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20/08/2018

Poeta Maldito é Aquele Que Renega Sua Poesia. O Resto é Verbete da Wikipedia

Poeta Maldito é Aquele Que Renega Sua Poesia. O Resto é Verbete da Wikipedia.
Barata Cichetto

Um dia quis escrever um romance. Não terminei. Tentei outra vez. Não acabei. Tentei outra. E mais outra. Nenhuma cheguei ao fim. Nenhum orgasmo literário. Nada daquele prazer de dar o último enter no teclado depois da ultima palavra, do ultimo ponto final, do ultimo capítulo. Foram cinco as tentativas. E nenhum gozo. Só ejaculações precoces. Cheguei ao sexto. Terminei. Teve até revisão de um amigo escritor bem conhecido, sujeito que anda pela Europa e tudo mais. Um bom amigo, um grande escritor. Ele leu, releu, fez anotações. Imprimiu tudo e escreveu com caneta vermelha nos versos nas páginas as suas observações, além de anotar os erros de grafia e gramática. Mandei para uma editora. O editor queria dinheiro. Primeiro elogiou, teceu comentários ótimos e no final do email a facada. Mandei-o se foder. Desisti dos romances. Por alguns anos. Ano passado a sétima. A derradeira tentativa. Quase trezentas paginas digitadas em espaçamento simples, fonte doze. Isso daria um livrão, de mais de quinhentas páginas. Escrevi em vinte dias. Revisei em mais vinte. Em fevereiro, logo depois do Carnaval mandei para uma editora fodona. Dessas que tem serviço de imprensa organizado, que me manda email sobre os lançamentos deles todos os dias. E eu, belo idiota, às vezes até acredito que um dia receberei deles um email falando do lançamento do meu livro. Esperei. E a cada vez que toca o telefone penso que possa ser da editora com nome de emissora de televisão. Uma editora tão grande, que até comprou outras para ficar maior ainda. Quer ser única. Deve ser isso que querem. Alguém sempre quer alguma coisa. E as empresas são alguém. E querem ser mais alguém ainda. Será que eles não percebem que esse meu romance vai revolucionar as estruturas editorais? Claro que estou sendo irônico. Claro que não acredito que iria revolucionar porra nenhuma. Nem quero. O que queria mesmo era ter o prazer de ter o livro à venda numa dessas livrarias fodonas da Paulista, daquelas que tem sigla em lugar de nome, da outra que parece com raiva, coisa assim. Tem tenta livraria bacana em shopping e eu fico sonhando com aquelas meninas gostosinhas de bermudinha enfiada no rabo comprando meu livro. Ou aquele sujeito de terno e gravata comprando logo dois. Quem sabe uma dessas madames esticadas, com buceta cheirando lavanda e cheia da grana compra o livro e resolve que quer ter um amante escritor. Mudei para a terra do Ignácio. E fiquei pensando que eu poderia encontrá-lo comendo coxinha e dar a ele uma copia do meu original. E ai ele podia ser meu padrinho e ai o meu livro seria lançado na bienal. A bienal acabou. Só daqui a dois anos, claro. Se é bienal é a cada dois anos. Fiquei sabendo de Macunaíma. Macunaíma é a obra mais superestimada da língua portuguesa. Não acho que aquilo valha tanta coisa. Tanto estudo, tanta conversa. E acontece que eu queria escrever outro romance. Aliás, tinha a ideia para mais dois. Ou três. Mas acha que vou perder meu tempo escrevendo outro romance? Nem fodendo. Aliás, fodendo é que não vou mesmo. Fico pensando aqui com a fumaça do cigarro mais barato, que depois que eu morrer esses romances vão ser publicados e valerão dinheiro bom. Meus filhos podem ficar ricos. Mas eles são comunistas e não gostam de dinheiro. Eu gosto de dinheiro. Mas vou morrer também. Todos vão morrer: os que gostam e os que não gostam de dinheiro. Os comunistas e os monarquistas. Até os artistas vão morrer. E muitos não terão dinheiro nem para o enterro. E essa conversa já foi tão longe que eu não sei voltar ao começo. Escrevi tanta coisa, fiz tanta arte que deveria estar num hospício, num cemitério. Ou numa mansão. Por que não?
20/08/2018

Prefácio ao Livro "Manifesto Sem Eira Nem Beira", de Barata Cichetto, por Cassionei Petry

Uma Barata Chamada Cichetto
Cassionei Niches Petry
Crítico Literário e Escritor (RS)
Prefácio ao Livro "Manifesto Sem Eira Nem Beira", de Barata Cichetto



Conheci o Barata Cichetto há pouco mais de cinco anos através de um de seus programas de web rádio. Depois de muita paulada sonora, rock de primeira, entrava uma voz cavernosa, com efeito de eco e ar messiânico lendo poesia! Estava diante de algo diferente, não me lembrava de ter ouvido algo parecido em um programa de rádio, mesmo na internet. Entrei em contato com ele, visitei seus blogues, e conheci o Barata cronista, além do poeta, contista, editor e mais das “trocentas” atividades que o cara faz há décadas. E, bem, ele tem como uma das referências o Franz Kafka. A confraria dos kafkianos é seleta.
Reunir suas crônicas em um volume que “para de pé” é necessário (e mais um desafio de uma cara que sempre arrisca) para registrar suas opiniões contundentes, sua pena sarcástica, seu lado “lítero-rock-cronicamente-incorreto”. Ter a honra de ser escolhido para ler e reler os fragmentos do pensamento dessa mente inquieta (mais de quatrocentas páginas que não dão conta do que ele tem para dizer!) e escrever sobre isso me pôs numa responsabilidade tremenda. Um pedido do poeta, porém, é uma ordem, apesar dessa palavra, “ordem”, não ser da predileção deste artista caótico.
 A crônica é um gênero que aceita uma porção de formas para sua composição. Barata sabe utilizar essa infinidade de recursos. Alguns, por exemplo, são poemas em prosa (como “O Escafandro e o Leão”), contos (“A História do Incrível Tom Vermelho e seu Incrível Gato Matapun”), manifestos (como o que dá título ao livro), depoimentos pessoais e memórias, resenhas (de livros, filmes ou discos), textos”desabafos do facebook”, prefácios, ensaios, artigos. 
Já na “Introdução nada elegante” ele mostra a que veio, usando da escatologia para mostrar que sua escrita é uma necessidade fisiológica. Quem conhece seus poemas não se surpreenderá com a crônica-introdução. Quem não o conhece terá o prazer ou desprazer de ser apresentado de forma nada lisonjeira ao Barata Cichetto.  
Os temas são diversos. Fala sobre o Barata adolescente em “O Sofá-Cama Vermelho (Ou As Mulheres Preferem os Espertos)”, mais precisamente sobre o que é ser esperto nessa idade, se é ser o valentão, o pegador ou leitor. Sabiamente, e para nossa sorte, ele escolheu por esse último “tipo de esperteza”. Em “O Que Eu Poderia Ter Sido, o Que Fui... E o Que Sou”, lembra, entre outros momentos de sua vida, quando deixou os estudos regulares do colégio, procurando somente as putas da Boca do Lixo. Seguiu na época, sem saber, um dos conselhos do escritor chileno Roberto Bolaño, cuja obra ele veio a conhecer anos depois: “A un aspirante a escritor le daría el consejo que nos dábamos los jóvenes infrarrealistas en México. Cuando teníamos 20, 21 años, teníamos un grupo poético, y éramos jóvenes, maleducados y valientes. Nos decíamos: vivir mucho, leer mucho y follar mucho.” 
Escreve sobre a paixão pelos livros, em “O Amante Perfeito” e pela poesia em vários textos. Imagina o ano de 2058, quando teria 100 anos. Diz: “Sou racista: não suporto a raça humana!” na sucessão de frases de “Tarde Demais!”. Escreve sobre os palavrões, cria um prefácio para um romance que nunca escreveu (mas que ainda dá tempo!), analisa a web rádio, tece uma ode ao cigarro (e lembro quando recebo seus livros com o forte odor dos cilindros brancos), fala sobre a morte, a dos outros e a dele.
Barata escreveu muitas notas de rodapé para citar as referências que vão aparecendo ao longo dos textos, mas às vezes escamoteia essas explicações para deixar para os bons entenderes essas relações. Tem ciência de que a obra literária não pode ser didática, por isso não abusa das notas. Quer dizer, às vezes abusa sim, mas esse é o Barata que usa e abusa das palavras, do leitor, da literatura.
Escreve em uma das crônicas: “...eu contemplo as ondas, pois são elas que formam o oceano”. Mais do que contemplar, antes ele dá o sopro forte (soprando a fumaça do cigarro) que movimenta as ondas, provoca ressacas e nos puxa para a amplidão do mar. Aí sim contempla o efeito das suas palavras, sempre contundentes, sempre ferindo. 
O Luiz Carlos é a barata raul-seixeana na tua sopa (mosca é para os fracos!), a barata clariceana que te espreita num quarto abandonado e que tu desejas engolir, é a barata kafkiana que prende teu corpo em uma cama. É a barata que não é pisada, mas sim aquela que pisa e esmaga o nojento ser humano.
Cassionei Niches Petry é leitor, escritor, professor e mestre em Letras (necessariamente nesta ordem), ainda que muitos pensem o contrário. Cometeu o crime de publicar, em edições precárias que quase ninguém leu, o livro de contos Arranhões e outras feridas e o romance Os óculos de Paula. Tem pelo menos três livros prontos para também não serem lidos. Suas palavras ao vento podem ser recuperadas no blog “Cassionei lê e escreve” (www.cassionei.blogspot.com). 



Sarabanda

Sarabanda
Barata Cichetto

E eu, que nunca fui o líder de alguma banda
E nunca fodi travesti com nome de Amanda
Conheço certas fadas que fodem por gosto
Sem que se saiba o que lhes causa desgosto.

E eu, que nunca escrevi hino de umbanda
E nem nunca andei com nenhuma Luanda
Sei de certas santas que trepam por receio
E nenhuma como aquela santa do recreio.

E eu, que nunca fiz minha cama na varanda
E nem nunca trepei com nenhuma Iolanda
Ouvi falar de putas que fodem sem gostar
E de outras que gostam sem nisso apostar.

E eu, que nunca tratei alguma de veneranda
E jamais comi nenhuma chamada por Vanda
Soube de uma virgem que chupava pau duro
E de uma puta que nunca beijava no escuro.

E eu, que nunca roubei frutas de uma quitanda
E que não meti meu pau em alguma Fernanda
Li a história de uma lésbica que ama homem
E de machos que nunca sabem onde dormem.

E eu, que nunca escrevi um poema sob demanda
E nunca gozei em nenhuma chamada Normanda
Fiquei sabendo de deusas que gozam com a mão
E de demônios que preferem o pau de um anão.

17/08/2018

18/08/2018

O Gato Branco

O Gato Branco
Barata Cichetto
(Escrito para a coletânea da Editora Multifoco "O Mistério das Sombras")
“Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem.” Edgar Allan Poe
Imagem de DepositPhotos

Finalmente, trinta anos após matar minha esposa a golpes de machado, sai pela porta principal do complexo prisional. Mais de dez mil dias, em que cada um deles representou uma eternidade de  sofrimento. E muito mais perversa do que o tormento da lembrança do assassínio, era a maldição de ter que diuturnamente conviver com meu algoz, que por sua presença me fizera cometer um crime.

Acredito que conheçam minha história e os horrores que me acometeram após enforcar um maldito gato preto. Na mesma noite tive minha casa completamente destruída por um incêndio, o que obrigou a mim e minha esposa a mudarmo-nos para um porão imundo, onde outro perverso felino com uma maldita marca de enforcamento estampada na pelagem me atormentaria até quase a loucura. Por conta desse tormento, não me restou outra coisa a não ser o de exterminar o desgraçado. Mas, tomada por algum sentimento que desconheço, minha esposa se interpôs entre meu machado e a cabeça do infeliz, o que provocou sua morte instantânea. E, naquele momento, a única coisa que poderia fazer era apagar os rastros do meu ato, emparedando-a na adega. E não fosse o maldito gato, até hoje seus ossos estariam ali, atrás daquela parede. E eu não estaria também com meus ossos emparedados atrás dessas grades. Maldito gato!

Longos dez mil dias e noites em que nem por um minuto deixei de ser atormentado pela perversidade daquele episódio. Não que a culpa sobre o assassínio pesasse em minha consciência, pois que não fazia a mim mesmo nenhum julgamento. E não era também a saudade de minha esposa a atormentar-me, mas a presença constante daquele ser hediondo que, junto à grade de minha cela, me fitava com seus olhos demoníacos.

Não pensem que enlouqueci após tantos anos de prisão, não sonhei tão pouco, mas desde que fui apanhado pela policia e encarcerado, passei a receber a visita diária daquele infeliz bichano. Todos os dias ele ficava ali, na pingadeira da janela fechada por grades, com sua cabeça voltada para dentro de minha cela, imóvel, com seus olhos satânicos a me fitar desafiadoramente. Nem um som proferia, nenhum movimento fazia. Apenas ficava ali sentado, me olhando, rachando ao meio meu crânio de uma forma mais dolorosa do que eu fizera com o de minha mulher.

Em todas as horas do dia ele ficava ali, mas quando a noite chegava sua presença mais me apavorava, pois ao receber a luz da Lua, sua imagem era refletida, enorme, na parede sobre a minha cama. Uma sombra perturbadora, por conta da qual, por anos não soube o que era dormir. Permanecia a noite inteira deitado sobre o colchão, de olhos abertos, fitando aquela sombra, apavorado. Do lado de fora da grade da cela era apenas um gato e sua lembrança perversa, mas aquela sombra não, ela era real, enorme e perigosa. 

Tentei todas as formas que tinha para enxotá-lo, mas nenhuma surtia efeito. Ele continuava ali, estático, me fitando, me violentando, me condenando. Tentei pensar que era apenas o fruto de minha imaginação, que aquilo seria apenas uma alucinação causada pela culpa, e assim fazer com que minha mente simplesmente não despejasse a frente de meus olhos aquela visão. Mas de fato nada adiantava e, até corro o risco de dizer a cada tentativa de me livrar dele, piorava as coisas, pois a imagem refletida na parede se tornava maior, mais intensa e mais negra. Mais aterradora.

Assim foram todos os meus dias dentro do presídio. E esperava que ao deixá-lo, meu pesadelo continuasse confinado naquela cela, que ficasse para trás a sombra maldita daquele gato.  Entretanto não foi de fato o que ocorreu, pois meu pesadelo não acabaria, apenas mudaria de lugar. E de cor.

Ainda no dia em que deixei a prisão, decidi visitar o tumulo onde jaziam os restos de minha esposa. Ultrapassei o portão principal do cemitério e caminhava por uma estreita ruela de pedras soltas em direção aos túmulos, quando uma figura familiar passou correndo à minha frente, desaparecendo por entre os túmulos. Era um gato. E não era negro este. Enorme e peludo feito o outro, mas quase que totalmente branco. Pude perceber algo escuro ao redor de seu pescoço, mas como a aparição me surpreendera, não pude precisar o que era.

Refeito do susto, continuei a caminhar até chegar ao sepulcro, e tão logo o avistei, a cerca de cinquenta metros, minhas artérias congelaram. Aquele ser, que passara correndo à minha frente minutos antes, estava sentado imponentemente sobre a lápide, me fitando com ar soberbo e desafiador. Não preciso dizer que estremeci.

Decidi não sentir medo, ergui a cabeça, mirei o olhar do bichano e continuei meu caminho. O coração, entretanto, não concordava com minha decisão de serenidade e batia muito rápido. Mas tinha que ir em frente, ganhar aquela disputa. E ademais, eu tinha ficado paranóico com gatos, e aquilo decerto era apenas coincidência. Gatos adoram cemitérios, e afinal ele não era preto, mas branco. E isso era de importância fundamental.

Quando eu vencera cerca de dois terços do caminho, estando a cerca de dez metros, o gato ergueu-se, eriçou o pelo e soltou um miado alto e forte, desaparecendo. Pensei que de fato não era nada, que minha imaginação estava pregando-me peças. O bichano ficou com medo da minha presença e sumiu, foi o que pensei.

Confortado com minha conclusão, respirei aliviado e dei mais alguns passos até chegar junto a lápide onde estavam gravadas as datas de nascimento e morte da falecida. Entretanto, naquele momento senti um gelo a correr pela minha espinha e todos os pelos do meu corpo se arrepiaram, pois a sepultura estava aberta e em lugar do esqueleto seco de minha esposa, havia um outro, de um animal. O esqueleto de um gato.

Refeito do susto inicial, procurei a administração do cemitério e pedi explicações ao funcionário, que em principio duvidou da minha história e apenas após grande insistência me acompanhou e pôde perceber que realmente o tumulo tinha sido violado e os ossos roubados e trocados por ossos de gato. Ação de vândalos, com certeza, arguia o senhor de bigodes. Decerto alguma turba querendo fazer uma brincadeira de mau gosto, ou mesmo alguém revoltado com o hediondo crime que eu cometera contra uma mulher indefesa, fizera aquilo para dar-me um susto.

Prometendo investigar o acontecido, o funcionário providenciou areia, cimento e cal e pôs-se a fechar a sepultura. Ao lado dele permaneci em silencio, com a mente rondando meu passado e trazendo-me à memória a cena em que eu, usando dos mesmos materiais, tentara esconder meu crime.

Os dias seguintes foram de total terror. Com a idade tendo corroído minha vitalidade, sem trabalho e consequentemente sem dinheiro, passei o tempo esmolando para comer e dormindo sob marquises. Mas algo era ainda pior que a fome, a chuva e o frio, pois a todos os lugares aonde ia, aquela silhueta parecia me seguir. Furtiva, fazia sempre questão de estar ao alcance dos meus olhos.

Por um acaso do destino ou plano demoníaco, o único lugar que consegui como moradia foi o antigo porão, que fora o palco daquele teatro macabro que culminara com minha situação de agora. Tudo estava exatamente igual ao dia em que eu saíra dali algemado pelos policiais, acusado de assassinato. Quilos de poeira jaziam sobre os moveis roídos por cupins, mas eu precisava apenas de um lugar onde pudesse descansar e me esconder daquele pesadelo.

Tratei de trancar a porta da melhor forma que pude e deitei-me na cama, mas segundos depois, quando mal fechara os olhos, escutei um som, um ronronar. Ergui-me rapidamente e passei a procurar por todos os cantos sem nada encontrar. Bastava, entretanto que me deitasse e cerrasse os olhos, para que aquele som maldito explodisse em meus ouvidos. E assim foi durante os dias que se seguiram. Eu não podia mais dormir, não tinha ânimo e nem desejo de sair daquele lugar. E aquele som me mantinha acordado, dia e noite.

Uma semana depois não podia mais suportar aquela situação e, da mesma forma que antes, engendrei planos para capturá-lo, acabando de vez com aquilo. Mas nenhum era suficientemente bom. E enquanto matutava os dias foram passando, sem que eu conseguisse pensar em algo realmente eficaz.

Uma noite, tomado por extremo desespero, passei a caçar o gato por todos os recantos, seguindo o som do ronronado. Vislumbrei-o na escuridão, sentado sobre algo que não podia distinguir claramente. Acendi um fósforo e cai sentado ao perceber aquele maldito, confortavelmente assentado sobre a ossada de minha esposa, atrás da parede semidestruída.

Não preciso dizer que fiquei cego. Apanhei uma machadinha e passei a desferir golpes desesperados em sua direção, sem, conseguir acertar um que fosse. Depois de um longo tempo, sentei-me exausto e coloquei as mãos no rosto. Não podia mais suportar, tinha que acabar com aquilo. E apenas uma maneira existia.

Quando amanheceu o dia, apanhei ferramentas, cal, areia, cimento e os tijolos que estavam esparramados pelo chão e passei a construir outra parede, no mesmo lugar. Ao alcançar uma altura que ainda me permitia galgar, lancei para trás dela o restante do material e me esgueirei pela abertura. Passei as próximas horas a fechar com tijolos o restante da parede, pois a única forma de fugir daquele suplicio, era dar a mim mesmo destino que impusera a minha esposa e desaparecer para sempre daqueles olhos malditos. 

Tinha quase acabado, faltando apenas um tijolo para completar minha obra. Apenas um retângulo de cerca de vinte por dez centímetros era o que me separava de minha libertação. Abaixei-me e peguei o ultimo tijolo, mas ao erguer-me, com a intenção de vislumbrar a ultima réstia de mundo exterior, o que vi, espreitando por aquele buraco, foi o par de olhos, redondos e insanos, daquele gato branco.

11/01/2013

Ouça a Narração, Sonoplastia e Produção do Radialista Del Wendell:


15/08/2018

Resenha de Disco: "High Level Low Profile" - CA$CH

Resenha de Disco:
"High Level Low Profile"
CA$CH

Ano: 2018
Gravadora: Rock Artisan
Músicos:
Marcello Schevano - Vocais/Guitarra/Teclados
Ricardo Schevano - Baixo
Rolando Castello Jr. - Bateria
Faixas:
High Level
God
Earth Spinning Backwards
Big Paul's Basement
Flesh
 
Houve uma época em que os chamados "power trios" de Rock, mais por intenção de juntar três dos melhores baixistas, guitarristas e bateristas, e possivelmente menos por juntar muita grana, enchiam o mundo do Rock de trabalhos geniais. Assim aconteceu com bandas como Cream, Beck, Boggert & Appice, West, Bruce & Laing e outros históricos e emblemáticos, como a Jimmi Hendrix Experience. Isso foi há muito tempo, quando a maioria dos chamados "rockers" da atualidade sequer tinha nascido. Agora, na segunda década do século XXI, a união de três músicos fora de série não tem mais o mesmo apelo, e quando tem, é por pura questão de mercado.

Acontece que quando a gente conhece um trabalho, como o da "Ca$ch", ótima sacada com os nomes dos integrantes, o batera Rolando Castello Junior, uma autêntica lenda do Rock Latino Americano, que dispensa maiores apresentações, e o multinstrumentista e cantor Marcello Schevano e seu irmão Ricardo Schevano, um baixista absurdamente acima da média, a coisa se torna um pouco mais complicada. Rolando, decerto o maior baterista brasileiro, e influenciou uma verdade legião de bateras Brasil afora (e possivelmente fora dele, mesmo que não reconheçam) e Marcello já tocaram juntos na formação da Patrulha do Espaço que se reuniu em 99 e durou até 2004 e Ricardo é o mestre do ritmo na banda Baranga, desde sua formação, onde toca com outro fera das baquetas, o Paulão, um dos confessos discípulos do mestre Junior.

Por algum motivo, que a banda pode explicar, todas as letras de "High Level Low Profile" são em inglês. Já escutei milhares de explicações sobre as razões pelas quais uma banda formada por brasileiros, no Brasil, compõe em inglês, e nenhuma delas me deixou totalmente satisfeito, mas nesse caso específico, pensei: "dane-se, que isso é Rock'n'Roll, baby!". Então, "let's Rock!". A sonoridade ficou perfeita, e é isso o que, no final, importa.

O disco começa com a batida característica de Rolando, na faixa "High Level", extremamente pesada e rápida, de cujo refrão "High level, low profile", foi tirado o nome do disco. Os solos de guitarra de Marcello ponteiam a musica, que já mostra bem o que iremos encontrar nesse disco.

A segunda faixa do disco, "God", começa com um teclado dando a impressão que estaremos à beira de uma canção daquelas características com Rock Progressivo setentista, mas depois de poucos minutos, a coisa começa a mudar, e o que parecia ser, simplesmente não é. A pegada se torna mais forte e mais pesada, com o baixo do Ricardo se destacando soberbamente. O ritmo vai ficando cada vez mais rápido e mais tenso, com a letra sendo quase urrada pelo vocalista. Difícil não lembrar de Black Sabbath nas suas seções mais pesadas. Entretanto, o desenrolar dessa faixa, de mais de nove minutos, reserva muitas surpresas. Todas elas maravilhosas. Quando a quebradeira parece ir até o final, com a guitarra solando sobre um ritmo alucinante, entra um piano ponteando um vocal em tom quase suplicante. E ai vem o ponto alto, com o teclado voando sobre uma cama rítmica feroz e densa, que faz a gente prender a respiração, só esperando o êxtase.

Depois disso, só a gente dando uma parada, né?! Respirar um pouco, beber uma água, um café, uma cerveja, qualquer coisa assim. Levantei com o intuito de respirar, mas aí acabou a energia elétrica do bairro. Acho que nem a hidrelétrica da região aguentou tanta energia.

Meia hora depois, retomo a audição, que, aliás, é a quarta ou quinta de hoje, poucas horas depois de ser chamado pelo carteiro ao portão com o pacote contendo esse disco. "Earth Spinning Backwards" é quase uma balada, que lembrou bem as músicas da formação de 1999, que além de Rolando e Marcello, tinham ainda outros dois músicos excepcionais, o baixista Luiz Domingues e o guitarrista Rodrigo Hid. Formação essa que pude acompanhar bem de perto, durante cerca de três anos, pelas estradas e palcos do Brasil.

A quarta faixa, "Big Paul's Basement", é um Rock bem básico, embora tanto pesadinho, e a letra faz referência, com certeza a certo porão do Paulão, uma referência que decerto os músicos de Rock de São Paulo, e os fãs mais aficcionados irão entender. Uma faixa sem grandes novidades, nem virtuosismos, mas competente e, enfim, como diz o refrão: "always rock'n'roll in Big Paul's Basement".

A quinta e última faixa desse disco, que além de me tirar o fôlego, fez cair a energia elétrica na cidade é: "Flesh", que já na primeira audição se tornou a minha predileta do disco. A coesão entre os músicos, o ritmo preciso entre os instrumentos e o amálgama com a letra, tornam essa música, em minha opinião, um clássico do Rock pesado. Uma levada que lembra em alguns momentos Uriah Heep, em outras Grand Funk Railroad, e inúmeras bandas de Rock Progressivo. O trecho onde há um solo de teclado, sobre a base rítmica é esplêndido e remete aos bons tempos do Prog Italiano. Uma preciosidade que merece ser escutada centenas, milhares de vezes.

O disco foi lançado recentemente, dia 6 de Agosto, data em que se lembra da explosão da bomba atômica sobre Hiroshima. E fico pensando sobre o fato de que os sujeitos que criaram o Rock, ou ao menos os que fizeram dele o que se tornou a maior expressão cultural e artística, no sentido de popularidade, do mundo. Então, uma data como essa, não poderia ser mais bem escolhida para o lançamento desse disco. Espero apenas que aconteçam apresentações ao vivo dessa banda, e que venham muitos outros discos.

A ressalva, na minha nota de avaliação fica por conta do "quero mais", ou seja, apenas cinco faixas? A gente queria no mínimo dez. Fora isso, estou certo de que o público roqueiro, especialmente os fãs de uma música mais elaborada e feita com profissionalismo irão simplesmente ficar apaixonados. Esperemos que, ao contrário do que sempre acontece, prestigiem, comprando o disco e indo aos shows.

Escrito por Barata Cichetto, um admirador do trabalho e um amigo de longa data do genial Rolando Castello Junior, e desses irmãos prodígios, Marcello e Ricardo, sobre um exemplar ofertado pelo amigo, em Araraquara, Morada do Sol, em 15 de Agosto de 2018.


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13/08/2018

A Lira dos Sessenta Anos

A Lira dos Sessenta Anos
Barata Cichetto

Ah, então o poeta fugiu ontem a noite da escola
E sua mão direita insurgiu fingindo uma esmola
Ah, seria esse o poeta que fingiu ser o mentiroso
Ou seria qualquer pessoa a fingir ser incestuoso?

Ah, e então ele, aquele poeta que tinha verdades
Sucumbiu pelos prados, em procura das vontades
E despencou pelas rochas com alma de prostituta
Ou seria na sua fé, pelo vinho em que transmuta?

Oh, pois então é ele, o poeta que pulou o abismo
E das profundas chamou a todos por seu cinismo
Seria ele, este homem de verve tão maligna e pura
A solfejar palavras contra o véu de uma ditadura?

Oh, e se não há o poeta que possa tatuar no rosto
Que haja o que houver, que imprima seu desgosto
Há rigor no traje do político, e frangos no quintal
Ou seria o rigor da morte, mesmo que seja brutal?

O pasto tem cheiro de merda de vaca, há risco no ar
E eu, arisco feito frango, alguém há de me consolar
Acendo um cigarro, a fumaça sai pela janela da sala
E se há risco de incêndio, quem ainda que me cala?

O poeta foi aquele que a fodeu no meio do mato
Não aquele que foi feito de rato, de gato e sapato
Se não fosse ele as tuas entranhas seriam imundas
E o que seria dele, não fossem outras vagabundas?

Tem tanta poesia dentro dos próximos sessenta anos
Que o poeta deseja rabiscar no caderno seus planos
E se essa lira sem vergonha não terminar sem o fim
O que fará o poeta, longe das asas de corvo carmim?

Há na minha lira palavras sem algum sentimento
E eu as trocaria por tijolos e por sacos de cimento
Pois se não morre o poeta, por seu veneno sem sal
Por que não renascer como a vingança do seu mal?

11/08/2018

11/08/2018

O Poeta e o Doce

O Poeta e o Doce
Barata Cichetto

O poeta tinha um doce. E era tão doce o confeito. Que parecia até conceito. De tão doce que era seu efeito. E de tão doce não tinha defeito. O doce. Desse sujeito. E era tão doce que parecia ser feito. De poesia. E o doce. Que era doce. Tão doce feito poesia. Doce. Caiu no chão. E ficou sujo. O dito cujo. E o dito cujo. Do poeta. Ficou sem doce. E sem poesia. E o poeta. Que não era doce. Ficou amargo. E magro. Feito sua poesia.

11/08/2018