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30/09/2019

Escritores Precisam Parar de Ler

Escritores Precisam Parar de Ler
Luiz Carlos Cichetto



Sempre fui um bom leitor. Desde garoto lia muito. De histórias em quadrinhos a clássicos brasileiros como Machado e Alencar; de  livros de receitas da Dona Benta aos catecismos do Carlos Zéfiro. Lia de tudo, qualquer coisa que caisse à frente de meus olhos. Lia embalagem de papel higiênico e bula de remédio quando ia ao banheiro cagar; lia embalagem de preservativo antes de foder uma puta e propaganda em revista de mulher pelada. Qualquer coisa eu lia, lia qualquer coisa mesmo. De fichas técnicas em discos, contracapas e orelhas de livros a manuais de instruções de liquidificadores. E até notas fiscais eu lia. Poesia, prosa, prosa em poesia, poesia em prosa, tudo eu lia. Romance, ensaio, biografia, era tudo o que eu queria. Aí comecei a escrever, e então lia mais ainda. Queria ser igual, queria ser melhor que todos os que lia. Augusto, Baudelaire, Charles, Huxley, Orwell eram minha sobremesa, meu café da tarde e meu jantar e meu remédio para dormir, ou ficar acordado. Lia, lia, lia. Lia até a mim mesmo, o que eu escrevia. E as vezes me achava bom, às vezes não. Eu sabia o que queria. E quanto mais eu lia, mais eu escrevia. Agora não sei. Depois de tantos anos, e já se foi meio século nessa brincadeira de ler que me esqueço de ler. Além dos olhos cansados e os braços um tanto curtos para enxergar um livro, há a canseira de alguém que tanto leu, que se esqueceu o que era seu. Não leio mais. Escrevo sem ler. Afinal sou um escritor, e escritores precisam ter tempo para viver.

30/09/2019

29/09/2019

Sem Tetos

Sem Tetos
Barata Cichetto

Há pessoas que moram em casas tão grandes, que ninguém se encontra; e outras em moradias tão pequenas, que ninguém se procura. Há pessoas morando em casas tão imensas, que ninguém se enxerga; e outras habitando em casas tão pequenas, que ninguém se vê. Há pessoas dentro de casas grandes, pessoas dentro de casas pequenas, e até pessoas em casas invisíveis; todas morando em alguma casa, mas ninguém morando em ninguém.

09/11/2018

26/09/2019

Fome

Fome
Barata Cichetto



Eu quero lhe foder, de quatro ou de duas
Patas, e feito uma cadela mijona das ruas.

Eu quero lhe comer, no prato ou na mesa
Posta, e feito jantar de rico com sobremesa.

Eu quero lhe lamber, sem nojo de ser um cão
Sarnento, e feito a um padeiro te fazer de pão.

Eu quero lhe morder, chupar sangue da veia
Jugular, e feito a um vampiro te fazer de ceia.

28/10/2018


25/09/2019

Dieta da Morte

Dieta da Morte®
Barata Cichetto


Diariamente alimento muito bem minha morte,
É preciso que ela esteja saudável, firme e forte,
Para quando eu a enfrentar no combate final,
Esperando que não acabe a luta antes do sinal.

O café da manhã uma caneca de pesadelos,
E um punhado arrancado de meus cabelos,
Seu almoço é o que sobrou da noite anterior,
Com restos da solidão podre do meu interior.

A tarde seu café é servido gelado e amargo,
E um cigarro que por ela mesma não largo.
Depois, o jantar é um prato cheio de ódio,
Que eu engoli a seco, sem soda nem sódio.

Antes de me deitar uma tigela de ideias suicidas,
Temperadas com lágrimas a gosto dos parricidas.
Acordo de madrugada, barriga roncando de fome:
Não sei se é a morte ou se sou eu que não dorme.

25/09/2019

Um Pouco do Que Fiz, Mas o Google Não Diz

Um Pouco do Que Fiz, Mas o Google Não Diz


- A Barata - Portal de Rock e Cultura - 1997/Presente
- Gatos & Alfaces - Revista Impressa (6 Edições) - 2014/2015
- Editor'A Barata Artesanal - Editora Artesanal - (80 Títulos) - 2010/2018
- Fest'A Barata - Evento de Rock, Arte, Poesia (2 Edições) - 2002/2003
- Patrulha do Espaço - Manager da Banda - 2002/2004
- Rock In Poetry - Evento de Rock, Arte, Poesia (8 Edições) - 2014/2018
- Vitoria (Opera Rock com Amyr Cantusio Jr.) - 2010
- Seren Goch:2332 (Opera Rock com Amyr Cantusio Jr.) - 2013
- Madame X (Opera Rock com Amyr Cantusio Jr.) - 2015
- Tublues - Parceria em Musica - 2003
- Renato Pop - Parceria em Musica (3) - 2010/2011
- Psychotic Eyes - Parceria em Musica - 2016
- Crom - Parceria em Musica - 2015
- Cesar Achon - Musica e Poemas Musicados - 2009
- 90 Pinturas - Tinta Látex Sobre Papelão - 2016/2017
- Mais de 100 Artes para Camisetas
- 5 Programas de Webradio - 2008/Presente
- 3 Emissoras de Webradio - 2010/2018
- 120 Sites Para Internet - 1999/2019
- Centenas de Peças de Artesanato em Madeira - 2008/2019
- Quase 100 Logotipos para Empresa, Bandas, Artistas
- 100 Vídeos de Poesia e Lyric Videos Criados - 2007/2019
- Pi2 - Politicamente Correto Ao Quadrado - Revista Digital (6 Edições) - 2012/2013
- KFK Webzine - Revista Digital (1 Edição) - 2011
- Revist'A Barata Digital -  Revista Digital (5 Edições) - 2010/2011
- Revist'A Barata - Fanzine (6 Edições) - 2002/2003
- Revista Versus - Fanzine (4 Edições) - 2012/2013
- 1 Livro de Poesia Impresso em Mimeógrafo - 1981
- 14 Livros de Poesia Autoeditados - 2010/2018
- 12 Livros de Ensaio, Crônicas, Contos, Autobiografia - Autoeditados - 2010/2018
- 1 Romance - Amazon Books - 2019
- 2 Livros de Ensaio e Biografia - Amazon Books - 2019
- 3 Romances, 2 Livros de Poesia e 2 de Contos, Inéditos, num total de cerca de 4.000 páginas escritas.

24/09/2019

Putas Não Gostam de Dinheiro

Putas Não Gostam de Dinheiro®
Barata Cichetto


Eu a chamei de puta, e ela disse que não,
- Não sou puta! Gritou batendo na mão.
E depois de chupar-me o pinto uma hora,
Gemeu: - Eu quero dinheiro e quero agora!
Pensei direito, e dei-lhe notas e um cheque;
Ela saiu, comprou novas botas e um leque,
E quando chegou, eu tinha ido ao puteiro:
O meu gosto é por putas, não por dinheiro.

22/09/2019

22/09/2019

Orgasmos Oníricos

Orgasmos Oníricos
Barata Cichetto



Ontem a noite nós transamos em escuridão total
E no escuro qualquer tolo é um amante imortal.

Mas ontem trepamos em silêncio quase criminoso
Porque calado qualquer poeta é um ser libidinoso.

E entre orgasmos oníricos, o silêncio e a escuridão
Ficamos olhando estrelas mudas diante da solidão.

01/07/2015

A Pornografia é Minha Política

A Pornografia é Minha Política
Barata Cichetto



Minha política é a poesia pornográfica filosófica, ou a pornografia filosófica poética, ou ainda a filosofia poética pornográfica. Escrevo como quem trepa, fodo como quem pensa, e penso como quem faz poesia. Não há ideologia, não há demagogia, não há hemorragia. Enquanto engrandeces a luta e o comunismo, eu enobreço a puta e o masoquismo; enquanto escolhes entre capital e trabalho, eu fico entre o porral e meu caralho; enquanto brigas por vitórias, eu guerreio por orgasmos; enquanto matas por poder, eu morro por tesão. E se escolhes entre ditadura e democracia, eu fico com a luxúria e o que vicia; se pregas o cristianismo, eu martelo o sadismo; se determinas o estoicismo, eu proclamo o sexismo. O meu império é a pornografia, minha república é a poesia e a filosofia meu Universo. Sou rei numa monarquia anarquista, presidente de uma república hedonista, e deus de um mundo sexista. E se queres cuspir sobre mim teu pensamento político, deixe que eu mostre meu pau em publico, que eu exiba o filme pornográfico que fiz ontem à noite trepando com alguma rainha, primeira dama ou deusa. Se desejas a liberdade da tua política também ensejo a minha. Silenciarei minha expressão política: guardarei meu pau dentro das calças, minha poesia na gaveta e meu pensamento no banheiro, desde que silencies a tua, calando teu impotente tesão totalitário, teu castrado discurso igualitário, e teu flácido pensamento partidário.

15/11/2018

Bacanal de Poesia

Bacanal de Poesia
Barata Cichetto

Nicolas Poussin - Bacanal

O autor diz que é poesia. E o leitor, o que diz? O leitor não diz, ele sente. Ressente, pressente.  O leitor chupa a poesia como a um pênis e engole o esperma depois do gozo. Se goza junto ou não é outro problema. O autor estimula o leitor, mexe nas suas zonas erógenas, desperta sua libido e seu pensamento lascivo. Masturba, perturba, bolina o leitor. O autor come o leitor, transa com ele numa relação sexualmente ativa, promíscua, sacana; às vezes incestuosa. Quase um estupro, consentido, em determinadas situações. O faz gozar. Jorrar, ter um squirt. Ejaculação. Ou não. Num fetiche violento, o autor xinga o leitor, ofende, venda seus olhos, amarra suas pernas com cordas e os pulsos com algemas. E depois o penetra violentamente. O autor faz o leitor acreditar em suas promessas de casamento e de prazer. E por vezes mente sobre elas. O autor engravida o leitor. Filhos bastardos. O autor é um tarado. Leitor não tem que ter razão. Tem que ter tesão.


25/08/2015

Lumpesinato

Lumpesinato 
Luiz Carlos Cichetto


O termo Lumpen Proletariat, que pode ser traduzido como lumpesinato foi criado por Karl Marx e Friedrich Engels em 1845, e designa o queeles chamam de "subproletariado": "a população situada socialmente abaixo do proletariado, do ponto de vista das condições de vida e de trabalho, formada por frações miseráveis, não organizadas do proletariado, não apenas destituídas de recursos econômicos, mas também desprovidas de consciência política e de classe, sendo, portanto, suscetíveis de servir aos interesses da burguesia. Assim, segundo os teóricos da revolução, o lumpemproletariado seria pernicioso, já que seu cinismo e sua absoluta ausência de valores poderiam contaminar a consciência revolucionária do proletariado."

Interessante notar, quando olhamos com olhos mais sinceros e ouvidos não contaminados, que é justamente essa parcela da população que serve aos interesses da "esquerda". São essas pessoas que, por medo, ignorância ou interesse próprio alimentam a causa deles. São usados como bucha de canhão por uma burguesia socialista-comunista que miram em seus próprios interesses apenas. Assim, comunidades pobres são usadas como escudo humano, protegendo traficantes e alimentando a catarse popular. Jogar a população contra a polícia, protegendo assim o crime, é apenas a ponta visível de um iceberg. 

Temos sim, que nos indignar contra qualquer espécie de abuso, temos sim que lamentar mortes, mas que sejam todas. Há mártires, sim, mas de todos os lados. Eleger como herói um bandido morto e nem tomar conhecimento de um um policial torturado e morto não me parece uma atitude humana, mas é esse o jogo deles. Aliaram-se a bandidos, pois que são bandidos. E bandidos não tem moral, não tem ética, não tem humanidade.

22/09/2019

18/09/2019

Barata, o Filme, Em 3D: Desaforado, Desbocado, Desagradável

Barata, o Filme, Em 3D: Desaforado, Desbocado, Desagradável
Barata Cichetto




A minha poesia não agrada aos poetas modernos,
Fêmeas ou machos que usam botas, saias e ternos.

O que pensam ser, oh, nobres colegas de profissão,
Que fazem poesia como pedido, defesa e confissão?
Acaso adulterando as formas e subtraindo a estética,
Pensam mesmo estarem fazendo revolução poética?

Minha poesia não é bem quista nem por poetistas,
Poetas de barro mole que pensam que são artistas.

O que pensam ser quando crescerem, oh, raquíticas,
Agindo como se poemas fossem desculpas políticas?
Decerto acreditam que a pobre poesia é arte coletiva,
E fazem dela bandeira para sua indignação seletiva?

A minha poesia não é bem amada pelas desamadas,
Falsas vadias de falsos falos e vaginas desanimadas.

E o que gostariam de ter em troca de sua felicidade,
Além das farsas perenes da própria excentricidade?
E o que temem em mim, além de abalar sua crença,
Que poesia é enfermidade sem nunca ser a doença?

Minha nunca pobre poesia é mal vista pelos machos,
Que das efemérides comunistas são meros capachos.

E do que gostariam que eu falasse nos meus versos,
Antes que eu transforme em pedaços seus universos?
E por fim, ainda pergunto sem esperar pela resposta,
Que espécie de poeta engole apenas o que não gosta?

15/09/2019

16/09/2019

Eu Quero Ser Tua Calcinha

Eu Quero Ser Tua Calcinha ®
(Um Poema Com Opção Sexual, Mas Sem Orientação)
Barata Cichetto
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que combina com o sutiã de alcinha,
Com alça de silicone e estampa de oncinha.
Eu quero ser tua calcinha...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que esconde teus defeitos e sugere teus feitos,
Que traça curvas, e desenha retas e círculos perfeitos.
Eu quero ser tua calcinha, Amanda, Bernarda... 
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que troca quando sai e que tira quando retrai,
Que coloca quando entra e que despe quando te atrai.
Eu quero ser tua calcinha, Cássia, Darlene...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela incolor a cobrir-te a peluda ou a raspada,
E ser o que espera: o escudo, a lança ou a espada.
Eu quero ser tua calcinha, Elisabete, Fabiana...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que gruda na tua bunda, penetra tuas pregas,
Que enrosca nos teus pelos e que absorve tuas regras.
Eu quero ser tua calcinha, Giovana, Heloísa...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que te aperta quanto senta, te seca quando venta,
Incomoda quando incerta, e se acomoda quando inventa.
Eu quero ser tua calcinha, Ivonete, Janete... 
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela tão justa quanto pecado e honesta quanto um soldado,
Que te prende feito um guerreiro e te solta feito um delegado.
Eu quero ser tua calcinha, Kelly, Luísa... 
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que se molha de suor e outros líquidos deliciosos,
E que te seca se assim for, toalha dos teus peidos pastosos.
Eu quero ser tua calcinha, Marisa, Naiara...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela com laços de rendas portuguesas ou sedas chinesas,
Com desenhos de flores, varias cores e estampas burguesas.
Eu quero ser tua calcinha, Odete, Patrícia... 
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que envolve o teu quadril, e que aperta a tua cintura,
Que ajeita tua bunda e se afunda nas curvas da tua escultura.
Eu quero ser tua calcinha, Quitéria, Rosangela...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que te dá conforto e desperta desejos e vaidades,
E que na gaveta de calcinhas aguarda por tuas vontades.
Eu quero ser tua calcinha, Solange, Talita...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela sua segunda pele, tão quente, mas tão artificial,
E tão sintética quanto natural, sempre a pele superficial.
Eu quero ser tua calcinha, Úrsula, Valentina...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela tão íntima quanto amiga que não se rasga,
E tão cruel quanto o vinho com o qual se engasga.
Eu quero ser tua calcinha, Wilma, Xênia...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela que esconde a tua pureza e expõe tua safadeza,
Na ditadura cruel que põe na mesa o sentido de beleza.
Eu quero ser tua calcinha, Yasmin, Zulmira...
Eu quero ser tua calcinha,
Aquela de algodão cru entrando no teu cu e na tua buceta,
E ser-te tão importante quanto o preço em minha etiqueta.
Eu quero ser tua calcinha...

16/09/2019

13/09/2019

Selvageria - Uma Escultura

Selvageria - Uma Escultura
Luiz Carlos Cichetto








Há cerca de duas semanas, precisava atravessar a linha de carga da Rumo, mas como o trem tinha parado, tomei a decisão de contornar pelo fim da composição. O local é bem deserto, e ao andar sobre as pedras onde se assentam os dormentes, deparei com alguns ossos, e ao lado deles um crânio, que me parecia ser de cachorro. Apanhei, e notei que o mesmo deveria estar ali há anos, pois estava completamente limpo e seco. Decidi apanhar e levar para casa.
No dia seguinte com a ideia de procurar um pedaço de madeira, cerca de cinquenta metros do local onde encontrara a tal caveira. Logo de cara, um galho, parcialmente queimado, com uma forma que prontamente identifiquei, como um elefante, com a cabeça erguida e a tromba levantada, como se tivesse gritando de dor. Na hora a associação com as duas peças se fez, e a escultura se materializou na minha cabeça. O tronco, além de queimado tinha sinais que teria sido antes serviço de lar e alimento para alguma comunidade de cupins, o que aumentava mais ainda o conceito de vida e morte.
Trabalhei nos últimos dias preparando o tronco, aplicado óleo queimado para eliminar ainda possíveis cupins e removendo partes soltas de cascas. O crânio foi colocado de molho em uma solução para higienizar. A cada gesto, a cada atitude, minha cabeça viajava sobre as histórias de todas as vidas que tinham um dia habitado aquelas peças e que hoje não mais existiam. Aquele cão, qual seria sua história? Do que teria morrido? Há quanto tempo? Ele poderia ter sido de alguém, que pode ter ficado triste com seu desaparecimento. Um caudal enorme de vidas entrelaçadas, alegrias e dores, todas ali, naquele crânio de cão. 
E o pedaço de madeira? A qual árvore teria feito parte, antes de servir de moradia de cupins vorazes, ter sido cortado e depois queimado? Quanta vida tinha existido naqueles pedaços de coisas mortas que agora eu tinha em minhas mãos? Uma enorme sequencia, decerto. Alguém matou o cão, alguém cortou e incendiou o galho, mesmo que sem qualquer intenção de matar. A selvageria natural.
Preparei tudo com muito respeito a essas vidas, e com o espírito de quem prepara um monumento. O resultado é uma obra de arte? Não sei, não entendo de arte, e nunca tinha feito nenhuma escultura. O máximo que cheguei foi há três anos, incentivado por minha "madrinha" Nua Estrela, pintar algumas coisas.
Por fim, penso agora que isso é alguma espécie de convergência, que me fez unir essas peças, como se estivessem me esperando para juntá-las, e senti uma espécie de conforto filosófico e poético ao concluir. Essas vidas tão dissociadas, ou nem tanto, agora estão interligadas e me soam como um tributo à selvageria natural, parte de toda vida.

13/09/2019

Preposto

Preposto
Barata Cichetto



Quem dera eu pudesse o ser o meu oposto,
E assim poder atender ao jeito do teu gosto,
Mas declaro para teu desespero e desgosto:
Serei sempre o oposto do que tenha suposto.

Ah, como eu queria, ser um homem com posto
Composto de qualidades que lhe fariam gosto,
E ser das tuas costas tortas e flácidas o encosto,
Mas prefiro ser eu e de mim mesmo o preposto.

13/09/2019

10/09/2019

Domingo no Parque

Domingo no Parque
Barata Cichetto


Sai de casa. Precisava de paz, um lugar para fumar meu cigarro e ler um livro, e talvez olhar algumas bundinhas chacoalhando em bermudas curtinhas. Fui a um parque público, um lugar enorme, cheio de tudo o que eu precisava: natureza, tranquilidade, pessoas bonitas. O lugar perfeito para ler, pensar e fumar. Na entrada do parque uma placa e um segurança mal encarado me diziam ferozmente que eu não podia fumar. Não quis contestar. Era a lei e a lei a gente respeita. Entrei, procurei um banco que não fosse coberto com bosta de pombos. Achei um mais ou menos limpo. Sentei e abri o livro. Duas garotas passaram correndo, com as tais bermudas coladinhas, naquele passinho aprendido nas academias de ginástica e olhando o Apple Watch no pulso. Fiquei olhando. Uma dela me lançou um olhar de nojo e continuou saltitando. Abri o livro. Ainda restava ler e pensar. Um grupo de moleques, pré-adolescentes, quatro ou cinco garotos e duas garotas, sentados na grama bebiam cerveja e ouviam "Funk", repetindo o refrão pornográfico e as moças ficavam de quatro na grama e rebolavam, enquanto os garotos a bolinavam. Somando todas as idades, decerto não daria a minha. Tentei me concentrar no meu livro e nos meus pensamentos. Ayn Rand, A Revolta de Atlas. Um pombo deu uma cagada bem na página 333.  Limpei. Levantei e instintivamente apalpei o maço de cigarros no bolso calça, peguei um e acendi. Nem tinha dado minha primeira tragada e um segurança, sujeito negro, enorme e careca se aproximou em um patinete motorizado, e começou a berrar que era proibido fumar no parque. Já no susto o cigarro caiu e o brutamontes o pisoteou e disse que se eu insistisse ele me retiraria à força do local. QAP? QSL? Ele saiu, e parecia que não tinha pés, mas rodas em seus lugares. Fiquei olhando para meu cigarro esmagado, que custa caro e paga 57 impostos e ainda olhei para o grupo de adolescentes que riam de mim. Eu só queria ficar em paz, ler e pensar, num lugar com pessoas e coisas bonitas. Ainda tempo de pensar. Era só o que sobrara. Procurei outro banco, mas quase todos estavam ocupados ou cagados demais. Tinha um local mais afastado, meio ermo até, e fui até lá, mas o único banco disponível estava ocupado. Dois sujeitos, muito magros e maltrapilhos dividiam um cachimbo de "Crack". O segurança passou ao largo, com suas rodas mecânicas em lugar de pés. Os sujeitos me olharam assustados. Abanei a cabeça e sai de perto. Um homem de terno passeava com um enorme e caramelado Chow-Chow japonês e puxou a guia do cão, não sei se para proteger-me do animal ou ele de mim, e uma mulher empurrava um carrinho de bebê com apenas uma das mãos, enquanto a outra digitava freneticamente no celular. Decidi ir embora, ler e pensar em outro lugar, que em parques não se pode pensar, não se pode fumar. É a lei.Na grama, deitados, dois casais se beijam e se chupam e se cospem e quase se despem. No caminho de pedras gastas doze policiais e dois jovens normais, amados ou não, armados ou não. Eu ainda lembro das flores, dos canhões e das canções, mas não tenho mais emoção. Ainda lembro da fumaça, mas esqueci do fogo. E isso me dá vontade de fumar. Esqueça a canção.  O moleque catarrento me pede um cigarro. Eu digo que não. Ele não sabe ainda que é proibido fumar no parque? Nem tem sete, e me mostra o canivete. Lá se foi outro cigarro, só me sobrou o escarro. Onde andam as estátuas do parque, pergunto ao policial. E ele responde, bem ali debaixo daquele monte de tinta colorida de spray color gin vermelha a arma da revolução. O sujeito cabeludo e barbudo me intercepta bruscamente e pergunta se gosto de poesia. Enfio a mão o bolso e ele arregala os olhos. Tiro um poema e ele sai correndo com suas duas folhas de papel dobradas em quatro, me olhando feio, sem esperar que eu pegue o dinheiro no outro bolso. O parque está imundo. Merda de pombo, camisinhas sujas de esperma, papel de picolé, folhetos de propaganda de supermercado; a grama esmagada e os girassóis murchos. Girassol me lembra sol e sol me lembra calor e calor lembra fogo. Alguém tem fogo? Eu perguntaria, e depois de fumarmos juntos sairíamos para festejar, cantar ou fazer uma revolução. Mas, não, agora não podemos fumar juntos, então não mais festa, nem cantoria e nem revolução. Onde há fumaça sempre há fogo, dizia minha avó que morreu fumando. Onde não há fogo não tem calor, e sem calor nada tem valor. Acho que tinha uma canção dos tempos em que fumantes ainda não eram criminosos que dizia isso. Uma canção antiga, dos tempos em que ainda eu podia ir ao parque fumar. Os tempos mudam? Não, os tempos não mudam, são sempre os mesmos ponteiros que marcam as mesas horas todos os dias ao longo dos milênios.  Mudam as leis, mudam as pessoas, e mudam as coisas de lugar, e só agora sei que é um pecado fumar. Na saída, respirei aliviado, mesmo depois de ser atingido por uma bela cagada de pombo que escorreu pela minha barba. Apanhei um cigarro no maço e acendi, soltando uma vitoriosa baforada para cima. Dei um passo na calçada, outra tragada. Uma velhota passou e reclamou da fumaça e do fedor, abandando com a mão enrugada, o segurança de rodas eletrônicas me olhava com cara de bosta do portão. Era um domingo, fui ao parque. Queria ler, fumar, pensar, ver gente, que nem precisa mesmo ser bonita, bastava ser gente. Era um domingo no parque. E podia até ser segunda-feira, que qualquer dia é dia de intolerância. Não vou mais ao parque, prefiro pensar dentro de casa onde ainda posso fumar e pensar. Fumar no escuro, que a claridade é para os intolerantes e ditadores. É proibido fumar no parque. Há fumantes passivos e amantes lascivos. Falantes nocivos. Até que decidam me proibir de pensar. Até que um dia decidam que sou um perigo à saúde pública, que pensar faz mal à saúde, até que me proibam de estar em casa, aque a arrombem, que apaguem o cigarro na minha testa. E que me matem. Em nome da saúde pública e da maldade privada. 

10/09/2019

08/09/2019

Poesia Matutina

Poesia Matutina
Barata Cichetto
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Estou parado na esquina com a mão dentro das calças.
Uma mulher arrasta pela calçada uma mala sem alças,
E um sujeito bêbado arrota e a chama de vagabunda,
Mas eu, que sou poeta legal, apenas olho sua bunda.

Aperto meu pau duro e abro o zíper da braguilha,
A mulher limpa o catarro da criança maltrapilha.
E eu e o bêbado vomitamos nossos nojos na sarjeta,
Quando a mulher nos pede fogo e a criança gorjeta.

Estamos parados na esquina, eu e o tal bêbado imundo,
Somos um par de tolos: ele é o poeta e eu o vagabundo.

Sujei minhas botas novas e o mendigo a seus chinelos,
E a mulher e a criança nunca me pareceram tão belos.

09/07/2017

Uma Carreira Para Lou Reed

Uma Carreira Para Lou Reed
Barata Cichetto
(Poema Lido Primeiramente no Programa Gyroscopio 69, de 08/09/2019)




Era um domingo de manhã, mal tinha amanhecido
E fiquei sabendo que Lou Reed tinha desaparecido.
As putas da Sé nem sabiam o que tinha acontecido,
E até as bichas da República dele tinham esquecido.

Aí apanhei no armário meu casaco de couro rasgado,
E juntei meu óculos escuro há muito tempo guardado.
Rabisquei um poema e fui para a rua feito um soldado,
Firme em sua luta, mesmo com seu coração machucado.

Lewis Allen Reed está morto, e eu totalmente perdido,
Mulheres de braços tatuados me chamando de fedido.
O casaco de couro está rasgado e um tanto encardido,
Mas sou eu o fedor dentro de um mundo arrependido.

Holy não veio de Miami, nem Caroline e o Delegado,
E ninguém sabe se a Rachael também tenha chegado.
Fui ao enterro, e Lou não tinha ainda sido enterrado,
E não havia negras cantando, que agora isso é errado.

Era domingo de manhã, e eu ainda nem tinha dormido,
Abraçado com duas putas pagas a preço de comprimido,
A doce Jane sabia por alto que Lou Reed havia morrido.
Mas nenhuma das musas sabia sobre o tempo decorrido.

Ao fim da noite tirei os óculos e o meu casaco descascado,
E depois esmurrei a parede com o punho ensanguentado.
Lou Reed morto e a mãe dos versos havia agora abortado,
Pois outro poeta grandioso quanto ele não teria suportado.

27/08/2019




Porcos Não Usam Colares

Porcos Não Usam Colares
Luiz Carlos Cichetto


Porcos dividem o mesmo cocho, a mesma lavagem, feita de sobras das mesas do poder. E um empurra o outro, dizendo que o outro é mais porco. O porco branco se acha melhor que o porco preto, o porco amarelo se diz superior. Cobram se entre si o que nenhum deles deve, enquanto a lavagem esfria. Todos são porcos diferentes, mas alguns porcos são mais diferentes que outros porcos. Ou mais porcos que outros. Enquanto isso, estala o chicote no lombo de todos os porcos, porque para os donos da porcaria, todos os porcos são iguais, e é ilusão da igualdade o que os separa. Do cocho ou da mesa de jantar. Que tipo de porco você é? Dá para escolher. Ou não?

07/09/2019

07/09/2019

Esperando Manuel

Esperando Manuel
Luiz Carlos Cichetto

Meu amigo Manuel chegou de Portugal ontem. Fui esperá-lo no Aeroporto. Ele chegou cansado, mas eufórico, afinal o que eu lhe tinha prometido anos atrás era mesmo para causar euforia. Quando publiquei meu primeiro romance, Manuel foi o primeiro a comprar. Eu era um escritor muito pobre, sem esperanças de publicar, e muito menos de um dia chegar ao patamar aonde cheguei.

Manuel, meu amigo, tinha um sonho, que era participar de um bacanal com doze putas em Paris, e eu prometi que se um dia eu fosse um escritor rico, iríamos os dois até lá, contrataríamos as tais moças e faríamos nossa festa. Fiquei rico como escritor, e nunca esqueci a promessa, que só não foi possível acontecer da forma como sonháramos pelo fato de que Paris não existe mais. Foi tomada por islâmicos e depois incendiada, sob s aplausos dos comunistas franceses. Ele não quis que fosse em Portugal, pois é amante da cultura brasileira, embora eu insistisse com ele que a cultura que ele tanto admira também não existe mais, pois tudo foi tomado pelos comunistas brasileiros em uma estranha união com os neo-pentecostais. 

Saímos do Aeroporto, onde o topo da torre de controle ostenta o logotipo do governo, que é uma foice e uma cruz - não sei bem se é uma cruz ou uma espada, pois deve ter sido proposital o desenho estilizado para confundir - E atravessamos várias avenidas, onde tremulam bandeiras vermelhas com esse símbolo, e nos dirigimos para o Hotel Stalin, onde eu tinha feito reserva para o bacanal. As doze putas já deviam ter chegado. Todos os prédios governamentais tinham nomes de ditadores comunistas ou de pastores evangélicos. 

O recepcionista, que tinha barba, dois seios enormes, ancas largas e músculos aparentes, usava um cabelo de todas as cores do arco-íris e deu um murro no balcão. Eu não tinha de fato reserva, aliás, nem me conhecia, meu nome não constava entre as pessoas autorizadas a usar o Hotel, já que minha pontuação era baixa demais por proferir criticas ao Governo. Ainda tentei ponderar que eu era um escritor rico, e que tinha dinheiro para pagar o quarto e as putas. Ele disse que putas não me eram autorizadas, e que elas eram exclusivas aos membros do Partido ou do Templo.

Nervoso, Manuel ameaçou um escândalo, mas eu o contive. Eu era um escritor rico e poderia pagar por outras putas. Andamos horas por avenidas como a Edir Macedo e Lula da Silva, entramos por vielas escuras com nomes como Geisi Arruda, Manuela D'Ávila e Sônia Hernandes. Estavam desertas, cheiravam a urina e todas as paredes dos imóveis estavam pichadas. Não encontramos nenhuma puta. Deviam estar todas ocupadas bordando as fardas dos valorosos soldados brasileiros que tinham sido mandados à Venezuela lutar pela liberdade da América Latina, numa guerra que se estende desde que Maduro morreu aos 108 anos, e deixou em seu lugar um filho bastardo que teve com uma brasileira.

Meu amigo Manuel ficou triste. E eu também. Há dez anos esperamos por aquele momento. Não iríamos ter nosso bacanal, nenhuma puta e nenhuma celebração. Levei-o de volta ao Aeroporto. Ele embarcou triste e eu voltei para meu quartinho nos fundos de uma casa caindo aos pedaços, ocupada por traficantes armados, que também ostentam o símbolo do governo na porta. Agora são declaradamente amigos, já que a guerra que eles supostamente travavam era apenas um disfarce.

Eu contei que era um escritor rico, mas não disse que tinha dinheiro. Todo dia vou ao Aeroporto imaginando que vou esperar meu amigo Manuel, que nem sei mais se está vivo, já que todas as nossas comunicações foram cortadas depois de que o Facebook, propriedade do Presidente dos Estados Unidos, da ONU e da OEA, Mark Zuckemberg declarou guerra a todos os que se opunham, e bloqueou não apenas a rede, como toda a Internet e as comunicações. Sou um escritor rico, pois ainda escrevo coisas que ninguém lê, por não poder nem querer, e minha riqueza são apenas pilhas de papel empoeirado numa estante de tábuas de construção.

07/09/2019

05/09/2019

Recital

Recital
Barata Cichetto



- Alguém na plateia gostaria de chupar meu pinto? - Perguntou o poeta no meio do recital. Cinco das dez pessoas presentes na sala se levantaram e saíram. Eram quatro homens e um individuo que não se notava claramente o gênero. Ficaram quatro mulheres e outro ser sem gênero definido.

- Alguém na plateia gostaria de chupar meu pinto? - Repetiu o escritor, agora num tom de voz mais alto. E o ser transgênero e outras duas mulheres se ergueram, bateram no encosto da cadeira e se retiraram, sem antes desfilar uma série de palavrões ao artista. Eram gora apenas duas mulheres sentadas, de pernas cruzadas exibindo dois pares de coxas lisas e bem torneadas que ficaram.

- Alguém na plateia gostaria de chupar meu pinto? - Ele tornou a falar, e uma das mulheres se ergueu da cadeira e foi em sua direção. Subiu no pequeno palco e abaixou-lhe as calças. Depois abocanhou-lhe o pinto e o chupou. O poeta lia com voracidade os poemas do seu livro, e quando chegou ao ultimo poema esporrou dentro da boca da mulher. No meio da história a outra mulher tinha desaparecido.

- E daí, cara, como termina essa história?
- Não sei. Cala a boca e continua chupando!

05/09/2019

04/09/2019

Resenha Sobre A Mulher Líquida, Por Genecy Souza

Resenha Sobre A Mulher Líquida
Por Genecy Souza
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Sou um dos muitos homens que puseram as mãos em Angela Maria. No meu caso, só as mãos mesmo. O autor não me deu a chance de usar outra coisa (risos). De qualquer modo fiquei muito lisonjeado por ser citado pela (anti?)heroína.

Angela é o que se chama de mulher-problema. E é dessa forma que, de cama em cama, de homem em homem, de enrascadas em enrascadas, contrassensos em contrassensos, a mulher liquefaz toda um ordem moral e todo um ordenamento social que ela ousa desafiar com a única arma de que dispõe: o sexo. 

E Marquês de Sade.

E rock and roll.

E Belchior... tratado aqui como uma espécie de guru -- ou um norte incerto --, cuja poesia-voz-música-e-bigode o excluem longa lista de homens-objeto de Angela, pelo simples fato da existência da enorme distância física entre eles. O poeta e sua dileta ouvinte nunca se tocaram. Não trocaram fluídos.

A Mulher Liquida é aqui mostrada nua e exposta. E tal exposição também desvenda a nudez moral de pessoas amorais fora dos holofotes sociais e comportamentais, a começar por sua família. 

Angela Maria enfrentou o mundo com seu sexo e flertou várias vezes com a morte, e até tentou ser feliz em seu mundinho dissoluto. Na verdade, até foi. Mas era só um sonho.

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A Mulher Que Me Ensinou o Que é Poesia (E Outros Amores)

A Mulher Que Me Ensinou o Que é Poesia (E Outros Amores)
Luiz Carlos Cichetto




Há exatos 36 anos, no dia 28 de Dezembro de 1982, eu perdia uma das pessoas mais importantes e queridas, e em que todos os dias desses anos eu recordo.
No dia de Natal foi a ultima vez que a vi, ela estava triste, ao contrário do que sempre era. O médico tinha mandado parar de fumar, pois seu pulmão estava fraco demais. E ela disse que não conseguia, pois afinal fumava há mais de sessenta anos, e ademais, dizia que não via mais motivos para continuar, pois já tinha perdido o marido e um filho.
Entretanto, o que me marcou foi as ultimas coisas que escutei dela, em meio a uma brincadeira: que ela jamais conheceria um bisneto de minha parte. Ela sempre dizia isso, mas naquele momento soou diferente, afinal eu tinha me casado no início daquele ano, então, a qualquer momento eu poderei ser pai. Ah, sim, não era tão comum naqueles longínquos anos 1980 as pessoas serem pais e mães sem terem família formada. Ela morreria depois de três dias, e cerca de uma semana depois minha então esposa ficaria grávida de meu primeiro filho.
Nascida nos primeiros anos do século XX, na cidade de Jacobicabal, interior de São Paulo, Izaura Piccinini, era irmã gêmea de Izabel, de uma família numerosa. Anos mais tarde conheceu um mineiro, também filho de italianos, loiro e de olhos claros e se casaram. Foram seis filhos alimentados durante muitos anos com o trabalho na roça, como colonos de fazenda, na região de São José do Rio Preto, Catanduva. No final dos anos 1940, inicio dos 50, não estou bem certo, se mudaram para a Capital com o intuito de dar estudos e melhores condições aos filhos. Sempre moraram na região da Penha e Tatuapé.
Analfabeta, Izaura tinha uma sagacidade e uma inteligência enormes, mas que eram sufocadas pelo marido. Francisco foi um homem brilhante, inteligente, que se semi-alfabetizou quase de forma autodidata, somente aos quarenta e poucos anos, e em São Paulo passou a ganhar a vida fazendo vasos de plantas, cuja arte e engenharia presentes, espantariam qualquer artista ou engenheiro. Entretanto, o "Véio Chico" era um homem, até por força de uma existência sofrida, era um homem muito grosseiro com todos, incluindo aí netos, e tinha preconceito com os próprios netos. Embora todos os filhos fossem casados com também descendentes de europeus, ele tinha nítida predileção pelos que, como ele, ostentavam olhos claros. Eram dez os netos e quatro ou cinco tinham essa característica e gozavam de carinhos, agrados e até dinheiro por parte dele, o restante, incluso eu, eram ignorados, desprezados e até mesmo ofendidos. A única exceção era o mais velho, que mesmo não tendo olhos brilhosos, era tratado com a mesma deferência que os queridos, pelo fato de ser o primogênito.
As mulheres dessa época eram educadas para servir a seus maridos, e concordar com todas as suas decisões, sejam elas do caráter que fossem, então, enquanto ele viveu, ela simplesmente calava suas emoções com relação aos netos. Particularmente eu percebia uma afinidade maior dela comigo, mas que nunca era expressa por conta das predileções do marido. Mesmo assim, foi ela quem me incentivou a gostar de plantas, me ensinou os primeiros rudimentos para plantar e cuidar de flores, que eram sua maior paixão. 
Quando Francisco morreu, entretanto, ela sofreu uma transformação, ou melhor, passou a ser o que realmente era. E foi ai que nos conhecemos realmente, e surgiu entre nós uma enorme, uma maravilhosa, amizade e cumplicidade. Nos primeiros anos ela foi morar com uma filha, mas logo sentiu necessidade de ter seu próprio espaço. Assim, foi construída uma pequena casa de dois cômodos nos fundos do terreno do imóvel que fora construído por eles, mas que estava alugado. Era de bom senso ter alguém dormindo ali, lhe fazendo companhia a noite, até para eventuais emergências. O designado foi meu irmão borra-botas que ficou com medo de ela passar mal, então acabei sendo escolhido. E ai foram, sem a menor duvida, os melhor anos da minha existência. Se minha memória não falha, quase quatro, entre 1978 e 1982.
No pequeno quarto tínhamos nossas camas lado a lado e eu, ao chegar da rua ia para lá. Assistíamos juntos às gloriosas novelas das dez, particularmente "O Bem Amado", que ela adorava, e depois ficávamos sentados, cada um em sua cama, fumando e contando histórias. Eu adorava as histórias, ou causos, do interior, dos ladrões de cavalos, das lides na roça, das assombrações nos pastos, coisas assim. E, pasmem, em troca ela queria que eu lhe contasse, e com detalhes, minhas aventuras amorosas. Ela ria muito, e se eu, envergonhado omitia algum detalhe, ele ficava brava, me obrigando a detalhar. Ríamos muito. Ela era dona de um senso de humor impar, de uma compreensão das coisas do mundo como poucas pessoas, e jamais fez qualquer censura a nada, a ponto de, quando eu comecei a namorar, dormíamos espremidos na minha cama, com dona Izaura ao lado. Ela nunca fez qualquer censura ou comentário, como seria normal a alguém de sua geração.
Duas pequenas histórias dão exemplo disso. A primeira: naquela época não existiam baladas de amanhecer, as coisas, shows, bailes, tudo mais, acabavam no máximo as dez ou onze da noite, até porque não tinha transporte coletivo, então, era raro alguém passar a noite fora. Uma época eu tinha conhecido uma garota, que tinha uma profissão incomum: era puta, e trabalhava num puteiro do centro da cidade. E comecei a sair com ela depois do expediente. Numa sexta feira, decidi que iríamos a um hotel na região e lá ficamos até o meio dia do sábado. Não existia celulares, claro, e mesmo telefones fixos eram muito raros, portanto não tinha como avisar. Quando cheguei em casa, por volta de duas da tarde o alvoroço estava formado: minha mãe chorava, meu pai tinha ido à delegacia e estava naquele momento fora. Foi então quando expliquei que estava com uma namorada, que dona Izaura soltou ingenuamente: "É, Carlo, todo mundo aqui preocupado, e "ocê" lá gozando!" Todo mundo caiu na gargalhada e ela ficou com cara de pastel, já que não sabia o motivo das risadas, mas aquilo foi o que bastou para aliviar as tensões e me livrar de uma bela surra, que fatalmente meu amoroso pai me aplicaria, mesmo eu já com dezoito anos.
A outra situação inusitada aconteceu alguns anos depois, quando eu já namorava com minha primeira esposa. Ela, a vó, sempre dizia que o "véio", tinha sido o primeiro e único homem da vida dela, o que era comum naqueles tempos tão distantes. Ela havia me contado, por exemplo, que apesar de um brucutu, de um ogro com todos, nos momentos íntimos ele era extremamente carinhoso com ela, mas... Ela nunca tinha visto o pau de nenhum outro homem. Aliás, segundo ela, nem dele direito, pois sempre "faziam as coisas" no escuro. Foi ai que ela me fez o pedido: ela queria ver o pinto de outro homem, uma fotografia, claro. Caracoles, em 1981 não havia Internet e mesmo as revistas eróticas ainda eram bem brandas. Minha saída foi procurar uma banca de jornal e pedir... Uma revista "gay"... Agora, imaginem a cena: cheguei numa banca, pedi ao jornaleiro uma revista que tivesse fotos de homens com paus a mostra. E ainda tentando dar alguma justificativa, claro, com receio que o cara pensasse (Ingênuo) que eu fosse gay. O que eu podia falar: que minha avó nunca tinha visto um pau de outro homem? Claro que ia ficar pior. Bem, comprei a tal revista, coloquei dentro de uma fotonovela e levei para casa, mas não tive coragem de me sentar e mostrar. Pedi então a minha então namorada que mostrasse. E quase me mijei de rir na cozinha, escutando as risadas, os comentários e onomatopeias dela.
E há tantas outras, histórias de inteligência, de sapiência, de humor simples e ingênuo, como quando eu, já casado, recebi sua visita e fui preparar um suco de manga com leite e ela quase teve um infarto; mas a mais emocionante, e que eu jamais esquecerei, e que de alguma forma foi um dos meus maiores incentivos a nunca parar de escrever foi numa madrugada em que eu matraqueava minha máquina de escrever na mesa da cozinha e, de repente percebi sua presença, de camisola atrás de mim. Ela perguntou o que era que eu escrevia tanto, e eu lhe disse que era poesia. Ela não sabia o que era "poesia", e eu não sabia explicar, mas ela reagiu me dirigindo um olhar, como se entendesse o que era aquilo. E então me disse que gostaria de saber ler para entender o que era aquilo. Perguntei se queria que eu lesse, e ela me disse: "Não, não precisa, eu já entendi o que é. Isso é "ocê", Carlo!" 
Assim era dona Izaura Piccinini Lazarini, que morreu três dias depois do Natal, sem largar seu "pito", com suas mãos marrons de nicotina por esconder o cigarro, de edema pulmonar, e em quem todos os dias eu penso e lembro alguma passagem. De fato, posso dizer, a mulher mais poderosa e amorosa que conheci. E por horas lamento saber que há nada além da morte, e que portanto, nunca mais nos contaremos histórias, nunca mais nos sentaremos nas beiradas das camas até amanhecer o dia, rindo. 
Mas enquanto minhas carnes trafegarem por este mundo, ainda, graças a ela, saberei o que é poesia.

28/12/2018

Tenho Mais Amigos no Facebook que Poesias

Tenho Mais Amigos no Facebook que Poesias
Barata Cichetto



Acordo de madrugada com uma estrofe estampada no escuro. Tateio a mesinha de cabeceira e apanho o celular. Preciso anotar antes que o verso me suma da cabeça. Aproveitar a inspiração. Mas em lugar do Bloco de Notas uma Notificação. Abro o Facebook. Foi-se a poesia! Alguém ainda quer ser meu amigo? Tenho mais amigos no Facebook que Poesias.

04/09/2019

02/09/2019

Preconceitos Contrafeitos

Preconceitos Contrafeitos
Barata Cichetto


Que não me julguem demônio pelos meus feitos,
E nem um santo pelos meus defeitos.
Não me julguem inocente pelos meus conceitos,
E muito menos culpado pelos meus direitos.
Não me julguem morto por meus preconceitos,
E nem eterno pelos meus contrafeitos.

01/09/2019

01/09/2019

Uma Cachaça Para Raul Seixas

Uma Cachaça Para Raul Seixas
Barata Cichetto



Há em Raul, o que também existe dentro de mim:
O desejo das feras e a bela morte vestida de cetim.
Uma coisa intensa, metamorfose, desespero e solidão,
E eu tenho medo das sombras, mas não da escuridão.

Há tanto em mim quanto em Raul o pensamento,
Que existir sem ser, é ser apenas o esquecimento.
E que não importa o que lhe aponta na rua o sinal,
Porque sempre a sentença termina com ponto final.

Há uma ideia em mim, em Raul e em outros tantos,
Que reis podem ser belos, mas nunca serão santos.
Acreditar que posso ser rei sem ter sua majestade,
E que falta de luz não é a desculpa da tempestade.

Há tanto do Diabo em Raul e tanto de Raul na deidade,
Que nem sei quando eu morri, e nem sei a minha idade.
Estamos dentro do caldeirão do Diabo e não somos um,
Queimando no inferno gelado enxergando céu nenhum.

Há tanto de Messias em mim, em Raul e em qualquer,
E penso que não é seu senhor apenas quem não quiser.
Somos cavalos calados sem nomes, nem endereço fixos,
Contentes em sermos verbos transformados por sufixos.

Há tanto de mim em Raul que creio ser um egoísta,
Acreditando que posso ser bom sem ser comunista.
E que somos palhaços incendiando lixo na madrugada,
Com a certeza de que o fim é apenas o começo do nada.

21/08/2019

(Poema lido no Gyroscopio 69, de 01/09/2019)


Tudo Em Nome do Dever

Tudo Em Nome do Dever
Barata Cichetto


Eu não sei escrever, mas gosto de dizer que sei, e quem diz que gosta do que escrevo eu também gosto. Hoje não escrevi. Todos os dias escrevo alguma coisa, mesmo que seja qualquer coisa, mesmo que seja coisa à toda, ou até coisa boa. Mas hoje não escrevi nada. Não sabia o que escrever, sobre o que escrever; sobre cumprir comigo o meu dever. Não que eu deva escrever por dever, mas escrever por escrever. Nem que for para cego ver. Não sei se tem algo a ver com minhas crises de ansiedade, ou pela solidão desta cidade, mas decerto que pode haver algum motivo. E talvez esse motivo seja apenas o de eu me sentir vivo. É meu dever! Escrever?

31/08/2019

Pesadelos de Um Palhaço

Pesadelos de Um Palhaço
Barata Cichetto
The Midnight Clown - Mariano Villalba (Argentina)

Há um palhaço dentro de mim, picadeiro desfeito, que gargalha feito louco com sua roupa colorida, rosto pintado e um nariz de plástico vermelho. O palhaço quer rir, a platéia precisa de alegria, mas ele não consegue sair de dentro do picadeiro desfeito, de lona rasgada e diante de uma platéia que não lhe acha graça: o palhaço não consegue mais rir da sua própria desgraça.

29/08/2019

Foda-se, Facebook!

Foda-se, Facebook!
Barata Cichetto



Na casa do F azul, tudo que o que eu digo é: 

Foda-se, Facebook! Farsantes facínoras da fé fácil. Foda-se, Facebook! Falsos, falastrões e fingidos. Foda-se com F, que é facil falar falsidades e fazer falsetas. Foda-se Facebook! Fodam-se, fedorentos e frescos, fodam-se, fiscais. Ah, foda-se, Facebook! Foi foda fazer, aí fizeram festa. Foderam a federação, falsificaram a felicidade, ferraram a fidelidade. Facilitaram a foice, faliram a fiança. Fizeram feio, fomentaram falência, ferveram fetos. Foda-se, Facebook, faccção da farsa. Foda-se, Facebook! Filhosdaputa! Foda-se, Facebook! Fui fumar!

29/08/2019