Luiz Carlos Cichetto
“'Desde que estou no mundo' – este desde parece-me carregado de um significado tão assustador que se torna insuportável." A citação é de Emil Cioran, o filósofo romeno, e cai como uma luva ao presente texto, até por que termina com "insuportável", que seria outro título que tinha pensado ao estabelecer a linha condutora, sobre de que forma palavras com a letra "i", tem sido presentes na minha existência. Preferi entretanto, sacanear o Oscar, com sua "A Importância de Ser Prudente" (The Importance of Being Earnest"), além do romeno.
Desde minha avó, passando por minha mãe e duas mulheres, todas com nomes iniciando com "i" , essa letra me persegue, me espreita, me define e me consome, às vezes todas as coisas ao mesmo tempo. E ser "inconveniente", por horas me parece ser uma dádiva, dada por alguma deusa pagã, outras a maldição de uma prostituta anã, mas é certo que a inconveniência da minha existência a torna muito mais inexistência, no sentido filosófico ou científico estrito, ou religioso, no lato. Ou o oposto, que é tão verdadeiro como inconveniente.
Como definir melhor um ser que sobreviveu à sanha de um aborto, e que quando criança era chamado "asa negra" por sua própria mãe, e que era espancado por um pai que nem a desculpa de ser alcoólatra, como na maioria desses caso têm? E que foi batizado por escolha desse mesmo pai, getulista e adhemarista, com o nome composto de um líder comunista que ele odiava? Parece-me conveniente que eu me defina então por "inconveniente".
De inconvenientes atitudes a inconvenientes palavras, cresce o ser, sempre com a boca machucada por tapas convenientes e as costas feridas por convenientes surras de ripa de madeira. Uma educação convenientemente tratada como sagrada.
E o inconveniente passa a ter significados amplos, sinônimos múltiplos, na conveniente sociedade crescente, carente de conveniências, todos com a tal da letra "I". Impertinente, importuno, impróprio, inadequado, inapropriado, indiscreto, inoportuno, indecente, imoral, indecoroso, inferior, inútil, incômodo. Cada palavra com seu conveniente expediente, cada uma mais eficiente que a outra.
Da inconveniente poesia suja, ao inconveniente namoro com puta suja, do inconveniente gosto pelo Rock sujo ao casamento com uma suja sem Rock e sem poesia; do inconveniente de ser pai ao de ser fiel; da inconveniente forma de tratar a fidelidade e a paternidade, ao inconveniente jeito de tratar a felicidade e a eternidade, chego ao inconveniente máximo de ser Barata, o símbolo máximo da inconveniência doméstica, social, urbana. E ademais com um inconveniente dom de resistência. Intolerável inconveniente, insustentável impertinência, indefectível intermitência, impossível intendência, inexprimível inconsequência. Gritaram: "Inexequível", "Impossível", mas era incontestável a inexorável, inflexível, implacável ira, a inelutável, irrefutável e indiscutível intenção: invencível, e até incrível.
Barata dos Infernos, O Insuportável Barata, e inomináveis substantivos e adjetivos. Superlativos, mas inobjetivos. Insofismável, incontestável. Incerto? Inconstante? Imbecil? Idiota? Nunca à imagem: inverossimilhança. Inexpugnável. Intragável. Indubitável inteligência, inacatável pertinência, indisputável clarividência. E de inconvenientes a inconsequentes, de indecentes a impertinentes, escrevo, escrevo, escrevo. Nada devo ao que escrevo. Nada invento, nada intento. De fato não escrevo, mas inscrevo minha intenção nessa pedra girando no Universo. Não apenas o verso, mas seu inverso e seu reverso. Converso apenas. Inconvenientes e inconiventes conversas; intransitivas e intransceptivas conversas. Inversas. Invenções, introversões, inversões. Invento novo verso, intento novo inverso. Sem reverso.
"Um dos artistas mais instigantes, inteligentes e imprevisíveis - só para ficar nos adjetivos começados com a letra "i" - que conheci pela Internet." - Disse o escritor, que também é professor, e que também é crítico literário. "Imponderável, impertinente e inconsequente", disse outro. "Intangível e insaciável", por fim disse eu, ao final de uma conversa que inexistiu.
E insuportável agora, ao final da inglória inexistência inconveniente, incontinente e imediatamente, ainda inabalável e intocável, me torno incontestavelmente inverossímil, infactível, inexprimível.
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados
11/11/2019
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