Barata Cichetto
Eu não direi as palavras mais terríveis esta noite. Piva já disse. E só fiquei sabendo ontem a noite. Um livro caiu da estante. Não, não era do Roberto, mas um livro qualquer, de culinária, sei lá. Decerto um desses livros que a gente tem e nem lembra por que tem. Mas o fato desse livro cair na minha cabeça, por algum motivo me fez lembrar de Roberto Piva, que também era um maldito desgraçado. E como todo maldito desgraçado como eu, gosta de dizer palavras terríveis, principalmente a noite. Confesso: nunca tinha lido o Piva, nunca mesmo. Mas era chato dizer que não, afinal, somos ambos malditos. Mas tudo bem, ele nunca leu Barata Cichetto, que sou eu. Então, não tem desculpas a serem dadas ou pedidas. Portanto, não direi palavras terríveis esta noite. Não direi palavra alguma. Ficarei em silêncio mortal em respeito às palavras mortas. A terrível mortandade de palavras, por censura ou desconhecimento. Palavras fuziladas no paredão da ignorância, por um exército de eunucos, mentes dominadas e deformadas em escolas do crime e faculdades criminosas. Estarei em silêncio esta noite. Talvez finalmente leia algumas outras coisas de Piva, talvez leia alguma coisa de algum poeta morto. E talvez não leia nada. Minha leitura fará silêncio diante de tanta coisa terrível que é escrita. Silêncio em meus olhos, silêncio em minha mente. Somente. E também não escutarei nada no rádio, não verei nada em lugar nenhum. Só há coisas terríveis em todos os lugares. Pessoas terríveis, adultos e crianças terríveis. Então não direi nada, não escreverei ou lerei. Estarei morto hoje a noite. Quem sabe assim leiam minhas palavras terríveis como li as de Piva ontem a noite apenas, depois de quinze anos após sua terrível morte. Sem palavras terríveis hoje a noite, por favor.
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