. Alessandra dança nua com os pés sobre uma pedra sagrada. Mas então, como quem sofre um surto, desperto e grito. Todos os ossos do corpo doendo. A boca doendo... Ah, ia esquecendo, preciso de uma dentadura. Postiça. Dor de dentes maldita. Arranca tudo, disse eu ao dentista. Assim não mordo! Sou um tordo. Pega um rodo e puxa a água. Dos meus olhos. Usa a vassoura para limpar minha sujeira. Ah, meu amigo Bandeira, quanta besteira falamos numa noite sem eira. Nem beira. Rock In Poetry Fuck'n'Roll a tout le monde! A tous mis amis.
Já que fui citado:
ResponderExcluirCada vez mais vejo certas coisas com os olhos do passado, mesmo que certas cenas tenham sido apenas desenhadas na cabeça do autor -- A Ponta Negra, altos papos, bolinho de tambaqui (que nunca comi); a Alessandra (idem) cujo rosto me foge à memória.
O meu jeito continua sério, mas é só fachada. Ainda sorrio tão pouco quanto Lou Reed, e, às vezes, sou tão insociável quanto, mas mantenho isso sob controle.
O Hotel da Vinci ainda existe. Presumo que lá só haja quadros baratos pendurados nas paredes, mas as diárias são caras. Por outro lado, as putas baratas ainda abundam nas redondezas do cais do porto, aqui chamado de Roadway.
Cada vez mais ouço coisas com os ouvidos do passado. Tantos rocks, blues, folk, soul, jazz... Das besteiras e das piadas internas ditas e ouvidas, sem culpa, pudor, nem censura. Hoje, tudo tem que ser pesado e medido, pois os rótulos e as carapuças estão à mão. Mas eles não me servem, e nem deles me sirvo. É que sou muito individualista e um tanto dono do meu nariz; não pertenço a nada -- grupos, partidos, clubes, igrejas, ideologias. Eu gosto de ser o dono dos meus erros e acertos. Quem me conhece, conhece pouco, o que já é muito.
Já no que diz respeito ao destinatário da dedicatória, ele resolveu desfraldar as bandeiras (sem trocadilho) de muita coisa que desprezo; a do fanatismo ideológico aliado ao culto à personalidade de um criminoso preso é a mais vistosa e infamante de todas.
That's all.
Genecy: esse texto, não sei se recorda, foi publicado no dia em que foi escrito, no Facebook. Na época ainda foi "curtido", mas não obteve nenhum comentário por parte do destinatário da dedicatória, fato que me causou desconforto pela indelicadeza, mas disparou um sinal de alerta, que acabou se confirmando, quando num ato de febre causada pelo virus da ignorancia política, simplesmente me defenestrou.
ExcluirQuando às comidas: bolinhos de tambaqui são ótimos, Alessandra infelizmente não sei.
O destinatário tinha esse hábito. Não foram poucos os comentários meus que não foram curtidos, e muito menos respondidos. Também fui defenestrado. Na verdade, não temos vocação para porta-bandeiras de ideologias mortas. A vida segue.
ExcluirGrande abraço!