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22/05/2013

Os Quatro Quatros


Os Quatro Quatros
Luiz Carlos Barata Cichetto

Quatro quatros, quatro quartos, um quarto, dois quartos, uma cozinha. Quarto e cozinha, periferia de sonhos. Porão de cimento, favela de concreto, edifício de aço, prisões suburbanas, desumanas. Morar, residir, habitar. Querem ser donos de tudo e eu tenho que alugar a vida para poder respirar.

- Quanto é o aluguel da vida?
- Não, não tenho como comprar, talvez só alugar, mesmo.
- Paga adiantado ou depois de usar?
- Tem contrato?
- Onde fica a imobiliária?
- Tem seguro fiança?
- Onde fica o banheiro da vida. Quero cagar!
- Dá pra custar mais barato o aluguel, por favor. Sou desempregado!
- Ah, não tenho fiador...
- Não dá pra alugar? Sim, dou a vida como garantia.
- Não serve? Ah, sei, minha vida não serve como seguro fiança.
- Mas e se eu não alugar não tenho como viver.
- Sim, claro, problema meu!
- Por favor, aluga um pedaço da vida pra mim, a senhora tem mais... Recebeu muitas por herança...
- Não, eu sei, é uma viúva e vive da rendinha dos alugueres de que o falecido lhe deixou.
- Entendo. Mas eu só queria um pequeno pedaço da vida pra poder morar.
- Eu sou poeta, não tenho holerite de pagamento.
- Banco? Ah, não, minha senhora, Só conheço o banco da praça.
- A periferia da vida custa mais barato?
- E se eu não tiver como pagar aluguel, a senhora entra com ação despejo?
- Onde é o cartório?
- A senhora tem quatro quartos, quatro quatros. Eu só quero um quarto, que seria o mesmo que vinte e cinco por cento. Não tenho direito?

... Desligou!

15/05/2013

Aos Pedaços...

Aos Pedaços...
Luiz Carlos Barata Cichetto
Arte: Nebu

Uma fábula, escrita por Slavoj Zizek, filósofo e teórico crítico esloveno, nascido em 1949) nos conta: "Um operário alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que toda correspondência será lida pelos censores, ele combina com os amigos: “vamos combinar um código: se uma carta estiver escrita em tinta azul, o que ela diz é verdade; se estiver escrita em tinta vermelha, tudo é mentira.” Um mês depois, os amigos recebem uma carta escrita em tinta azul: “Tudo aqui é maravilhoso: as lojas vivem cheias, a comida é abundante, os apartamentos são grandes e bem aquecidos, os cinemas exibem filmes do Ocidente, há muitas garotas prontas para um programa. O único senão é que não se consegue encontrar tinta vermelha”. E eu analiso, com as cores da modernidade: Portanto que se escreva a mentira na cor da verdade, já que a cor da mentira não está disponível... 
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Conheci todas as putas da Aurora, Andradas e da Praça do Correio, depois mijei na estátua de Álvares no colégio da Praça da República e passei a mão na bunda gorda da Mãe Preta do Largo do Paissandu. Comi muita puta embaixo da estátua à cavalo do Duque de Caxias e caguei de diarréia no Palacete Matarazzo, antes de ser da Prefeitura. E foi tanta merda que o cheiro era sentido até na Rua Santa Ifigênia. Bombas caindo sobre as cabeças. Na hora H, a bomba Humana. Chamem o médico, o dentista e o padeiro. Doutora, ontem doeu muito meu coração, porque não existe a poesia, apenas destruição. A mesma arma que destrói a terra, destrói a poesia, aniquila a compaixão. Então tragam o médico, o dentista... e o poeta. Doem meus dentes, não tenho mais lar e a poesia sob escombros grita mais alto, pois sua dor é a minha e a dela é dor de morte. Espero que além de mim ela tenha melhor sorte. 
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Um dia, há mais de trinta anos, recebi uma carta. E ela dizia, a respeito do meu livro mimeografado: "Eu não acredito em arte pobre!" Junto a ela, num envelope cheirando alabastro (ou seria almíscar?) uma revista bem impressa, papel couchê e etc... Doeu tudo. E eu não acreditava mais em arte pobre, impressa em mimeógrafo à álcool. Fudeu tudo. Ai casei e deixei por um tempo a poesia de lado. Aí fudeu tudo! Eu não acreditava mais em arte pobre, nem em arte rica e nem em porra de arte nenhuma. Comecei a escrever poesia a lápis: era mais fácil de apagar. E entregar à uma esposa que nunca lia. Era mais fácil de apagar, também... Então.. Apaguei tudo. Era mais fácil apagar tudo. E aí fudeu! Fudeu tudo e fui meter! E meti muito, bebi pra caralho e o fato é que eu não acreditava mais em pobre, nem em arte. Nem em porra nenhuma que cheirasse a almíscar, alabastro, esperma, álcool.. Nada. porra nenhuma!
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Guerra não é bonita, nem com trilha sonora dos Rolling Stones. Quero ser cremado e junto com meu corpo minha poesia. Ejaculo sangue com prazer. E meu prazer não é o sangue que agora venho lhe trazer. O silêncio eterno da morte, sem deuses, sem pecados e sem dor. Lembro das cores, esqueço das dores. Detesto a modernidade que transforma todos em artistas, nasci antes da tecnologia que plastificou a humanidade e sobrevivo à bomba e a invasão de virus de computador. Tenho uma máquina de escrever, caneta e a eternidade e não nasci com Internet e ainda sei escrever à mão livre. "Liberdade...abra as asas sobre nós." Asas da liberdade?? Ou da fuga? É a mesma coisa, a busca pela liberdade é uma fuga? Icaro em noite de gala. A noite todos os Ícaros são pardos... ou se despem da vaidade. A noite todos os Ícaros são pardos... ou se despem da vaidade. Fugir? É... não há para onde... a não ser para dentro de mim mesmo.. Mas lá é pior.. É um lugar estranho, escuro, sombrio. Uma viagem sem volta.
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Acho que deveríamos criar um local, mesmo que imaginário, em resposta à Casa das Rosas. Seria a Casa dos Espinhos, numa mansão assombrada. Nada de uma mansão no lugar mais caro do Brasil, mantido com dinheiro publico para servir de palácio à burguesia da poesia. E como dizia Cazuza, mesmo sendo ele também um burguês: "a burguesia fede!"...

06/05/2013

Livro "Patrulha do Espaço no Planeta Rock"


No dia 30 de Maio, Quinta-feira, feriado de Corpus Christi, a Patrulha Do Espaço estará em São Paulo, no Manifesto Rock Bar com mais um show de Rock sensacional. E para quem é fã da banda, Luiz Carlos Barata Cichetto, estará presente com o livro "Patrulha do Espaço no Planeta Rock", que narra algumas das impressões e vivências que teve com a banda.

29/04/2013

Não Gosto de Poesia Com Menos de Meio Século


Não Gosto de Poesia Com Menos de Meio Século
Luiz Carlos Barata Cichetto

Confesso: não gosto de ler poesia escrita há menos de meio século. Em outros termos, nada daquilo que foi escrito depois que eu nasci. A poesia é cara, tem que ser assim, ela cobra o preço. Poetas tinham que ser lidos apenas depois da morte. Sem lucros, sem dividendos, sem livros. Apenas póstumos. E sem recompensas, sem heranças e sem contrapartidas. A poesia é assim, tem um preço a ser pago. E o fato de eu não ler nada escrito depois que eu nasci não é nada pessoal contra mim mesmo, mas uma vingança, esta sim pessoal - como se existisse outro tipo de vingança que não a pessoal -, contra todos esse moleques que feito eu também fui, que insistem em deixar de ganhar dinheiro e escrever um monte de merda que chamam de “Minha Poesia”. Ademais existem de fato muito poucos bons poetas vivos, ainda hoje. Eu não sou bom, talvez seja bom uns cinquenta anos depois de morrer. E aí, sim, merecerei ser lido.

26/04/2013

Subindo Pela Escada Que Desce


Subindo Pela Escada Que Desce
Luiz Carlos Barata Cichetto

Quando garoto eu subia escadas de prédios no centro da cidade em busca de putas. Eram as melhores as que ficavam acima do quarto andar, aprendi. Eram as mais carinhosas. Um dia uma me empurrou escada abaixo e então desci pela primeira vez uma escada sem usar os degraus. No outro dia, quando voltei ali e quis subir, alguém colocou a mão no meu peito dizendo: "Estás subindo pela escada que desce!" E sempre foi assim. Sempre minhas tentativas de subir eram por escadas que desciam. E não pensem que essa conversa é daqueles beberrões que, caídos na beira da sarjeta, esperam apenas a morte para que não sintam mais a ressaca. Daqueles que se sentem derrotados, injustiçados, feridos, com baixa auto-estima. Não, nada disso. Subir pela escada que desce parece ser um fenômeno na minha existência. E eu sempre subia. A escada é que descia.

01/04/2013

Escrever é um direito de todos, não escrever é um direito


(à Luiz Carlos Barata Cichetto )

Escrever é um direito de todos,
não escrever é um direito,
eu não escrevo,
as palavras me escrevem,
ou me cantam,
me deixam nu...

As palavras são fêmeas,
estrelas que me guardam
entre as pernas

Escrever é um crime,
uma forma de matar
o que sempre esteve morto

Os poetas pecam por serem poetas,
por serem seres desocupados
que se ocupam com o escrever,
e se ocupar com o escrever
é se ocupar com nada

Meu pai, vosso pai,
sempre esteveram cobertos de razão,
escrever, dedicar-se a pinturas,
ao canto e outras bobagens,
é a prova cabal...
que perdemos,
que jogamos nosso dias
no meio das carolas dos girassóis

Se ao menos fosse um cobrador de ônibus,
um maquinista, um operário padrão
da Fiat Sbt Sistema Globo
de ilusões...
mas não,
ficamos por ai à plantar cogumelos
nas cabeças dos neurônios,
entre as unhas dos pés

( edu planchêz )

27/03/2013

Prefácio a Um Romance Que Nunca Foi Escrito


Prefácio a Um Romance Que Nunca Foi Escrito
Luiz Carlos Barata Cichetto

Enfim, um romance, a grande obra para qual ha tempos eu buscava motivação. E agora a tinha, a motivação estava ali, pronta, esperando por meus dedos apertarem as teclas enquanto a cabeça fazia o trabalho de alinhar as frases, criar os personagens, dar-lhes forma e existência real. Mas, de fato eu não sabia como, nem por onde começar. Pensei em fazê-lo pelo seu começo, com o nascimento da personagem, as dificuldades da sua geração e os problemas inerentes ao parto, coisas assim. Óbvio demais. Depois, ocorreu-me outra idéia, que era a de começar pelo fim, pela morte, o sepultamento... E mais uma vez, apaguei todo o texto, por não o achar bom o suficiente para despertar a atenção do leitor. Difícil fazer um romance. Complicado, pois, ao contrário da crônica ou da poesia, onde a realidade e o sentimento são as matérias primas. Decorrência natural de um processo, como defecar depois de se alimentar. Necessidade fisiológica, quase, o ato de escrever poesia.

Mas um romance, ah, isso é bem diferente. Lidamos ali com a ficção, com elementos que nem sempre são pessoais, principalmente numa história tão cheia de elementos estranhos, como é esta que me propus a escrever. Existem inúmeros elementos factuais a serem considerados, pesquisas, histórias a ser levadas a cabo e, principalmente, a capacidade de prender a atenção do leitor não por uma, mas por centenas de páginas.

Sempre invejei os escritores de romances e suas capacidades em criar histórias longas, enquanto eu me atinha a fragmentos de sentimentos, pedaços de existência e sonho. Poemas são pedaços, retalhos de uma colcha de sentimentos, enquanto o romance não. O romance é complexo, grande, poderoso, capaz de despertar a imaginação do leitor, levá-lo a uma jornada por lugares e vivências que ele nunca possa ter imaginado. Romances são mundos inteiros, coletivos, enquanto a poesia vidas em pedaços.

E assim que me propus a escrever essa história, a vida romanceada de uma personagem que tem me assombrado nos últimos tempos, pensei que a mera capacidade de enfileirar palavras, criar frases de efeito, como estava acostumado a fazer ao escrever poesia, bastariam. Mas estava enganado, pois a poesia é viés torto, licenciado e pequeno. E me senti pequeno perante a obra que tinha por criar. Os personagens não chegavam, os diálogos não engatavam, as cenas não tinham cenário e o romance foi sendo, assim, desromanceado.

Eu nem sabia como começar, e agora nem sei como terminar. Mas é preciso...

Desabafo

Desabafo

Quarenta anos ao menos é o tempo que separa o agora, quando acredito que a poesia está morta, do momento em que sorridente mostrei a uma amada platônica meu primeiro poema. De lá para cá, foram milhares, boa parte jogada no lixo de papel ou na lixeira do computador. Não nasci poeta na Internet. Ela, a Internet e todas essas merdas de redes sociais são uma mentira, uma fraude. Queria mesmo é que, como num filme de ficção cientifica, todas as redes de computadores explodissem e desaparecessem para sempre. Ah, é legal para encontrar amigos que não vemos que não encontramos há trinta anos? Se tivemos um amigo que já não vemos há tanto tempo é porque não éramos tão amigos e, portanto ele deve ficar lá, esquecido. Garanto que me acostumaria com a inexistência da Internet em menos de uma semana. Quem sabe, então, as pessoas possam se dedicar mais às conversas, à leitura... Quem sabe as pessoas possam viver mais e melhor, sem serem atropeladas pelo tempo que acham que passou rápido demais, mas que foi desperdiçando na frente de um computador, à volta de bobagens que não tem a menor importância. Há quarenta anos, quase, publiquei meu primeiro poema num "jornalzinho" mimeografado, depois outro e outro... Até um livro inteiro assim. De mão em mão, de boca em boca, era assim que existia a poesia. E agora? O que temos? Avatares, perfis, mensagens... Tudo parecendo mensagens numa garrafa que nunca serão encontradas num mar revolto que quer aparentar serenidade... Ah, estou cansado!



24/03/2013

Arquíloco, o Livro - 1981


Arquíloco, o Livro - 1981

Página 19, Poema Escrito em 1978

Em Janeiro de 1981, com o mimeógrafo emprestado e os braços de um casal de amigos, editei um livro de poesia que tinha o nome de Arquíloco. O nome, em homenagem ao poeta-soldado grego, tinha cinquenta poemas escritos entre 1977 e 1980, sendo que o ultimo deles, feito no dia seguinte ao assassinato de John Lennon, em Dezembro de 1980. O nome do autor que eu escolhera usar na época era “Carlos Cichetto”, abolindo o Luiz... Muito antes da metamorfose que me transformaria em “Barata”.

O mimeógrafo a álcool era a única forma que tínhamos de difundir nossos trabalhos naquela época, num processo cansativo de datilografar o stencil, sem errar, colocar cada original no aparelho e girar a manivela "imprimindo" individualmente cada folha, de um lado; depois colocar tudo de volta cuidadosamente e repetir o processo para imprimir o verso.. Uma noite inteira para montar um livro e uns dois dias de dores nos braços pelo esforço.

Meu livrinho teve a "estrondosa" tiragem de 50 exemplares que foi toda gratuitamente distribuída por Correio e na porta de teatros e ruas. Eram 50 poemas, que chegou a chamar a atenção de um critico literário do extinto jornal paulistano Diário Popular. Entretanto, as necessidades e pressões fizeram com que o que restou disso, incluindo os originais, fossem jogados no lixo.

Mas, durante os últimos mais de 30 anos, minha mãe guardou zelosamente o exemplar que dei na época a ela. E agora o estou reconstituindo, com muita dificuldade, pois, apesar do zelo materno, a impressão quase que desapareceu por completo. São poemas de uma época marcante, mas que talvez só tenham valor histórico, pois muitos não possuem qualquer qualidade literária, escritos na ânsia dos meus vinte e poucos anos. 

O propósito, ao resgatar esse trabalho é o registro de minha história como poeta, iniciada no inicio daquela década, marcada por uma forte repressão política, falta de dinheiro e de recursos para se mostrar qualquer trabalho artístico. Arte era quase sempre atrelada à subversão e punida com tortura e morte. Liberdade era coisa proibida, mesmo que só como palavra. Éramos completamente órfãos de conceitos estéticos, abandonados num mar de incertezas e dúvidas. Mas tínhamos ideais artísticos, tínhamos sonhos políticos. Acreditávamos e lutávamos pelo que acreditávamos. 

Mas hoje, ao olhar de lado e perceber as possibilidades que a tecnologia nos proporcionou, mas que feito um monstro engoliu uma salada de ideologia, sonhos e pensamentos individuais, transformando a maior parte da humanidade numa massa estéril. Tínhamos apenas mimeógrafos e máquinas de escrever, mas decerto éramos mais humanos.

E é em homenagem à humanidade que um dia tivemos o resgate desse pequeno e inútil livro. E de fato, trocaria toda a tecnologia hora existente por um pouco mais da humanidade que tínhamos em 1981.

Luiz Carlos Cichetto, AKA Carlos Cichetto, AKA Barata Cichetto
24/03/2013

Página do Jornal Diário Popular da época encontrado recentemente (http://baratacichetto.blogspot.com.br/2012/08/um-trofeu-guardado-no-arquivo.html)


03/02/2013

Caixa de Fósforos


Caixa de Fósforos
Luiz Carlos Barata Cichetto

Ontem peguei outro pedaço de esperança e, junto com os últimos cacos de alegria, guardei dentro de uma antiga caixa de fósforos. 

Havia apenas palitos usados dentro dela, fósforos que um dia foram usados para produzir fogo e calor. Não sei por que guardei aquele objeto por tanto tempo. Inútil guardar uma caixa de fósforos com palitos usados, principalmente porque não mais produziriam fogo nem calor. 

Sempre pensava nisso quando a pegava na gaveta e a olhava com certo carinho e com desprezo ao mesmo tempo. Várias vezes pensei em jogá-la fora, mas por algum motivo não tinha coragem. Poderia servir para alguma coisa, pensava. Do mesmo jeito que sempre pensamos que algo velho, inútil e quebrado, não deve ser jogado no lixo, pois um dia podemos precisar. É sempre o que pensamos a respeito do que um dia nos foi útil. Seria esse apego à inutilidade o que nos faz sentir úteis? 

Mas finalmente ontem à noite, peguei os últimos nacos de esperança e alegria que eu tinha e guardei dentro daquela velha caixa de fósforos. Depois joguei tudo no lixo. Afinal, não há porque guardar coisas inúteis.

01/02/2013

Palavrão é Só Uma Palavra, Porra!


Palavrão é Só Uma Palavra, Porra!
Luiz Carlos Barata Cichetto

“Uma palavra de baixo calão, popularmente conhecida como palavrão, é um vocábulo que pertence à categoria de gíria e, dentro desta, apresenta chulo, impróprio, ofensivo, rude, obsceno, agressivo ou imoral sob o ponto de vista de algumas religiões ou estilos de vida. Palavras de baixo calão, calão de baixo nível em Portugal ou simplesmente, palavrões, são formas inadequadas na norma culta da língua portuguesa e geralmente usados de forma popular e coloquial, exceto por licença poética.” - Wikipedia

Ao falar lanço perdigotos no ar. Meus peidos nunca são silenciosos. Ah, sim, gosto de cagar, mijar e trepar. Por que não posso usar as palavras corretas? Acusam o palavrão de ser incorreto, o julgam como pária e o jogam à cela da proibição. Que preconceito tão idiota é esse contra determinadas palavras? Estabelecem palavras que podem e outras que não podem, classificam-nas de acordo com faixa etária, horário e local. As 11 da noite até as 5 da madrugada eu posso falar em cagar, mijar e trepar, mas fora desse horário tenho que falar em evacuar - que aliás é mais feia do que cagar -, urinar e fazer amor.

E assim é a norma perante crianças, velhos e idiotas: não posso usar as palavras corretas. Como se existissem palavras corretas! Deixam crianças expostas à violência e ao consumo desenfreado, mas não a palavrões. Uma criança assiste programas violentos de televisão, é induzida a achar normal o consumo exacerbado, mas a simples menção da palavra porra, causa ira em seus pais. Porra, o palavrão é uma palavra como outra, criada para expressar uma ideia  normalmente de forma veemente, taxativa, convicta. Apenas isso. Acho que preciso estudar um bocado para entender de onde surgiu a idéia de merda de taxar determinadas palavras como proibidas e incorretas.

Falam a palavra amor com a boca cheia, mas esta sim é um enorme palavrão na maioria delas. Posso falar amor, mas não posso falar tesão, tenho que chamar meu pinto de pênis e não de caralho! E não falo em garota de programa, mas falo em puta que é o que são. O que chamam de palavrão é mais direto e honesto e é por isso que não o admitem. Inventaram de proibir algumas palavras, relegá-la à noite e aos adultos, enquanto deixam a solta a perfídia, a hipocrisia e o mau-caratismo.

Mas há também aqueles que usam do palavrão da mesma forma desonesta daqueles que o proíbem. Usam do palavrão para chocar e chamar a atenção. E em defesa da livre expressão, digo que o palavrão não é puta nem dama, não é certo nem errado, é apenas uma palavra qualquer que pode e precisa ser usada em qualquer horário, com qualquer pessoa, independendo da idade e estado de saúde. Todas as palavras precisam ser usadas. Mas todas, inclusive o palavrão, dentro do contexto certo. Eu falo palavras, palavrão é apenas mais uma, apenas uma palavra que carrega intensidade! Entendeu, porra? Se não entendeu, foda-se!

E foda-se se o palavrão não é norma culta, é linguagem de puta, de bicha e filho da puta. Então, pense que sou Poeta, e o sou 24 horas por dia, então faço do palavrão meu cotidiano, sob licença poética!




31/01/2013

O Cigarro é Meu Escarro


O Cigarro é Meu Escarro
Luiz Carlos "Barata" Cichetto

Fugi da escola, erro nas contas, sou incerto, mas faço de conta que acerto. Ainda consigo contar nos dedos e com eles conto todos meus medos. Minha mão fechada guarda segredos, mas aberta se agarra a meus sonhos com garra, unhas e carnes. Carne e unha, sangue do meu sangue. Ainda consigo cortar meus dedos e mesmo assim datilografar, digitar um poema, agarrado ao resto. Eu não presto, disseram muito, eu sou resto, bradaram tantos. E entre o que resto e o que presto, empresto meu isqueiro, acendo seu cigarro e vamos fumar. Pelas ruas, porque dentro de casa é proibido fumar. Eu fumo para poder pensar e não sei pensar parado e sem um cigarro. Então saio pra fumar e encontro em qualquer parte uma placa de proibido fumar. Fumar é proibido, mas sacanear a bunda dos pobres não é. Bando de filhos da puta. Meu cigarro é minha revolta, meu grito inconformado contra regras estúpidas, leis preconceituosas e políticos nojentos. Odeio políticos, política e gente sem caráter. Honestamente, não sei mais o que é ser honesto, ninguém mais sabe. Esquecemos... (?) A poesia é fumaça e eu fumei um poema ontem a noite. Fiquei doidão, tendo alucinação com Edgar Allan Poe, bêbado, caindo e morrendo na sarjeta. Meu gato ficou branco e cor de rosa e eu nem usei droga nenhuma.  Antes podíamos ser amigos e fumar juntos em qualquer lugar, agora estamos separados até mesmo na mesa do bar. Estava fumando na calçada e uma puta rendada reclamou da fumaça do meu cigarro, depois entrou num carro, acelerou vomitando fumaça de gasolina na minha cara e foi embora com cara de nojo. Cadela maldita! Não, maldita não é ela, malditos são esses nojentos, rabugentos, mal comidos e mal amados que cagam regras e leis se fingindo de bacanas. Quero estar sozinho, fumar meu cigarro e se um câncer no pulmão um dia me impedir de respirar, seja um preço justo a pagar por minha rebeldia. Isso é parte do jogo deles. Eles sempre ganham o jogo. As cartas estão marcadas e eles são donos do cassino. Trocaram o circulo vermelho cortado por um mapa. Aquele símbolo parece uma suástica. Gasto meu dinheiro em cigarro, não tenho carro e não roubo leite de crianças. Adoro o perfume do cigarro, ele enche minhas narinas e minha língua de desejo. E eu fumo porque amo. Minha mulher também fuma, nós fumamos juntos, na cama enquanto trepamos. Misturamos desejo com fumaça de cigarro, fogo com chama. Amamos. E eu digo a ela, que quando eu morrer e ela arranjar outro companheiro, que não seja um que fuma, que respeite minha lembrança. O cigarro é meu escarro, meu vômito, minha ânsia diante de tanta nojeira. E então, fique agora sozinho na frente do seu computador, que eu vou sair para comprar cigarros e fumar. Não sei se volto. Se eu não voltar é porque o bar era muito longe. Longe demais. Então leva um maço de cigarros, Marlboro vermelho, por favor, até o crematório e queima junto comigo.


19/01/2013

Enfim, Tudo Acaba no Fim


Enfim, Tudo Acaba no Fim
Luiz Carlos Barata Cichetto

Acordei de manhã e fui preparar o café... O pó de café tinha acabado. Procurei pelo açúcar, pela água na torneira, tinha também tudo acabado. Procurei pelo dinheiro nos bolsos, mas neles só encontrei buracos. Minha mulher queria seu leite, as gatas queriam comida e eu, eu apenas queria morrer. Procurei o gás da cozinha e lembrei-me de Torquato Neto. Torquato tinha acabado aos vinte e oito anos de idade e o gás, o gás também tinha acabado! Queria uma faca ou uma corda. Acorda, que corda eu não tinha e a faca que eu tinha não cortava nem pão. Ah, o pão também tinha acabado. As gatas miando, minha mulher chorando e eu... Bem, eu mesmo tinha acabado há bastante tempo. Nem era por ter acabado o pão, o leite, a ração das gatas, o pó de café ou a água da torneira. Tinha acabado porque no fim, tudo sempre acaba. Queria fumar, queria um cigarro, mas é claro que também tinha acabado. Era o fim! Sentei e procurei a inspiração para escrever um poema e relatar meu fim. Também tinha acabado!

03/01/2013

Um Conto de Ano Novo


Um Conto de Ano Novo
Luiz Carlos Barata Cichetto


Era o fim. E eu poderia ter dado adeus às noites extensas e intensas, às putas mal dormidas e drogadas, custando apenas um par de notas de pequeno valor. Era o fim, poderia ser o fim das tardes de sonolência, das manhãs cinzentas e dos lençóis cobertos de esperma e vômito de Cynar.  Poderia mesmo ser o fim, das dores de cabeça de ressaca, do estomago embrulhado em todas as manhãs e das caganeiras fedorentas por causa da bebida. Sim, poderia ser o fim de meus sonhos de poeta boêmio, amante de putas e garrafas, de esquinas escuras e lâmpadas que mal iluminam os rostos dos perdidos da madrugada. Um fim anunciado, pois todo fim existe e a tudo existe um fim. É inevitável, tudo sempre chega ao fim. Amizades de bar então, essas não são duradouras, não sobrevivem a ressaca da manhã seguinte. O vômito e as dores de cabeça acabam com as mais belas amizades.

E naquela ultima noite do ultimo dia do ano, saímos, eu e meu melhor amigo de bar, abraçados e cantando aquela antiga e estúpida canção de noite de virada de ano: "Adeus ano velho, feliz ano novo..." As bocas tortas, as pernas moles e babávamos enquanto cantávamos, segurando cada um uma garrafa de vinho, do mais barato que encontramos. "Que tudo se realize, no ano que vai nascer". Que musica idiota era aquela que nós, sem controlar nossas mentes entorpecidas insistíamos em cantar.

Havia duas putas paradas na esquina, microsaias e belas coxas, mas bundas flácidas e peitos caídos. Nós as beijamos e lhes desejamos “Feliz Ano Novo”, sem antes enfiar as mãos entre suas coxas, o que rendeu ao meu amigo, um sonoro tapa na cara da mulher que ele bolinava. A que eu agarrei e joguei vinho decote abaixo, parecia mais ligada ao espírito do momento e deixou que eu bolinasse sua bunda flácida e só ficou brava quando eu estalei o elástico de sua calcinha. Ai meu destino foi idêntico ao do meu amigo: uma mão espalmada na minha cara. “Estão querendo foder de graça, é?! Então vão para casa comer suas mulheres, seus filhos da puta!”. Aquilo era mesmo o fim.

"Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!" E aquelas putas não estavam dispostas a dar nada, apenas a vender. Mandamos as duas tomarem no cu e continuamos nosso caminho, debaixo dos palavrões ditos pelas mulheres “da vida”. "Para os solteiros, sorte no amor, nenhuma esperança perdida" E nós ali, com as esperanças perdidas, sem sorte no amor depois da recusa das putas em nos dar amor gratuito. Solteiros e bêbados já dentro da madrugada de um novo ano. Ah, apenas um outro dia do calendário. Apenas isso. E era mesmo o fim. 

Das ruas, víamos e ouvíamos as famílias alegres cantando a chegada do novo ano e achávamos que eles eram mesmo felizes. Parecia que eram mesmo todos felizes naquela noite, menos nós. Menos eu, meu amigo e as putas. Nós éramos bêbados, desviados da sociedade, prostituidos e nos arrastávamos pelas calçadas feito dejetos, feito cânceres extirpados do organismo da sociedade. Éramos doenças, muito mais que doentes.

"Para os casados, nenhuma briga, paz e sossego na vida." Lembrei das minhas ex-esposas, meu amigo de ex amantes e as putas, as putas deviam estar lembrando de seus ex-clientes, daquelas que se casam com elas a cada trepada. Se casam por cinco minutos, depois se divorciam e vão para suas casas, onde esposas estúpidas os esperam para o jantar requentado.

Aquela canção estúpida parecia estar por todos os cantos, parecia não terminar nunca. Passava da meia noite, e, portanto já era um ano novo. Novinho em folha, mas aquela cantoria maldita não parava. Os fogos de artifício explodindo sobre nossas cabeças. Maldita musica, malditas putas, maldito ano novo, maldito meu amigo, maldito eu. E aquilo bem que poderia mesmo ser o fim.

Poderia. E assim eu poderia ter dado adeus aquelas bebedeiras, ressacas, caganeiras, poesias, putas e amigos bêbados, da mesma forma que todos dão adeus ao "ano velho". Mas não era o fim. Era o começo.

01/01/2013

28/12/2012

(Isaac Soares de Souza) Eu Não Sou Poeta


O Grande Amigo Isaac Soares de Souza publicou no Facebook um poema onde cita suas grandes influencias poéticas. E para minha surpresa, dedicou alguns versos a mim. Como diria o rei dos tolos "são tantas emoções". Sem palavras para agradecer, meu amigo.

EU NÃO SOU POETA
Isaac Soares de Souza

Eu não sou poeta, tão-somente escrevo versos
Escrever poesia não é simplesmente escrever versos
O poeta é compromissado com a vida e com a palavra
Pois, assim como a palavra o poeta é verbo
E o verbo reverbera e influi na esfera da vida,
Como procela que se alastra e a tudo devasta
Eu não sou poeta, sou aprendiz e escrevo simples versos
Conjeturando sobre o presente e o porvir
Rimar palavras, assim como uma criança rima ão com coração
Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão
É como denegrir a verdadeira meta a que se dispôs um poeta
E eu não sou poeta, sou um discipulo da poesia,
A poesia tem como inimigo feroz qualquer ditadura,
Regimes autoritários são os calvários dos poetas
Na Rússia do Século XX a poesia florescia,
Viveu um momento raro de esplendor, Antes e depois da Revolução de Outubro,
Uma legião de artistas e poetas de exímia extirpe
Animaram a vida do povo russo:
Mas o regime soviético, autoritário e perverso
Matou toda a poesia e calou a maioria dos seus grandes poetas.
Nas primeiras décadas do século XX a poesia circula em larga escala
E impregna a vida de toda a Rússia,
Livros de poesia, na Rússia de então, atingiam a marca dos 100 mil exemplares vendidos,
20 mil livros,
Era a tiragem mínima que o povo adquiria
E a poesia florescia numa permanente celebração
Anna Akhmátova era poeta de mão cheia,
Poeta de ideais libertários, não temia o regime soviético,
Considerada uma mulher sem freios morais,
Anna culminou no expurgo, encetado pelos verdugos,
Mas sua poesia porque era poesia, permanece viva
Maiakóvski era poeta e foi lançado em desgraça,
Pois sentira a enorme pressão que privara, então,
A literatura do ar de liberdade de outrora,
Sufocada agora, pela garra sangrenta do regime russo
E não viu outra alternativa,
Senão dar cabo da própria vida,
Aos 37 anos de idade.
Maiakóvski, hoje resgatado ao panteão dos grandes poetas,
Mártir da poesia...
Lêdo Ivo, poeta maior, alagoano descendente de caetés,
Tinha a poesia a seus pés, pois fazia versos como quem ama uma mulher,
Cônscio de seu dever de poeta, assim morreu Lêdo Ivo,
Que permanecerá sempre vivo, enraizado em sua própria poesia...
Poeta foi Carlos Drummond de Andrade,
Affonso Romano de Sant´Ana é um grande poeta,
Assim como sabe fazer poesia o genial Ferreira Gullar,
Eu, Isaac Soares de Souza, não sei poetar
Escrevo versos como quem quer vomitar,
Palavras, palavras, sem métrica, sem rima sem compromisso
E a poesia é compromissada com a vida, senão não pode ser chamada de poesia
A poesia de WILBETT OLIVEIRA,
Viceja, faceira, à sorrelfa por entre as frestas
Da maltratada poesia brasileira...
Sua poesia é altaneira, porque brota de uma Oliveira...
Cruz & Sousa, cuja poesia negra de sofrimento,
Permanece como um alento, mais que verdadeira
Castro Alves, o poeta da Liberdade,
Estes são os eternos poetas, ascetas, profetas
Literatos de prêmios, modernos e eternos
Assim como o Boca do Inferno,
O grande Gregório de Matos,
Augusto dos Anjos, o poeta da morte,
Augusto, arguto, saprófago em sua genialidade,
Escreveu somente a verdade,
Embora o considerem ainda um poeta de mal agouro,
Sua poesia vale ouro,
pois deu à morte a mesma importância que tem a vida,
Mesmo porque vida e morte são fundidas,
Antagônicas mas gêmeas, eternas e perenes ao mesmo tempo,
Porque ambas são dirigidas pelo tempo,
Uma sem a presença da outra, esvair-se-ia exaurida...
A poesia do maldito-bendito Luiz Carlos Barata Cichetto,
Foi atirada ao gueto
Da ignorância daqueles que não a entenderam ou medrados diante dela,
Do poder de eloqüência farta,
Se borraram de pavor do Barata
E arquitetaram fadá-la ao esquecimento,
Mas Barata é como mosca que não adianta dedetizar
Insetos sempre haverão de se proliferar
E a poesia do Barata é epidêmica,
Criada exatamente pra empestar
Já a minha poesia não tem graça, devassa, cróia,
Meus versos passeiam nos guetos da esbórnia,
E sobrevêm como ataques
Da mais cruel covardia,
Porque eu sou o Isaac,
Eu não escrevo poesia...
Estou aprendendo com meus poetas preferidos a escrever poesia...

28/12/2012

26/12/2012

Aos Poetas Bacanas

Aos Poetas Bacanas
Luiz Carlos Barata Cichetto


E eu, que pensei que ser poeta era ser bom, que ser poeta era demais, que ser poeta era ser... Era ser. Seria, caso não fosse a poesia o disfarce dos medíocres e dos hipócritas. Seria bom caso não fosse ruim, demais se não fosse o que menos importa. Poesia é conversa de chato, de prepotente e de arrogante, metido a intelectual. A maioria desses tolos adora falar que escreve poesia em guardanapo de papel em botecos imundos, mas são mentirosos. Falam disso com honra, mas isso é estúpido. Ah, esses poetas que querem ser Beats, Hippies e Groupies, que querem ser Buk, que querem ser do contra só para serem considerados os bacanas da turma. Estou cheio disso! Eu pensei mesmo que poetas eram irmãos, mas são apenas tolos empedernidos, idiotas sem cultura, com discursos pseudo-intelectuais, onde arrotam uma fome que nunca sentiram, beijam um asfalto que nunca queimou seus pés e fazem odes a putas que nunca comeram. Falam de puteiros que nunca entraram e de bibliotecas que conhecem apenas a fachada. Estou cansado deles e de sua poesia sem nexo, com palavras roubadas dos mestres, sexo frouxo em orgasmos sem tesão. Larguei de mão a poesia por causa desses medíocres, que falam de um sofrimento que não lhes pertence, de uma dor ocorrida na França ou nas estradas americanas e não conhecem sequer o caminho da periferia, dos subúrbios pobres e imundos. Não abri meu presente de Natal e daqui a alguns dias começa tudo de novo. Quarenta anos comendo a merda do pão que o diabo amassou com a bunda e agora chegam a mim e falam sobre seu ódio ou sobre amores perdidos numa adolescência eterna. E por falar em eterno, nunca beijaram a bunda de deus e nunca comeram o rabo do diabo e se acham no direito de falar sobre religião e sobre gozos. Não sabem nada, meus queridos. Acham que as casas de rosas são o palco da poesia e chamam de mestre a qualquer um. Não existem mestres vivos na poesia, porque a poesia é essa universidade em que o único diploma é a morte. Tese de mestrado de poeta é defendida no cemitério ou no crematório, de dentro do tumulo ou debaixo das chamas. Nunca sangraram, de fato, esses que falam do sangue de revoluções travadas dentro de seus quartos bem decorados; nunca gozaram de fato, esses que falam de orgasmo segurando o próprio pinto ou enfiando os dedos na própria buceta. São masturbadores, enfim. Esses, que falam em bissexualidade, mas não entendem nem de biscoito recheado. Não sabem foder de fato. Ah, esses poetas, falsos profetas, realmente patetas, que falam com pudor em cu, caralho e buceta e que infamizam seus nomes, aos bugalhos, chacoalhos e canetas, sem notar que ficam ruborizados perante suas mães e que cujas tias lésbicas ainda lhes repreende o palavrão. Eh, esses tolos que fumam maconha na frente da câmera do computador e batem suas punhetas embaixo da ponte, achando que são bandeiras de sua revolução, pensando que grito é poesia e que escarro é metralhadora. Deixo agora a poesia jogada pelas ruas, que a comam esses eunucos. Estou cansado de sentir fome de fato e o hálito de salame desses patéticos. Cheiro de whisky, cerveja e roupas de grife. E agora, promessa de final de ano: arrumar um emprego, de carteira assinada, trem lotado as seis da manhã e uma proposta de uma aposentaria por idade daqui a dez anos. Fiquem com a poesia, queridas crianças estúpidas que a usam feito as putas: aos seus nefandos desejos, escadas de seus egos.  Estou com fortes dores de cabeça, o neurologista me disse que tenho que parar.

18/12/2012

Banho de Merda


Banho de Merda
Luiz Carlos Barata Cichetto

Quando escrevo, faço questão de exercer meu sacrossanto direito à liberdade de pensamento. Um sagrado e santo direito que não foi concedido, mas tomado à força. Conquistado por mim com a derrubada do monárquico poder da religiosidade sagrada. Eu o derrubei, e assim conquistei o direito à minha liberdade. Não estou preso a nenhuma deidade e sim a única coisa, o único ser, a quem rendo glórias e urras. E a única sacralidade e santidade a quem devo devoção é a mim mesmo. Sou senhor de mim e não aceito nenhum dogma. Nada é sagrado, nada é eterno, nada é milagroso. Não existem milagres, nem santos, nem deuses. Sobre minha cabeça o pendulo do tempo pesa, e a espada da morte espeta meu crânio. O tempo e a morte, a morte e o tempo... Únicos deuses que temo, por sua realidade e realeza. Escrevo por teimosia e maledicência, escrevo por culpa e por inocência. Por ausência e indecência. A escrita ou a morte, gritou o ditador empunhando a luz do fim do túnel. Então entregue suas armas, grita a policial gostosa com jeito de puta. Não me entrego, grito eu, segurando a caneta com os dentes. Morro mas não me entrego, penso eu, ainda imaginando que sou um herói do velho leste. O sol nasce no Leste e no extremo leste não habita mais meu coração. Enterrem meu coração na curva do Rio. Mas não de Janeiro, nem de Fevereiro. Enterrem na curva do Rio Tietê, onde na minha infância eu pescava com meu pai. Há muito não há mais peixes no Tietê nem em rio nenhum. Apenas merda correndo a céu aberto em direção ao mar de merda onde pessoas ricas tomam sol. Banham-se na merda e se acham bacanas. São tolos os ricos que tem carros e vão para a praia tomar banho de sol e de merda. O sol nasceu para todos, menos para aqueles da escuridão. A merda também nasceu para todos... Nem todos, apenas para aquele que tem cu. Nem quero escrever mais, não tenho mais vontade. Principalmente nessa época beirando o natal cristão, com pessoas gastando muito dinheiro, consumindo até a merda, gastando o que não tem para ostentar o que não pode. Foda-se o natal! Quero dormir e acordar depois do Carnaval. Quando acaba o ano que ainda nem começou? Feliz ano velho. Feliz ano, velho! Velho é a puta que te pariu! Agora estou gripado, cansado e sem dinheiro nem nada. Quero acabar logo de escrever isso, que me dá no saco ficar escrevendo um monte de merda que ninguém lê. Pensar em literatura numa terra em que as pessoas não leem sequer receita de bolos... Ah, danem-se, os literatos, danem-se os professores de literatura, danem-se os poetas das casas de rosas. Daqui a pouco estou morto mesmo e então... Cremem meu coração e joguem na curva do Rio... Que elas se misturarão ao resto das merdas que banharão os ricos que tomam sol nas praias.... Banhos de sol, de merda e de minhas cinzas...

01/12/2012

A Cadeira (Baseado em Fatos Reais)

A Cadeira (Baseado em Fatos Reais)
Luiz Carlos Barata Cichetto

Minha cadeira quebrou. Era de ferro, velha, estava enferrujada e foi soldada por um soldador pouco habilidoso. Desmontou e eu me esborrachei no chão, batendo as costas e a cabeça no piso da sala. Quase rachei a cabeça e quebrei alguns ossos das costas, mas entrei em desespero quando vi aos pedaços a minha cadeira. "Só me faltava essa agora!" Pensei enquanto jogava os pedaços no quintal, quase acertando a gata.

Minha cadeira, o que faço sem minha cadeira?  Sou agora um escritor sem uma cadeira e isso é um sério problema. Como escrever? De pé? Sentado no chão com o teclado do computador no colo? Como escrever sem ela? Como concentrar-me em pensamentos? Como acender o cigarro e apoiar os cotovelos sobre a mesa, buscando as idéias fugidias que comporão minha próxima obra? Estou aleijado, morto, sem capacidade de reação, de criação e minha inspiração parece que se partiu em pedaços, juntamente com a cadeira.

Um banco de plástico? Um banco de plástico não é uma cadeira, não a um escritor. A um escritor, uma cadeira tem que ser de fato uma cadeira. Não é a toa, que o premio máximo de um escritor é uma Cadeira na Academia de Letras. A cadeira é o trono de um escritor, onde ele exerce o papel de imperador sobre sua obra, decidindo o destino de seus personagens, matando-os ou fazendo-os amar, odiar, caminhar, matar.  E é de sua cadeira que um escritor comanda, cria ou destrói mundos  E agora, eu perdera meu poder quando meu trono, de ferro, espuma e tecido se espatifou. Tive a nítida impressão que escutei gritos quando ela se quebrou...Seriam os meus?

Minha cadeira não era comum, dessas que tem quatro pernas, era daquelas de escritório, com rodízios que deslizam. É bem possível que tenha pertencido a um escriturário entediado ou a um chefe de repartição que a usava como o trono de um rei efêmero a ditar ordens a subordinados amedrontados. Quem sabe até quantas orgias teriam acontecido sobre ela, com secretárias em busca de promoção e diretores de satisfação. Ela tinha rodas e com ela eu deslizava da mesa ate à estante em busca de algum livro importante. E como fazer isso agora, como eu poderia chegar até a estante sem as rodas mágicas da minha cadeira? 

Não era cara, a minha cadeira, eu a encontrei abandonada numa calçada, abandonada, partida e rasgada. Parecia triste ali, naquela calçada, e eu a recolhi e a consertei como quem cura as feridas de um cachorro ou de uma amante. E como o dono e um cachorro ou como amantes, fomos úteis um ao outro durante anos. E parecia também que ficaríamos juntos para sempre. Mas a fadiga do velho metal e a incompetência da solda mal feita tinham colocado o fim naquela eternidade.

Mas ontem, quando eu me preparava para escrever a obra prima da minha vida, meu grande livro, minha maior história, ela estalou e quebrou, me jogando no chão frio. Maldita cadeira! Até pensei em escrever um poema ou uma crônica sobre a cadeira quebrada, mas desisti da idéia, pois quem afinal leria sobre uma cadeira quebrada? Escrever sobre uma cadeira quebrada... Ah, coisa de louco, maluco mesmo... Que escritor com alguma insanidade escreveria sobre isso? Cadeira maldita!

E então minha obra não saiu, as palavras não saíram, o livro não saiu. E estranhamente não me senti mal por isso, pois agora, ao olhar aqueles pedaços de ferro, espuma e tecido, abandonados no quintal sob a chuva e o sol, ainda penso com tristeza sobre cães feridos, sobre amantes perdidas... E sinto falta da minha cadeira.

29/11/2012

Sobre Amigos e Calcinhas

Sobre Amigos e Calcinhas
Luiz Carlos Barata Cichetto

Texto escrito como trabalho prático na Oficina de Literatura: Vida e Ficção, Coordenação: Deborah Goldemberg, Oficina da Palavra Casa Mário de Andrade, 22 a 30/11/2012. O texto abaixo é o apresentado na Oficina e na sequencia as alterações propostas.


(Mulher Sentada com a Perna Esquerda Dobrada - (Edith Schiele), 1917 - Praga, Národní Galerie)
Meu Amigo Andrade

Andrade é meu amigo há uns 30 anos e um profundo conhecedor de literatura. Mas não como acadêmico e sim como voraz leitor, desde menino, de qualquer coisa que se aproxime de suas mãos e olhos. Na adolescência, quando o conheci, era daqueles que passavam noites e noites em claro lendo sobre os mais diversos assuntos. Da poesia clássica à medicina nuclear, qualquer coisa interessava ao Andrade. E embora sua aparência física ou sua forma de se vestir e portar não fossem fora do convencional, era tido como “o cara estranho” da turma, sempre com livros debaixo do braço e a conversa girando em torno de grandes autores da literatura. Enfim, meu amigo Andrade era um sujeito muito esquisito, isso era mesmo.

No último sábado, um calor desgraçado desde o amanhecer, e eu ainda de cuecas tomava meu café, quando o telefone tocou. Era o Andrade, convidando para uma "conversa molhada", como sempre se referia às nossas conversas regadas a cerveja num "pé-sujo" do bairro.  Em menos de duas horas estávamos sentados em uma das mesas do boteco que há muitos anos era nosso ponto de encontro predileto, tomando nossas cervejas em "copos de botequeiro" como chamamos aqueles tradicionais copos conhecidos como "americano" e que nos bares servem tanto a cerveja da noite, quanto ao pingado da manhã. 

Andrade bebericava sua cerveja sem gelo e folheava displicentemente um livro, quando cheguei, também com um livro debaixo do braço. Era uma espécie de código secreto, de senha, entre nós, desde quando nos conhecemos, essa coisa de aparecermos em nossos encontros sempre com livros, que no fim eram trocados e nunca mais destrocados. A minha senha daquele dia era: "Olga", de Fernando Morais, a do Andrade "Eu e Outros Poemas", de Augusto dos Anjos, que, aliás, tinha sido minha senha há uns dez anos atrás. Mais que esquisito esse meu amigo Andrade...

Nossas conversas sempre se iniciavam sobre os livros que usávamos como "senha" no encontro, mas naquele dia foi um pouco diferente, pois Andrade conhecia bastante a vida de Olga Benario, esposa de Luiz Carlos Prestes e que fora morta num campo de concentração durante a segunda guerra mundial, e eu sabia quase que de cor todos os poemas do único livro editado pelo poeta paraibano. Portanto, o prólogo daquele nosso encontro foi um tanto mais curto. E assim passamos muito mais rapidamente da literatura à vida real, segunda parte dos nossos encontros, quando falamos sobre família, mulheres, filhos, essas coisas corriqueiras, mas essenciais. Afinal, como dizia sempre o Andrade parafraseando Oscar Wilde: "A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios." 

“Ô, cidadão”, gesticulou Andrade ao dono do bar “manda outras duas, a minha sem gelo!”. Mas enquanto o homem abria as cervejas, algo mudaria o roteiro de nosso encontro. Uma mulher belíssima, usando uma saia minúscula e possuidora de um belo e longo par de pernas adentrou ao bar e sentou-se na mesa em frente à nossa. Andrade deixou cair os óculos sobre “Olga”, o homem do bar a cerveja sobre a mesa e eu, bem, eu deixei cair o queixo sobre Augusto dos Anjos. Ela, é claro, percebeu, mas disfarçou pedindo “uma água com gás, por favor!” Amaldiçoei minha cerveja e desejei que Andrade saísse dali correndo, levando a história da revolucionária judia para longe dali. Muito esquisito, eu.

Mas Andrade não saiu. E em sua esquisitice, naquele momento travestida de pura sacanagem, começou a falar alto sobre as aventuras e sofrimentos da revolucionária alemã, grifando verbalmente a palavra “mulher” constantemente. O sacana do Andrade queria mostrar o quanto ele tinha apreço e respeito por mulheres fortes e corajosas. Queria impressionar a dama sentada a nossa frente. “Entenda, meu amigo, que essa MULHER era de uma fortaleza incrível. Desde menina já se engajou nas fileiras anarquistas e comunistas na Alemanha. MULHER de fibra!”. Entretanto, a tática do Andrade parecia não surtir nenhum efeito, pois ela não tirava os olhos do celular, digitando uma mensagem, bebericando sua água com gás e cruzando e descruzando aquelas pernas de um lado para o outro, num balé digno das mais dedicadas dançarinas do Moulin Rouge. 

“Ela foi uma das mulheres mais fortes da história da humanidade”, quase berrava Andrade “Uma vadia!”, sussurrei. “A Olga era uma vadia? Tá louco?”. “Estou falando da dona aí em frente, seu babaca!”. “Ah, sim... Mas então... O desgraçado do Getulio mandou-a para as mãos dos nazistas, grávida..”. Hã, hã... É verde claro!”, disse eu. “O quê, cacete, o que é verde claro?”. “A calcinha dela. A calcinha dela é verde claro!”. “Da Olga?”. “Claro que não, estou falando da dona ai em frente... Ah, deixa de ser chato, Andrade!”. (Silêncio) “Não, não é! É azul!”. “Hein? O que é azul?”.“A calcinha, a calcinha é azul...” Andrade deu uma gargalhada escandalosa que fez com que todos dentro do bar se virassem em nossa direção. Ou melhor, quase todos, pois a mulher, alvo da nossa atenção, continuava impassível, digitando no celular e cruzando e descruzando as longas pernas numa rapidez impressionante.

Quase saímos na porrada para definir a cor da calcinha da moça. E concluímos que era um tom entre o azul e o verde. “Azul esverdeado”, como achei de definir, ou “verde azulado”, como Andrade ainda queria. E quando tínhamos chegado a um consenso sobre a cor da calcinha, o balé de pernas simplesmente cessou. A “bailarina” juntando os joelhos fechou o celular, pediu a conta e saiu pela porta, atravessando a rua a passos rápidos e entrando num carro estacionado, que rapidamente desapareceu na primeira esquina, enquanto eu e Andrade ficamos totalmente em silêncio, como que nos culpando mutuamente.

Olhamos cada um aos nossos livros e em silêncio destrocamos os títulos, como nunca tínhamos feito antes. E nos despedimos sem uma palavra sequer, indo cada um para um lado da rua, com seu livro debaixo do braço. A vida, parece, tinha entrado em um carro e desaparecido minutos antes. Mas ainda tínhamos aos nossos livros e possivelmente em algum outro sábado de sol estaríamos de volta ali, naquele boteco sujo, onde a vida parecia existir. Esquisitos nós, eu e o Andrade!

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Após a apresentação e leitura na Oficina e baseado em comentários, tanto dos participantes, quando da Coordenadora, onde a critica maior foi sobre o fato de o texto não ter um gênero definido, oscilando entre crônica e conto, foi solicitado algumas mudanças. O texto ficou assim, sendo que inclusive mudei o titulo.

Sobre Amigos e Calcinhas

No último sábado, um calor desgraçado desde o amanhecer, e eu ainda de cuecas tomava meu café, quando o telefone tocou. Era o Andrade, meu melhor amigo há quase 30 anos, convidando para uma "conversa molhada", como sempre se referia aos nossos papos regados a cerveja num "pé-sujo" do bairro. Andrade bebericava sua cerveja sem gelo e folheava displicentemente um livro quando cheguei, também com um livro debaixo do braço. Era uma espécie de código secreto, de senha, entre nós, desde quando nos conhecemos, essa coisa de aparecermos em nossos encontros sempre com livros, que no fim eram trocados e nunca mais destrocados. A minha senha daquele dia era: "Olga", de Fernando Morais, a do Andrade "Eu e Outros Poemas", de Augusto dos Anjos, que, por esquecimento e desleixo dele, já tinha sido minha senha há uns três anos atrás.

Nossas conversas sempre se iniciavam sobre os livros que usávamos como senha do encontro, mas naquele dia foi um pouco diferente, pois Andrade conhecia bastante a vida de Olga Benario, esposa de Luiz Carlos Prestes, morta num campo de concentração durante a segunda guerra mundial, e eu sabia quase que de cor todos os poemas do único livro editado pelo poeta paraibano. Portanto, o prólogo daquele nosso encontro foi um tanto mais curto. E assim passamos muito mais rapidamente da literatura à vida real, segunda parte da nossa conversa, quando sempre falávamos sobre família, mulheres, filhos, essas coisas corriqueiras, mas essenciais. Afinal, como dizia sempre o Andrade parafraseando Oscar Wilde: "A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios." 

“Ô, cidadão”, gesticulou Andrade ao dono do bar “manda outras duas, a minha sem gelo!”. Mas enquanto o homem abria as cervejas, algo mudaria o roteiro de nosso encontro. Uma mulher belíssima, usando uma saia minúscula e possuidora de um belo e longo par de pernas adentrou ao bar e sentou-se na mesa em frente à nossa. Andrade deixou cair os óculos sobre “Olga”, o homem do bar a cerveja sobre a mesa e eu, bem, eu deixei cair o queixo sobre Augusto dos Anjos. Ela, é claro, percebeu, mas disfarçou pedindo “uma água com gás, por favor!” Amaldiçoei minha cerveja e desejei que Andrade saísse dali correndo, levando a história da revolucionária judia para longe do bar. 

Mas Andrade não saiu. E começou a falar alto sobre as aventuras e sofrimentos da revolucionária alemã, grifando verbalmente a palavra “mulher” constantemente. O sacana do Andrade queria mostrar o quanto ele tinha apreço e respeito por mulheres fortes e corajosas. Queria impressionar a dama sentada a nossa frente. “Entenda, meu amigo, que essa MULHER era de uma fortaleza incrível. Desde menina já se engajou nas fileiras anarquistas e comunistas na Alemanha. MULHER de fibra!”. Entretanto, a tática do Andrade parecia não surtir nenhum efeito, pois ela não tirava os olhos do celular, digitando uma mensagem, bebericando sua água com gás e cruzando e descruzando as pernas de um lado para o outro, num balé digno das mais dedicadas dançarinas do Moulin Rouge. 

“Ela foi uma das mulheres mais fortes da história da humanidade”, quase berrava Andrade “Uma vadia!”, sussurrei. “A Olga era uma vadia? Tá louco?”. “Estou falando da dona aí em frente, seu babaca!”. “Ah, sim... Mas então... O desgraçado do Getulio mandou-a para as mãos dos nazistas, grávida..”. Hã, hã... É verde claro!”, disse eu. “O quê, cacete, o que é verde claro?”. “A calcinha dela. A calcinha dela é verde claro!”. “Da Olga?”. “Claro que não, estou falando da dona ai em frente... Ah, deixa de ser chato, Andrade!”. “Não, não é! É azul!”. “Hein? O que é azul?”.“A calcinha, a calcinha é azul...” Andrade deu uma gargalhada escandalosa que fez com que todos dentro do bar se virassem em nossa direção. Ou melhor, quase todos, pois a mulher, alvo da nossa atenção, continuava impassível, digitando no celular e cruzando e descruzando as longas pernas numa rapidez impressionante.

Quase saímos na porrada para definir a cor da calcinha da moça. E concluímos que era um tom entre o azul e o verde. “Azul esverdeado”, como achei de definir, ou “verde azulado”, como Andrade ainda queria. E quando tínhamos chegado a um consenso sobre a cor da calcinha, o balé de pernas simplesmente cessou. A “bailarina” juntando os joelhos fechou o celular, pediu a conta e saiu pela porta, atravessando a rua a passos rápidos e entrando num carro estacionado, que rapidamente desapareceu na primeira esquina, enquanto eu e Andrade ficamos totalmente em silêncio, como que nos culpando mutuamente.

Olhamos cada um aos nossos livros e em silêncio destrocamos os títulos, como nunca tínhamos feito antes. E nos despedimos sem uma palavra sequer, indo cada um para um lado da rua, com seu livro debaixo do braço. A vida, parece, tinha entrado em um carro e desaparecido minutos antes. Mas ainda tínhamos aos nossos livros e possivelmente em algum outro sábado de sol estaríamos de volta ali, naquele boteco sujo, onde a vida parecia existir. 

29/11/2012
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(Após a última leitura, o texto "definitivo" ficou assim. Apenas suprimi uma frase e algumas palavras) .  

Sobre Amigos e Calcinhas


No último sábado, um calor desgraçado desde o amanhecer, e eu ainda de cuecas tomava meu café, quando o telefone tocou. Era o Andrade, meu melhor amigo há quase 30 anos, convidando para uma "conversa molhada", como sempre se referia aos nossos papos regados a cerveja num "pé-sujo" do bairro. Andrade bebericava sua cerveja sem gelo e folheava displicentemente um livro quando cheguei, também com um livro debaixo do braço. Era uma espécie de código secreto, de senha, entre nós, desde quando nos conhecemos, essa coisa de aparecermos em nossos encontros sempre com livros, que no fim eram trocados e nunca mais destrocados. A minha senha daquele dia era: "Olga", de Fernando Morais, a do Andrade "Eu e Outros Poemas", de Augusto dos Anjos, que, por esquecimento e desleixo dele, já tinha sido minha senha há uns três anos atrás.

Nossas conversas sempre se iniciavam sobre os livros que usávamos como senha do encontro, mas naquele dia foi um pouco diferente, pois Andrade conhecia bastante a vida de Olga Benario, esposa de Luiz Carlos Prestes, morta durante a segunda guerra mundial, e eu sabia quase que de cor todos os poemas do único livro editado pelo poeta paraibano. Portanto, o prólogo daquele nosso encontro foi um tanto mais curto. E assim passamos muito mais rapidamente da literatura à vida real, segunda parte da nossa conversa, quando sempre falávamos sobre família, mulheres, filhos, essas coisas corriqueiras, mas essenciais. Afinal, como dizia sempre o Andrade parafraseando Oscar Wilde: "A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios." 

“Ô, cidadão”, gesticulou Andrade ao dono do bar “manda outras duas, a minha sem gelo!”. Mas enquanto o homem abria as cervejas, algo mudaria o roteiro de nosso encontro. Uma mulher belíssima, usando uma saia minúscula e possuidora de um belo e longo par de pernas adentrou ao bar e sentou-se na mesa em frente à nossa. Andrade deixou cair os óculos sobre “Olga”, o homem do bar a cerveja sobre a mesa e eu, bem, eu deixei cair o queixo sobre Augusto dos Anjos. Ela, é claro, percebeu, mas disfarçou pedindo “uma água com gás, por favor!” Amaldiçoei minha cerveja e desejei que Andrade saísse dali correndo, levando a história da revolucionária judia para longe do bar. 

Mas Andrade não saiu. E começou a falar alto sobre as aventuras e sofrimentos da revolucionária, grifando verbalmente a palavra “mulher” constantemente. O sacana do Andrade queria mostrar o quanto ele tinha apreço e respeito por mulheres fortes e corajosas. Queria impressionar a dama sentada a nossa frente. “Entenda, meu amigo, que essa MULHER era de uma fortaleza incrível. Desde menina já se engajou nas fileiras anarquistas e comunistas na Alemanha. MULHER de fibra!”. Entretanto, a tática do Andrade parecia não surtir nenhum efeito, pois ela não tirava os olhos do celular, digitando uma mensagem, bebericando sua água com gás e cruzando e descruzando as pernas de um lado para o outro, num balé digno das mais dedicadas dançarinas do Moulin Rouge. 

“Ela foi uma das mulheres mais fortes da história da humanidade”, quase berrava Andrade “Uma vadia!”, sussurrei. “A Olga era uma vadia? Tá louco?”. “Estou falando da dona aí em frente, seu babaca!”. “Ah, sim... Mas então... O desgraçado do Getúlio mandou-a para as mãos dos nazistas, grávida..”. Hã, hã... É verde claro!”, disse eu. “O quê, cacete, o que é verde claro?”. “A calcinha dela. A calcinha dela é verde claro!”. “Da Olga?”. “Claro que não, estou falando da dona ai em frente... Ah, deixa de ser chato, Andrade!”. “Não, não é! É azul!”. “Hein? O que é azul?”.“A calcinha, a calcinha é azul...” Andrade deu uma gargalhada escandalosa que fez com que todos dentro do bar se virassem em nossa direção. Ou melhor, quase todos, pois a mulher, alvo da nossa atenção, continuava impassível, digitando no celular e cruzando e descruzando as longas pernas numa rapidez impressionante.

Quase saímos na porrada para definir a cor da calcinha da moça. E concluímos que era um tom entre o azul e o verde. “Azul esverdeado”, como achei de definir, ou “verde azulado”, como Andrade ainda queria. E quando tínhamos chegado a um consenso sobre a cor da calcinha, o balé de pernas simplesmente cessou. A “bailarina” juntando os joelhos fechou o celular, pediu a conta e saiu pela porta, atravessando a rua a passos rápidos e entrando num carro estacionado, que rapidamente desapareceu na primeira esquina, enquanto eu e Andrade ficamos totalmente em silêncio, como que nos culpando mutuamente.

Olhamos cada um aos nossos livros e em silêncio destrocamos os títulos, como nunca tínhamos feito antes. E nos despedimos sem uma palavra sequer, indo cada um para um lado da rua, com seu livro debaixo do braço. A vida, parece, tinha entrado em um carro e desaparecido minutos antes. Mas ainda tínhamos aos nossos livros e possivelmente em algum outro sábado de sol estaríamos de volta ali, naquele boteco sujo, onde a vida parecia existir. 

30/11/2012