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08/03/2019

O Que Eu Tenho

O Que Eu Tenho
Barata Cichetto
Arte By Celso Moraes F.

- O que eu tenho? - Sempre que me faço essa pergunta, a resposta é rápida e clara: tenho a escrita. Sem dinheiro, sem nenhum sonho maior, sem desejos pueris, é a escrita que sobra, ainda que caótica e torta, sem grandes qualidades. Afinal, apenas com o ensino fundamental, mesmo que tenha sido durante muito tempo um ávido leitor de qualquer coisa, de que forma eu poderia ser chamado de escritor? Não me empolgo com esse título, não proclamo como profissão e não sonho estar numa cabana, solitário, escrevendo. Então e por isso digo que tenho a escrita. E a tenho não como posse, mas como companhia. Não tenho dinheiro e ela também não exige, e eu não exijo dela também nada que não possa me dar, a não se o conforto de estampá-la em folhas de papel ou em telas mágicas de computadores. Temos um ao outro, apenas. Isso basta. E nesse exato momento, em que olho para ela aqui, nestas letras que vou digitando até formar cada palavra como esta, percebo o quanto a tenho. E mesmo que eu acabe, como agora, esta escrita, ela ainda estará comigo, de outra forma. Não apenas até este fim, mas até qualquer outro fim.

08/03/2019

02/03/2019

Araras de Araraquara

Araras de Araraquara

Cantos de galos parecem pedidos de socorro. Piados de pássaros piadas sem gosto. Riem de que? Riem de mim. Queria estar no exterior, estou no interior. De mim. Só deserto. Só, decerto. Araras de Araraquara. Galhos secos, ruínas de locomotivas. Trilhos enferrujados.  Há motivos. Vivos. Tocas ocas. Tijolos de barro. Um ninho de pássaro no meio dos fios de eletricidade. O filhote caiu do ninho. Ainda não sabia voar. É tudo tão distante. O futuro é tão perto que até posso tocar. Tão perto e não chega nunca. O tempo é tão curto que até posso enxergar. Atrás das lentes embaçadas dos meus óculos de sol. Morada do sol. Namorada. Amada. Que gosto de estranho tem a fome. Tem nome? E sobrenome? Ela dorme. Sono forçado. Eu não durmo. Nem à força. Então torça. Por mim. Não força. Força e luz. Não tenho amigos. Estão todos na Internet com outros amigos. Meus pés estão adormecidos.  Meus dedos estão gastos. Minha cabeça que martela um prego enferrujado numa parede podre de uma casa sem telhado. Caminho até a rua. Goiabeiras e amoreiras. As frutas estão podres. Vagões apodrecem na chuva. O mato toma conta da locomotiva que parece louca e viva no sol quente. Meu tempo parece curto quanto a minissaia da putinha da estação onde passa um trem de carga rumo a algum lugar que não conheço. E não esqueço o quanto perdi. Sem apreço por nada. Nem ninguém. Só queria ser alguém. Minhas gatas na janela olham a alguma coisa que não entendo. Só pretendo dormir. Amanhã.

02/03/2019

04/02/2019

1000 Caracteres

1000 Caracteres
Barata Cichetto

Recolho-me à insignificância das coisas; à significância das palavras, que ainda teimam em ter significado, mas que no fim sabem que nada mais significam: estão tão perdidas e são tão insignificantes quanto eu. Recolho-me à insignificância dos gestos perdidos, dos afetos escondidos e dos tetos destruídos. Não há mais palavras: estão mortas. Mas eu ainda as chamo, feito um ator no final de uma peça, chama pela musa morta em seus braços, enquanto a plateia aplaude, e depois vai para casa, sem nenhum remorso. Não há mais o que falar. Tudo já foi dito. E não resta nada a não ser me recolher à insignificância. Do não ser, do não estar. E não estou aqui, não sou daqui, não sou de lugar nenhum, e não estou em lugar algum. Não moro aqui, não moro em ninguém, não moro em mim. Encolho a cada dia, feito personagem de um filme antigo, em preto e branco: desbotado, apagado, rasgado. No escuro. Encolho até não restar. Sou menor que uma partícula de nada. Não há mais lugares aonde ir. Fui longe demais quando me afastei de mim. E o caminho não tem volta. Sem revolta e sem metáforas, sem poesia, sem palavras. Sem nenhum significado a mais. Ou a menos. Apenas minha própria insignificância. Recolhida em palavras.

04/02/2019

02/02/2019

Decerto Que Não

Decerto Que Não
Barata Cichetto


1 -
Quando eu morrer perguntarão por mim aos sobreviventes? Decerto, a algum. Quando eu morrer, sentirão falta de mim? Decerto algum! Quando eu morrer, lerão meus poemas, tentando suprimir a falta? Decerto, algum! Quando eu morrer, falarão das qualidades que eu tinha e que nunca notaram? Decerto algum!  Quando eu morrer, sentirão saudades do meu andar, dos meus trejeitos, do meu jeito? Decerto, algum! Quando eu morrer aqueles que me mataram sentirão culpa? Decerto nenhum!

2 -
E quando eu morrer, algo diferente ocorrerá nas existências dos que sobreviverão a mim? Decerto a alguém! Quando eu morrer, lágrimas sinceras rolarão pelas faces? Decerto de alguém! Quando eu morrer, descendentes brigarão por um pedaço do meu espólio, mesmo que seja apenas uma idéia sem valor? Decerto alguém. Quando eu morrer, outras saberão como sem eu sobreviver? Decerto por alguém. Quando eu morrer, haverão seis fracos a empunhar as alças do meu caixão? Decerto que alguém. E quando eu morrer, meus sobreviventes farão algo por alguém? Decerto que ninguém!

3 -
Amanhã ninguém lembrará. Depois do velório. Cada um em suas casas, tomando café com bolacha água e sal. Uma pequena lágrima e uma lembrança de quinze minutos, durante uma conversa sobre frivolidades. Um pequeno soluço, um pequeno gesto. Apenas coisas pequenas. E nada mais. Minhas pilhas de cadernos de poemas jogados num canto, até ir parar no aterro sanitário. Solitários. Com urubus pousando sobre as folhas sujas de merda, terra e restos de comida. Urubus não sabem ler poemas. Decerto que não. 

21/10/2015

21/11/2018

Texto Pseudo Machista Sobre a Fome

Texto Pseudo Machista Sobre a Fome
(Inspirado em comentários de Facebook pela Vania Costa)
Pintura: "Selfie Sem Vergonha", Barata Cichetto, 2016 - Tinta Látex Sobre Papel Paraná

E eu adoro comer! Comida gostosa, comida ruim, comida feia, comida bonita. Carne, osso! Até mesmo carne de pescoço. Lambo até o caroço. Pobre é que sabe comer bem. Não sou muito exigente com comida, quando tenho fome como. O problema é que estou sempre com fome. Não tenho medo de indigestão, só medo de ficar sem comer. Cada comida tem seu atrativo, e todas me parecem boas de serem comidas, mesmo que tenham gorduras, ossos, pelancas. Quem tem fome come qualquer comida. Até fedida. Se tenho fome como, e não quero saber se a comida é boa para os outros, ou mesmo se tem mais alguém comendo no mesmo prato. Quem tem fome come quente, come gelado. Quem tem fome come com fartura, em qualquer temperatura; até na altura. Quem tem fome come num banquete ou na beira do rio, quem tem fome come frio. Quem tem fome come sobremesa, quem tem fome come até (n)a mesa. Quem tem fome come com a mão, come de pé; sentado ou deitado. Quem tem fome não dorme sem comer, quem tem fome come o que puder, quem tem fome come o que tiver. Quem tem fome come de qualquer jeito, quem tem fome come no leito, de jeito, sem jeito; come perfeito, o que tem para comer. Quem tem fome come. O que precisa. Quem tem fome sempre precisa. Comer. Quem tem fome é quem come bem. Come mal quem não tem. Quem não tem fome, pois o que comer sempre tem. E quem fome nunca tem nome, apenas tem fome. Quem come sempre usa pronome, codinome. Quem come é por que tem fome. Por quê tem fome? Porque tem. Quem não come passa fome, e quem come apenas o que gosta, continua faminto. Quem tem fome come qualquer alimento. É sustento. Unguento. Quem não come some. E, afinal, quem come?

20/11/2018

31/10/2018

Revelações Segundo Barata, Capítulo 1, Versículo 2

Revelações Segundo Barata, Capítulo 1, Versículo 2
Barata Cichetto


Um dia eu também fui um crente. Acreditei em todos os tipos de deuses; dos de barro aos de louça, dos de madeira aos de plástico; dos feitos de cristal aos de metal; afinal, eu era um crente total. Um dia acreditei em todos os tipos de deusas; das de carne às de papel, das de pano às de plástico; das de celuloide às de fantasia; e até mesmo nas que tinham forma virtual ou intelectual.; afinal era um amante imortal Acreditei em deuses e deusas de todos os nomes, de todas cores, de todos os tipos; de todas raças, de todas as culturas, e de todas estaturas. E tinha crença na noite e no dia, no pão e no circo, e em amores e eternidade também; e muito além, no a quem e no amém, afinal eu era um crente, e crentes apenas acreditam no que não têm. Um dia eu fui de todos, a todos e por todos esses deuses e deusas; e fui a tanta igreja, a tanto puteiro, tanto cinema e a tanto bar, que já nem sabia mais onde eu tinha que estar. E de católico a cafetão, de protestante a ladrão, de apostólico a patrão, e de caótico a traficante, fui tanta coisa, que nem sabia mais quem eu tinha que ser. E foram tantas crenças, tanta certeza, tanta esperteza, tantas palavras, e tantas juras, que nenhuma fé eu poderia deixar de ter, e nenhuma verdade poderia desconhecer. De poeta dos deuses a profeta das deusas, fui apenas um pateta, ateu, que prometeu o fogo, e no jogo se fodeu. E fui acreditando em deusas e deuses de tantas religiões, legiões, cores e úteros, que a única forma desses deuses e deusas continuarem a existir era eu deixar de acreditar em suas existências. Ou eles continuavam a existir ou eu. E talvez  hoje esses deuses e deusas sejam crentes em mim, e talvez ainda continuem a existir dentro da crença de alguém.

25/10/2018

28/10/2018

Barata Avatar

Barata Avatar
Barata Cichetto

Corram para as colinas, apertem os cintos, fujam enquanto podem, que Barata está vivo, e está na cidade. E Barata é uma péssima companhia, é bom que todos saibam de antemão. Uma má companhia a idiotas, agiotas; falsos profetas e poetas de letra bonita. Uma má influência às senhoras mal comidas, às mendigas mal dormidas, e às megeras pervertidas. Tranquem em casa suas famílias, prendam suas filhas, Barata está na cidade! Cerquem suas ilhas, soltem os cachorros e guardem as galinhas dentro do armário: Barata está cidade! Cuidado, é perigoso esse homem; ele e sua mania de fazer poesia como quem te mostra um espelho, ele e sua mania de falar o que pensa, sobre o vermelho, sobre o verde, e pessoas incolores, suas dores e seus sabores. Chamem o pelotão, enforquem-no em praça pública, para que sirva de exemplo à aldeia. Fujam, que Barata não é flor que se cheire, não gosta de tomar banho, peida fedido e fala palavrão; sujeito subversivo, que insiste em estar vivo. Corram, que Barata é um perigo. Joguem-no na linha do trem, moam seus ossos, quebrem suas pernas, para que não possa andar, e seus dedos para que não possa escrever. Arranquem sua língua, para que não possa falar. Espalhem cartazes de procurado vivo ou morto pelos muros, pelas pontes e pelos postes. Ofereçam recompensa, ao que pensa que pode matar. Chamem o prefeito, algo tem que ser feito, e de algum jeito, para deter esse sujeito, o tal de Barata, imperfeito; poeta perigoso, idoso, inescrupuloso, odioso. E ele está na cidade! Barata é bicho escroto, feito praga de gafanhoto, escriba canhoto; fujam dele, como fogem do Capiroto. Fechem os puteiros, acertem os ponteiros, chamem os porteiros; fechem as portas, escondam as mortas, acertem as tortas, que Barata está na cidade! Desliguem a eletricidade, escondam a felicidade, e abram nova vala no cemitério, que Barata é um caso sério; e ele está entrando na cidade, sem cavalo, nem esporas, sem estrela no peito, sem chicote nem foice, mas armado até os dentes que ainda lhe restam. Ele usa dentadura, abre fechadura e sorri mostrando a ferradura. Suspendam o churrasco, chamem o carrasco e tragam a corda. Pendurem-no na árvore mais alta, que ele não faz falta. Barata não é gente, pensa diferente, é descrente, indecente; um doente; de tanto pensar. Coloquem-no na jaula, suspendam as aulas, Barata chegou! E diz que veio para ficar. Chamem a polícia, acionem a milícia, Barata não pode passar! Mas cuidado, que ele anda amado e é perigoso; e escreve tanto, que até pensa que é escritor, mas é apenas avatar, difícil de matar. Não ouçam o que ele fala, não leiam o que ele escreve, que, aliás, de nada serve.

01/10/2018

26/10/2018

Não Tenham Piedade de Mim!


Não Tenham Piedade de Mim!
Barata Cichetto

"Senhor, tende piedade de mim!", pedem as senhoras católicas de joelhos calejados e mãos postas; tende piedade de mim, grita a perversa enquanto lhe atravesso o útero; tende piedade de mim, implora o mendigo quando quer do cigarro que acabei de comprar; tende piedade de mim, grita o comunista; tende piedade de mim, berra o fascista; tende piedade de mim, chora o artista; tende piedade de mim, implora o masoquista; tende piedade de mim, rogam minha mãe, meu pai e meus filhos; tende piedade de mim, oram o padre, a freira, o satanista e até a puta da esquina; tende piedade de mim, pede o poeta com seus versos ridículos sobre amores e flores; tende piedade de mim, pede o doceiro, o açougueiro e o cozinheiro com facas na mão; tende piedade de mim, pede o batedor de punheta e até o cachorro da sarjeta; tende piedade de mim, implora minha mulher, minha amante e as três concubinas de cada uma delas; tende piedade de mim, pede o locutor da rádio, o pastor da igreja pentecostal e até o ator de fundo de quintal; tende piedade de mim, pede o sujeito que rouba minha carteira; tende piedade de mim, implora a aborteira; tende piedade de mim, implora o banqueiro, o traficante e o senador; tende piedade de mim, implora o coveiro, e até o defunto; tende piedade, tende piedade de nós. Todos pedem por piedade. E até o carrasco de machado na mão, e o ditador democraticamente eleito, querem a piedade daqueles que sacrificam. Não tenham piedade de mim!

23/10/2018

23/10/2018

A Poesia Está Fedendo!

A Poesia Está Fedendo!
(Ao amigo Joka Faria)
Pintura: Barata Cichetto, "085 - A Leitora ", 2017 - Tinta látex sobre papel Paraná

Ora, pois, que sejamos sinceros: a poesia morreu. Inanição. Há muito deixaram de alimentá-la. À parte alguns poucos que bradam, que pedem para que não a deixemos morrer, ela é apenas uma carcaça moribunda, fedendo e estorvando na calçada. Sim, sejamos sinceros. Pense bem consigo: quando leu, ou melhor quando abordou pela ultima vez a poesia. Abordou, sim, ou seja, chegou perto, tocou, sentiu, perguntou do que se tratava, aonde ia, coisas assim.  Quando foi que comprou, e leu, um livro de poesia? Seja sincero. Não com a sinceridade da poesia, mas com a sinceridade da medicina. Ler poesia em Facebook é o mesmo que falar sobre as vantagens da virgindade num puteiro, sobre as virtudes da honestidade no congresso. Falam sobre livros de poesia, poetas boquirrotos brandindo seus últimos lançamentos por editoras que lhe arrancam o os olhos da cara e as pregas do rabo para terem o prazer vaidoso de ter seu nome numa capa colorida. Gatos mijam sobre livros de poesia, pombos cagam. Não há mais poetas, apenas escrivinhadores de palavrinhas bonitinhas para impressionar a garota que o sujeito ou a sujeita quer comer na balada, com a cara cheia de energético e uísque falsificado. Esqueçam a poesia. Se querem escrever alguma coisa, arrumem emprego num escritório de contabilidade, façam um livro de receitas veganas ou sobre como encontraram uma monja despida aos pés do monte karnal. O século vinte e um, que deu razão a Piva, um dos últimos poetas verdadeiros, matou a poesia. Poesia não rima com tecnologia, tela de computador com fundo azul, feito esta onde escrevo essa verborrágica vomitória sobre a morte da poesia. Ora pois, sejamos sinceros, deixemos que a poesia descanse em paz, já que neste mundo não há lugar onde ela possa respirar. Desliguem os aparelhos, pisem na mangueira. A poesia está morta. Viva a Poesia! Calem-se!

23/10/2018

Tempos do Caralho

Tempos do Caralho
Barata Cichetto
Pintura: Barata Cichetto: "032 - Selfie Sem Vergonha", látex sobre papel Paraná

Tempos bicudos, tempos rotundos, tempos grossos, rabos abanando cachorros, pássaros sem cor, mudos e vagabundos; a política, não a poesia, disse o charlatão; a poesia moribunda inunda de sangue o mar; sangra, se afoga, revoga a lei, do Universo; meu verso, meu inverso: acionem o reverso; liguem os motores de proa, minha prosa, mote e glosa; o barco bêbado, encharcado de rum; tempestade a estibordo, grita o marinheiro, o comandante grita: todos a bordo, ratos correm pelo convés e um pirata com a faca entredentes tem sangue nos olhos; tábuas rangem estridentes, bandeiras rasgadas, usadas como papel higiênico, epidêmico, endêmico, sistêmico; viés satânico no horizonte; abandonem o navio, grita o marinheiro no alto do caralho do navio; lua de sangue, mar de lama, mulheres e crianças aos botes, comunistas ao mar, políticos aos tubarões, barões empalados, portos distantes, furacão a bombordo, todos a bordo; chamem Rimbaud, o capitão, o barco bêbado atravessa a tormenta, chamem Messalina para a diversão; o balanço aumenta meu enjoo, alimenta meu nojo, marinheiros tomam rum e quebram as garrafas no tombadilho, e o estribilho é uma letra de funk: estão todos mortos, são apenas esqueletos que dançam, como num velho desenho animado; a água inunda os camarotes; ricos e ratos e gatos, salve-se quem puder; a orquestra toca a canção de despedida, o barco afunda, água salgada à altura da bunda. Iceberg, Zuckerberg e outros bergs gritam que não são culpados: gente demais na embarcação; e ainda há um poeta, com um canivete na mão, entalhando na madeira podre do barco suas ultimas palavras, um verso torto, que irá boiar, como o ultimo pedaço podre de poesia, até que a água salgada desfaça o verso e a madeira: não há mais poesia possível num mundo que se afoga no seu próprio vômito.

23/10/2018

22/10/2018

Eu Vovô

Eu Vovô
Barata Cichetto
Pintura: Barata Cichetto, "Oral" 2016 - Látex Sobre Papel Paraná

Vovô viu a uva. Eu vi a vulva. Eu vovô viu a vulva. E chamou de uva. E chupou. E eu vovô viu vovó. E nela uma uva. E a chupou até o caroço. Da uva. Da vovó. E a vulva da vovó é uma uva. Que eu vovô quer chupar. Eu vovô viu a uva. E vovó vulva quer fumar. Vovô uva, Eu, quer vulva. Vovó vulva quer fumar. Vovô viu algum cigarro? Pra vovó chupar? Vovô saiu na chuva. Pra vovó vulva fumar. Vovó ficou viúva. E agora parou de fumar. 

20/10/2018

Ciao, Bella!

Ciao, Bella!
Barata Cichetto
Pintura: "Virgin Bell", Barata Cichetto, 2017, Tinta Látex Sobre Papelão

Eu fui poeta. E fui por ter sido, e fui por ido. E eu fui, sem ir a lugar nenhum, em nenhum compêndio, nenhum prêmio, nenhum concurso, nenhuma editora. E fui poeta, fui por sido, fui por ter ido, aonde ninguém quis chegar. Quem sabe Piva chegou. E chegou longe. Mas em sua época ir longe era ir até o Teatro Municipal, ou à Biblioteca Mário de Andrade, e ter livros editados por editores undergrounds. Aos sessenta Piva já tinha chegado, aonde eu nunca cheguei, nem chegarei. Eu nem sei por que. Qual foi meu erro? Qual meu acerto. Olho com tristeza publicações e vejo nomes de conhecidos, pessoas que chegaram, ao menos em algum lugar. Eu sai do meu. Acho que não quero mesmo chegar. Fui escorraçado por família, amigos e parentes. Sobraram meia dúzia, se muito, a ainda bater nas minhas costas, e dois ou três comprar meus livros que eu mesmo faço, já que nenhuma editora quer publicar. Estou conformado de ter sido sem nunca ir, de ir sem nunca ter sido. São Paulo não quis minha poesia, Araraquara não quer minha poesia, o Inferno não quer minha poesia, nenhum deus ou deusa quis minha poesia.  O que fazer com as pilhas de papel, com as centenas de arquivos de computador? Quem sabe sentar numa praça e ler aos pombos, que decerto me cagariam na cabeça.

22/10/2018

20/10/2018

Ode à Mão Direita

Ode à Mão Direita
Barata Cichetto

A minha mão direita é que me importa. Sou totalmente destro. Não que me orgulhe, queria ser ambidestro. Não sou sinistro, como se dizia antigamente. Minha mão direita fica à minha direita, a esquerda de quem me olha de frente, e à direita de quem me olha pelas costas. Minha mão direita não é estreita, não usa luva; e segura uma uva e uma vulva, me protege da chuva. Minha mão direita é minha eira, e minha beira. Tem cinco dedos, unhas curtas que não roo. Minha mão direita enfrenta tapas de mão esquerda. E socos de mão direita. Minha mão direita é feita para bater, para alisar, para fazer gozar. Serve para estapear e, principalmente para escrever, já que o faço a caneta, com a mão direita, e não em ambidestros teclados de computador. Ah, minha mão direita, que aceita o que pode, e bate em quem não pode. Minha mão direita é direita, nunca foi desonesta, nunca pegou nada de ninguém. Minha mão direita é minha liberdade. Minha mão direita se apoia sobre meu coração à beira de um enfarto. Minha mão direita segura meu caralho, e as cartas do baralho. Minha mão direita, que coça minhas próprias bolas do saco, segura seu casaco e penteia macaco. Com minha mão direita bato punheta, seguro caneta e afago buceta; abro e dou tapa, fecho e dou murro; seguro o cigarro e amparo o escarro. Minha mão direita é aceita, perfeita para o adeus, para o aceno e para o aperto de mão. Minha mão direita é minha mão do não. E minha mão do sim. Minha mão direita é minha mão, e dela não abro mão. E se sua mão esquerda é sua certeza, não critique minha destreza. A sua mão esquerda é a minha mão direita. O importante é a mão não a luva. O importante é a mão, não o que ela segura.

20/10/2018

19/10/2018

Roberto Piva: O Século XXI Lhe Deu Razão

Roberto Piva: O Século XXI Lhe Deu Razão
Barata Cichetto

O século XXI lhe deu razão; com seus coletivos egoístas, e seus egoístas coletivos; seus seletivos anarquistas, e seus anarquistas seletivos; seus computadores baratos, e seus celulares caros; seus ditadores de esmola, e seus educadores sem escola; seu analfabetismo político, e seus políticos analfabetos; suas mulheres plastificadas, e seus machos simplificados; suas crianças fascistas, e seus bebês tecnológicos; sua fome gourmetizada, e sua violência glamourizada. 
O século XXI lhe deu razão, com seu excesso de tesão, e sua falta de desejo; seus pode-tudo, e seus nada-pode; sua moral ressentida, e sua imoralidade consentida; seu fanatismo ideológico, e seu onanismo lógico; seus ódios escarrados, e seus ócios cuspidos; seus cupidos tecnológicos, seus bêbados ideológicos; seus zoológicos humanos, e seus humanos lógicos; seus cérebros de silício, e suas alças de silicone; seus drones, e suas câmeras de seguranças. 
O século XXI lhe deu toda a razão, com seus idiotas poéticos, e seus poetas agiotas; suas águas coloridas, e seus filmes sem enredos; seus medos de tudo, e seus segredos de nada; seus escritores de Twitter, seus pensadores de Whatsapp; seus filósofos de Instagram, e seus Youtubers; suas hashtags, e seus emoticons; seus notebooks, seus facebooks, e seus smartphones.
O século XXI lhe deu razão, com sua morbidez feérica, e sua rapidez cadavérica; seus quinze minutos de fama, e seus dois minutos de cama; suas cobras de isopor, e seus lagartos de papel; sua falta de poesia, e sua afasia; seu progresso sem ordem, e sua desordem ordenada; sua devassidão clériga, e sua imensidão estreita; seus rocks sem roll; seu futebol sem gol, e seus blues sem cor.
O século XXI que lhe deu razão, com suas palavras ressignificadas, suas mulheres empoderadas, e suas tolices toleradas; suas intolerâncias generalizadas, e suas prepotências potencializadas; suas cotas de felicidade, suas botas de faculdade, e suas roupas de facilidade; sua pornografia sem tesão, e sua pornográfica razão; seu politicamente correto, e sua política incorreta; seu pensamento engessado, e sua burrice premiada. 
E o século XXII também lhe dará razão, Roberto Piva.

Barata Cichetto, do século passado, no século presente; e sem futuro.

17/10/2018

Quase Demônio

Quase Demônio
Barata Cichetto

Eu não durmo de pijama, durmo pelado, e acordo melado. Sou quase um santo, exceto por um detalhe: não uso manto e ando pelas ruas sem andor nem andador.
Eu não durmo, nem de pijama e mijo na cama, durmo pelado e acordo gelado. Sou idoso, ruidoso, teimoso, tinhoso, quase um demônio, exceto por um detalhe: estou morto.

Beijem o altar, e esqueçam do santo,
Aqueçam a sombra, dispam o manto.
Se somos mortos, todos deuses com próstatas,
Cromossomos tortos, tolos, as vezes apóstatas.

16/10/2018

21/10/2017

Cem Anos de Podridão

Cem Anos de Podridão
Barata Cichetto

Ontem foi Dia do Poeta, cumprimentem atrasado o vate
Porque aquele que chega por ultimo é mulher do padre.
E sabendo que braço que apanha é o mesmo que bate
Deixem-me dormir mais cedo porque ainda é de tarde.

Não comemorem do Dia do Poeta. Há tempos não existem mais poetas. Apenas uns escrevedores de versos tolos. Como se fossem receitas de bolos. Sem fermento. Sem gosto. Não gosto de bolos poéticos. Sem recheio. Sem receio. De magoar. Falsos poetas de teclados de computador. Não há mais salas de chá. Nem de café. Apenas poetas de boteco. Que adoram Charles por ser bêbado. Não por ser poeta. Desculpas de idiotas. Não de poetas. Paris foi dominada. Pela desordem. Pela desarte. Em Marte não há poesia. Nem na Terra. De ninguém. Não diga amém ao poeta. Não diga a ninguém. Ninguém é poeta. Num tempo sem poesia. Computadores não podem criar poesia. Mesmo que possam escrever poemas. Poetas modernos são computadores. Binários. Zeros e uns apenas. Enfileirados. Uns atrás dos zeros. E os zeros atrás dos uns. E entre uns e zeros. Sobra o nada. Absoluto. Da poesia hodierna. Tão moderna. Que nem existe. A revolução russa acabou com a poesia. Não há o que ser feito. Não existe poesia no coletivo. Ato efetivo. Lenitivo. Coercitivo. Poesia coercitiva. Incentiva o todo. Não há poesia no todo. Só no uno. Não existe o todo. Nem o tudo. Porque tudo. É apenas o um. Multiplicado. O rei está morto. Em Portugal. Com um saco de terra brasilis no bolso. Caminhando por Lisboa. Com saudades do Império. Não há poesia no socialismo. Não há poesia social. Isso é pessoal. De Pessoa pra pessoa. Ressoa. Como vento. Soprando nas areias do tempo. Do tempo em que tempo tinha. E não era apenas o segundo. Era o primeiro. Viva o rei. Viva o império. Abaixo o imperialismo. Abaixo da linha. Do Equador. Abaixo o império da dor. Do ditador. Que não tem cor. Abaixo o ismo. O histerismo. Desses tempos sem supor. Em que o andor é de barro. Não o santo. E para espanto. Do comunista. Do consumista. De celular chinês. Andando de camiseta do Che. A poesia morreu. Há cem anos. Cem anos de solidão. Cem anos de podridão. De imensidão. Do nada. Em que tudo. É falso. Plástico. Drástico. A poesia morreu com a modernidade. Com o modernismo. Com o hedonismo hipócrita. Mentiroso. Desastroso. Trocaram de mão o carrasco. A mão direita é a que alisa. A esquerda corta a cabeça. Ou oposto. Ou o posto. Não há gosto. Nem em Agosto. Nem em Janeiro. E como não existe mais poesia. Deixem de comemorar. O Dia do Poeta. Quero minha parte em dinheiro. Faço minha parte do trabalho. Agora quero o capital. Pecado capital?

21/10/2017

12/02/2016

A Esperança é Uma Cadela Manca

 A Esperança é Uma Cadela Manca


Todos os dias eu continuo indo - feito um cão fiel cujo dono morreu - ao mesmo lugar, ao mesmo ponto de encontro. Sento no mesmo lugar e bebo a mesma bebida. E converso com as mesmas pessoas. Espero a mesma pessoa e o mesmo ônibus. Mas, feito o cão, a espera será inútil. A espera é sempre inútil quando quem se espera está morto ou esquecido da vida. A espera é sempre inútil quando quem - o quê - se espera foi-se por que queria partir. A espera é sempre inútil quando se sabe que esperar é uma forma de ilusão daquelas que têm uma crueldade quase orgânica. Esperar é esperança. Esperança é ilusão. Mentira, portanto. Espera-se a chegada, não a partida, a chegada não a ida. Espera-se sempre o bom e o bem, nunca o mau e o mal. Sempre chega quem - o quê - a gente não espera. E o que se espera não vem, não acontece. E então a gente perde, se perde, se enfurece com a espera. E fico sentado, feito o tal cão cujo dono morreu, que ele apareça. O cão não tem noção da morte?

O cão tem esperança? O cão acredita? Mas, onde eu fico, todos os dias, no mesmo horário, no mesmo local, bebendo a mesma bebida amarga, tem uma cadela que foi espancada e aleijada pelo antigo dono que a abandonou ali. Ela é manca, feia e torta. E ela é minha companhia na espera. Talvez ela ainda espere o dono que a abandonou ali e a espancou até aleijar. Talvez ela pense que o dono irá voltar e abraça-la e carregar de volta para casa. Mas então eu penso, se aquela cadela sabe que foi o dono que não a queria, que foi ele quem a aleijou. E também talvez ela não ligue para isso, apenas o ame, naquela forma de amar dos animais que tem motivos diferentes que os humanos. Talvez... Mas o fato é que eu e a Negona - esse é o nome da cadela - ficamos ali esperando, com os olhos fixos nalgum ponto, esperando alguma coisa ou alguém. Quem sabe ela nem espere quem eu imagino que espera, talvez ela não espere nada nem ninguém. E nada de ninguém. Talvez ela esteja ali, de fato, apenas por me fazer companhia, porque ambos esperamos por alguém que sabemos que nos fez mal. Ou não. Ou não nos fez mal ou não esperamos, no fim. Talvez, de fato, estejamos simplesmente ali, sem saber que nos nossos desesperos e aleijamentos causados por pancadas e indiferenças, nos confortamos e conformamos com nossas esperas, sabendo que jamais surtirão efeito. Mas esperamos. E o sorriso que lhe dou, e ela responde com um sorriso de cauda, é mais que o sorriso de alguém que nunca deveria ser esperado. Nós (des) esperamos!

A bebida acabou. Levanto do mesmo lugar, pago a conta. A moça do caixa me sorri, sem saber da minha espera. Eu sorrio enquanto chega outro ônibus vazio. Vazio por que nele não vem quem eu esperei que viesse. Ou que não viesse. E pego minha canseira de esperar e volto para casa. A Negona permanece ali, talvez esperando o dono. Ou não esperando nada. Talvez a esperança dela seja apenas que amanhã eu volte ali para esperar. E fique ali com ela. Esperando...

Cichetto, o Barata!
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19/01/2016

Luto Por Mim. Luto Por Nós!


Ah, não chorem a morte de seus ídolos. Estão mesmo todos mortos. O câncer que matou Bowie, Lemmy, Dio e tantos outros não chegou até eles de outro planeta, nem de nada de fora deles. Fazia parte deles como suas canções e a cor de seus olhos.

E quanto a nós, artistas da fome, que morremos à míngua, sem apoio, sem direito a um mínimo sequer de conforto, sem às vezes o básico para sobreviver? E quanto a nós, que ainda teimamos em produzir nossa arte a despeito da imensa maioria burra e surda? E quanto a nós, o câncer também nos deitará?

Não é preciso! Estamos mortos há muito tempo, pela obsolência programada pela mídia, pela indústria cultural, pelas mentes corrompidas por migalhas políticas. Somos obsoletos, pois nos dedicamos à nossa arte e fazemos do talento apenas um pequeno ingrediente, e com trabalho produzimos mais e mais. Mais e melhor. Melhor e mais. Sim, escrevemos, fazemos vídeos, compomos, pintamos e bordamos, na maioria das vezes em trabalhos solitários em buracos sem ventilação, em quitinetes minúsculas e porões mal iluminados.

A mídia não nos enxerga, as pessoas não nos enxergam, cegas pelas falsas luzes brilhantes dos holofotes que jogam sobre seus olhos. Acham que são livres, mas são prisioneiros. Prisões sem grades. Acham que estão vivos, mas fedem dentro de sarcófagos de vidro e concreto.

E quanto a nós? Pessoas e artistas como eu, Barata Cichetto, e como Amyr Cantusio Jr., Del Wendell, Nua Estrela e tantos outros? Quanto à nós? Sobra o câncer? O que nos sobra?

E choram a morte dos ídolos.

Não chorem.

Eles estão mortos.

E quanto a nós?

"Qualquer estado, qualquer entidade, qualquer ideologia que não reconhece o valor, a dignidade, os direitos do homem, esse estado é obsoleto" (Rod Serling, no desfecho do episódio).

Luto por mim. Luto por nós! Luto!

25/10/2012

Sabonetes, Putas e Poesias


Sabonetes, Putas e Poesias
Luiz Carlos Barata Cichetto

Estou fumando feito um condenado. Condenado a que? Condenado por quê?  Condenado! Apenas condenado e pronto. Que importa por qual motivo, pouco importa qual o crime. Não existem inocentes. Que o réu levante para escutar sua sentença! A sentença, escrevi uma agora e escrevo outra na sequencia: os condenados abriram seus braços e morreram todos abraçados na praça da revolução. Foram torturados e mortos a golpes de tesoura. A tesoura lhes cortou a língua, violentou a poesia. O golpe de misericórdia veio do meio da multidão. A fome era próspera naqueles dias de muito chumbo e pouca poesia. O poeta ergue a bandeira e o general bate continência. Em que contingência? Nas celas da carceragem, ainda existem vidas secas e ramos de oliveira. Estou prestes a cometer suicídio. Bombas caindo sobre a Praça, pombas cagando sobre a catedral da Sé corroem o concreto. E de concreto apenas a deterioração da alma humana, feito o concreto corroído pela merda dos pombos da liberdade. Estou em paz com minha consciência. Eu lutei, estabeleci as metas da minha revolução e parti em meio à tempestade. Não reconheço sua autoridade e nem a paternidade de filhos que não a aceitam. Atirei em mim, corri pelas trincheiras e acabei morto atrás das linhas inimigas. Não conheço sua austeridade nem esqueço dos tiros em minhas costas. Alteridade! Bosta! Que fui fazer da minha vida? Agora não tem mais tempo e o tempo ruge e o leão branco me devora as carnes. Queimem tudo, ordena o general. Ontem não dormi, era a ultima noite de um condenado. Mas não perca seu tempo comigo, General, venda meus olhos, venda minha carcaça aos pedaços, os urubus pagam bom preço no mercado negro. Rock and Roll era a revolução, não a numero 9, mas uma revolução sem números nem nomes. Mas tomou o poder e não existem revolucionários no poder. Tenho saudades do tempo, tenho saudades do tempo em que acreditávamos no vento, do cheiro das ventas e das bucetas encardidas das meninas dos puteiros da São João. As putas de São João fediam a mijo, mas tinham bucetas cheirando sabonete. Não se fazem mais sabonetes como antigamente e não tem mais putas na São João. Nem na Ipiranga. Não se fazem mais putas como antigamente. Suas bucetas cheiram a perfume e suas axilas estão depiladas com um aparelho de 10 lâminas afiadas. E agora elas gozam. E riem. De mim! Ah, tenho saudade das putas, dos sabonetes e da poesia. Esqueça, maldito, dos cheiros das putas, dos sabonetes e do cheiro da poesia. Toque a marcha nupcial, que a fúnebre não presta a essas horas. Nada mais tem importância, porque o mundo que eu conheci acabou faz tempo. O tempo acabou. E eu, encostado no paredão, estou fumando que nem um condenado.