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10/09/2019

Domingo no Parque

Domingo no Parque
Barata Cichetto


Sai de casa. Precisava de paz, um lugar para fumar meu cigarro e ler um livro, e talvez olhar algumas bundinhas chacoalhando em bermudas curtinhas. Fui a um parque público, um lugar enorme, cheio de tudo o que eu precisava: natureza, tranquilidade, pessoas bonitas. O lugar perfeito para ler, pensar e fumar. Na entrada do parque uma placa e um segurança mal encarado me diziam ferozmente que eu não podia fumar. Não quis contestar. Era a lei e a lei a gente respeita. Entrei, procurei um banco que não fosse coberto com bosta de pombos. Achei um mais ou menos limpo. Sentei e abri o livro. Duas garotas passaram correndo, com as tais bermudas coladinhas, naquele passinho aprendido nas academias de ginástica e olhando o Apple Watch no pulso. Fiquei olhando. Uma dela me lançou um olhar de nojo e continuou saltitando. Abri o livro. Ainda restava ler e pensar. Um grupo de moleques, pré-adolescentes, quatro ou cinco garotos e duas garotas, sentados na grama bebiam cerveja e ouviam "Funk", repetindo o refrão pornográfico e as moças ficavam de quatro na grama e rebolavam, enquanto os garotos a bolinavam. Somando todas as idades, decerto não daria a minha. Tentei me concentrar no meu livro e nos meus pensamentos. Ayn Rand, A Revolta de Atlas. Um pombo deu uma cagada bem na página 333.  Limpei. Levantei e instintivamente apalpei o maço de cigarros no bolso calça, peguei um e acendi. Nem tinha dado minha primeira tragada e um segurança, sujeito negro, enorme e careca se aproximou em um patinete motorizado, e começou a berrar que era proibido fumar no parque. Já no susto o cigarro caiu e o brutamontes o pisoteou e disse que se eu insistisse ele me retiraria à força do local. QAP? QSL? Ele saiu, e parecia que não tinha pés, mas rodas em seus lugares. Fiquei olhando para meu cigarro esmagado, que custa caro e paga 57 impostos e ainda olhei para o grupo de adolescentes que riam de mim. Eu só queria ficar em paz, ler e pensar, num lugar com pessoas e coisas bonitas. Ainda tempo de pensar. Era só o que sobrara. Procurei outro banco, mas quase todos estavam ocupados ou cagados demais. Tinha um local mais afastado, meio ermo até, e fui até lá, mas o único banco disponível estava ocupado. Dois sujeitos, muito magros e maltrapilhos dividiam um cachimbo de "Crack". O segurança passou ao largo, com suas rodas mecânicas em lugar de pés. Os sujeitos me olharam assustados. Abanei a cabeça e sai de perto. Um homem de terno passeava com um enorme e caramelado Chow-Chow japonês e puxou a guia do cão, não sei se para proteger-me do animal ou ele de mim, e uma mulher empurrava um carrinho de bebê com apenas uma das mãos, enquanto a outra digitava freneticamente no celular. Decidi ir embora, ler e pensar em outro lugar, que em parques não se pode pensar, não se pode fumar. É a lei.Na grama, deitados, dois casais se beijam e se chupam e se cospem e quase se despem. No caminho de pedras gastas doze policiais e dois jovens normais, amados ou não, armados ou não. Eu ainda lembro das flores, dos canhões e das canções, mas não tenho mais emoção. Ainda lembro da fumaça, mas esqueci do fogo. E isso me dá vontade de fumar. Esqueça a canção.  O moleque catarrento me pede um cigarro. Eu digo que não. Ele não sabe ainda que é proibido fumar no parque? Nem tem sete, e me mostra o canivete. Lá se foi outro cigarro, só me sobrou o escarro. Onde andam as estátuas do parque, pergunto ao policial. E ele responde, bem ali debaixo daquele monte de tinta colorida de spray color gin vermelha a arma da revolução. O sujeito cabeludo e barbudo me intercepta bruscamente e pergunta se gosto de poesia. Enfio a mão o bolso e ele arregala os olhos. Tiro um poema e ele sai correndo com suas duas folhas de papel dobradas em quatro, me olhando feio, sem esperar que eu pegue o dinheiro no outro bolso. O parque está imundo. Merda de pombo, camisinhas sujas de esperma, papel de picolé, folhetos de propaganda de supermercado; a grama esmagada e os girassóis murchos. Girassol me lembra sol e sol me lembra calor e calor lembra fogo. Alguém tem fogo? Eu perguntaria, e depois de fumarmos juntos sairíamos para festejar, cantar ou fazer uma revolução. Mas, não, agora não podemos fumar juntos, então não mais festa, nem cantoria e nem revolução. Onde há fumaça sempre há fogo, dizia minha avó que morreu fumando. Onde não há fogo não tem calor, e sem calor nada tem valor. Acho que tinha uma canção dos tempos em que fumantes ainda não eram criminosos que dizia isso. Uma canção antiga, dos tempos em que ainda eu podia ir ao parque fumar. Os tempos mudam? Não, os tempos não mudam, são sempre os mesmos ponteiros que marcam as mesas horas todos os dias ao longo dos milênios.  Mudam as leis, mudam as pessoas, e mudam as coisas de lugar, e só agora sei que é um pecado fumar. Na saída, respirei aliviado, mesmo depois de ser atingido por uma bela cagada de pombo que escorreu pela minha barba. Apanhei um cigarro no maço e acendi, soltando uma vitoriosa baforada para cima. Dei um passo na calçada, outra tragada. Uma velhota passou e reclamou da fumaça e do fedor, abandando com a mão enrugada, o segurança de rodas eletrônicas me olhava com cara de bosta do portão. Era um domingo, fui ao parque. Queria ler, fumar, pensar, ver gente, que nem precisa mesmo ser bonita, bastava ser gente. Era um domingo no parque. E podia até ser segunda-feira, que qualquer dia é dia de intolerância. Não vou mais ao parque, prefiro pensar dentro de casa onde ainda posso fumar e pensar. Fumar no escuro, que a claridade é para os intolerantes e ditadores. É proibido fumar no parque. Há fumantes passivos e amantes lascivos. Falantes nocivos. Até que decidam me proibir de pensar. Até que um dia decidam que sou um perigo à saúde pública, que pensar faz mal à saúde, até que me proibam de estar em casa, aque a arrombem, que apaguem o cigarro na minha testa. E que me matem. Em nome da saúde pública e da maldade privada. 

10/09/2019

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